Jornal Estado de Minas

Saiba como foi a vitória dos "claudianos" que resultou no retorno de frei às missas

De acordo com os superiores da ordem, frei presidirá a missa das 19h, realizada às sextas-feiras, e a de domingo, realizada às 11h

Gustavo Werneck Paula Takahashi

Após manifestação de fiéis contra suspensão da missa dominical das 11h, ordem dos carmelitas autoriza frei Cláudio a retomar celebração - Foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press - 25/8/13


Frei Cláudio van Balen vai retornar, já neste domingo, como celebrante da tradicional missa das 11h na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Bairro do Carmo, na Região Centro-Sul de Belo HorizonteA decisão foi tomada, nessa segunda-feira, pela Província Carmelita de Santo Elias, responsável pela paróquia, depois de reunião com o religioso, de 80 anosDe acordo com os superiores da ordem, frei Cláudio presidirá a missa das 19h, realizada às sextas-feiras“A suspensão foi consequência de uma reação lamentável ocorrida durante a missa das 11h, de 26 de janeiroTivemos o encontro com o frei Cláudio e ficou acertado o retorno da celebração eucarística e a volta dele como sacerdoteSempre mantivemos o diálogoO cancelamento foi temporário”, disse, ontem, o pároco frei Evaldo Xavier Gomes, recém-eleito prior provincial (superior) da Ordem dos Carmelitas no Brasil para as regiões Sul e SudesteEle adiantou que comunicou a decisão às autoridades diocesanas.

Diante da “nota de esclarecimento” divulgada anteontem pela Arquidiocese de Belo Horizonte, “na qual se reconhece ser da responsabilidade dos freis a definição de horários de missas e seus celebrantes”, a Província Carmelita informou estar “em sintonia com esse conteúdo e concorda com a permanência do frei no altar”A decisão de cancelar os cultos dominicais foi decidida pelos superiores da província e da Arquidiocese de BH, no dia 27

“Prevaleceu o bom senso”, afirmou ontem, diante da Igreja do Carmo, o engenheiro ambiental Cláudio Guerra, paroquiano e amigo há mais de três décadas do frei holandêsOrganizador, em parceria com Mauro Passos, do livro Artesão de fé, Guerra ficou feliz com a decisão de manterem o religioso no altar
“A bandeira dele é a mesma do papa Francisco; falam a mesma língua”, comentou o engenheiro, lembrando que, em 46 anos, o frei vem se dedicando ao trabalho na paróquia e, principalmente, às pessoas“Fizemos um levantamento sobre os serviços gratuitos oferecidos na Paróquia de Nossa Senhora do Carmo e verificamos que ela atende cerca de 35 mil pessoas por anoHá profissionais voluntários para as áreas médico-odontológica, farmácia, fisioterapia e psicologia para toda a comunidade, incluindo os moradores das favelas”, afirmou o engenheiro

Admirador das ações do religioso, a quem conhece desde 1981, Guerra lembrou que frei Cláudio nunca foi personalista e não teve nada a ver com o que ocorreu na missa do dia 26“Não estou falando que ele é santo, pois todos nós temos defeitos”, ponderouPessoas ligadas a frei Cláudio informaram que ele ainda não vai se manifestar sobre a voltas às missasO Estado de Minas entrou em contato, por telefone, com o religioso, e ele disse que somente o prior provincial se manifestaria a respeito da decisão.

"A bandeira dele é a mesma do papa Francisco; falam a mesma língua" - Cláudio Guerra, engenheiro ambiental e organizador de livro sobre frei Cláudio - Foto: Rodrigo Clemente/EM/D. A Press
CONFUSÃO
A relação entre a Paróquia do Carmo e frei Cláudio se tornou conturbada nos últimos quatro anos – em 2010, os frequentadores das missas chegaram a fazer abaixo-assinado para mantê-lo na Igreja do Carmo, tendo em vista a ameaça de ele ser afastado das celebraçõesA missa do dia 26, geralmente frequentada por mais de 1 mil católicos, foi a gota d’água nessa históriaUm grupo de fiéis impediu a realização do culto por não concordar com a ausência do frei no altarDe acordo com a ordem carmelita, o horário, por ter mais fiéis, em especial as famílias, foi escolhido para comunicar o nome do novo pároco, o padre Wilson da Mota Fernandes, de 31 anos, e que o frei Evaldo foi eleito prior provincial (superior) da Ordem dos Carmelitas no Brasil para as regiões Sul e Sudeste.

Um vídeo postado por um anônimo na internet mostra cenas que misturam gritos, vaias aos sacerdotes que iriam presidir a celebração, bate-boca, rostos amedrontados e lágrimas
A Polícia Militar foi chamada e ninguém se machucou, não se registrando danos ao patrimônio da igrejaNa quarta-feira, frei Cláudio divulgou o texto “Um esclarecimento necessário”, no qual explica que “estava ausente de BH, quando ocorreram manifestações imprevistasInformo que nada disso foi planejadoO que houve foi uma explosão emocional pelos fiéis, que estranhavam a presença, previamente não anunciada, do pároco, frei Evaldo, que não costuma presidir a celebração nesse horárioEu, responsável por ela, fui informado por terceiros de que estaria liberado da celebraçãoAo saber disso, resolvi acompanhar um casal amigo à sua residência na vizinhança de BH”Anteontem, pela manhã, mais de 200 pessoas deram um abraço na Igreja do Carmo, em solidariedade ao frei Cláudio, pedindo a sua volta às antigas funções

Ações sociais e sermões engajados

Em mais de quatro décadas na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, que começou em 8 de dezembro as comemorações do seu cinquentenário de fundação, frei Cláudio van Balen conquistou uma legião de fiéis admiradores com sermões engajados e, muitas vezes, controversosNo dia a dia, sempre estimulou a prática de ações sociais e desfiou assuntos polêmicos, tanto para a Igreja Católica quanto para a ciência, como aborto, eutanásia, homossexualismo, divórcio e até a transposição do Rio São Francisco, tema que virou presépio ocupando quase toda a nave da igreja.

Nascido na Holanda, coube ao garoto Jildert – nome de batismo – a escolha de vir para o Brasil, aos 16 anos, ainda na condição de seminarista, com um grupo de sete jovens holandeses, estudantes carmelitas da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte CarmeloDos oito, quatro concluíram a formação sacerdotal e, desses, dois perseveraram no sacerdócioFrei Cláudio é o único sobrevivente no Brasil

Após dois anos de estudo ginasial em Itu (SP), um ano de estágio em Mogi das Cruzes (SP), três de filosofia e quatro de teologia em São Paulo, ele também se formou em letras clássicasFoi ordenado em dezembro de 1959De 1960 a 1964, quando se encontrava em Roma, preparando-se para o doutorado em teologia dogmática, conviveu com o clima de renovação que iria desembocar no Concílio Vaticano IIEle conta que, na ocasião, teve a oportunidade de presenciar “uma significativa – embora passageira – mudança na Igreja Católica, em doutrina e pastoral”No retorno ao Brasil, depois de três anos por São Paulo, foi transferido para Belo Horizonte, onde daria aulas de teologia e trabalharia na paróquia do Carmo