A cada 60 horas uma ocorrência de racismo foi registrada pela polícia em Minas Gerais no ano passado. As 147 denúncias mostram que a intolerância à diversidade ainda persiste em um país mestiço e já signatário de convenções que tratam da eliminação de todas as formas de discriminação racial, como é o Brasil. Os dados dos anos anteriores mostram que houve melhoria na situação, já que em 2012 e 2011 foram 208 e 242 ocorrências, respectivamente. Mas, negros, autoridades policiais e funcionários ligados a órgãos de promoção da igualdade afirmam que o crime de racismo ainda é recorrente. Pior ainda é saber que muitas vítimas não denunciam casos de preconceito e permanecem alvo de piadinhas e brincadeiras pejorativas. O caso do jogador do Cruzeiro Tinga, alvo de preconceito durante uma partida no Peru reacende a discussão sobre discriminação criminosa.
A diminuição das ocorrências oficiais pode estar associada ainda ao medo que as pessoas passaram a ter com criação da Lei 7.716/89, conhecida como Lei do Racismo, como acredita a delegada Maria Alice Faria, da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, ao Idoso e ao Portador de Deficiência. É na unidade que também funciona o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Raciais e de Intolerância (Navcradi), inaugurado em novembro. “Tornou-se mais difícil assistir a casos explícitos de preconceito contra negros.
A delegada explica que ainda há muito desconhecimento dos negros sobre seus direitos. A promoção da igualdade no Brasil está garantida, segunda ela, tanto pela Lei do Racismo, bem como pelo artigo 140 do Código Penal, em seu parágrafo 3º. A diferença entre um e outro é que no primeiro a legislação trabalha a discriminação nos casos em que a pessoa se sente excluída, restringida dos seus direitos fundamentais. Um exemplo disso são vagas de emprego que excluem negros. Já no segundo caso, considerado injúria racial, o Código Penal se refere a situações em que a pessoa se sente ofendida em sua honra, como nas situações em que é chamado de algum nome pejorativo ou é vítima de brincadeiras de mau gosto.
Em BH, a discriminação não é diferente. Apesar de 52,7% da população se declarar negra, segundo o IBGE, ainda existe racismo. Segundo a coordenadora de Promoção da Igualdade Racial da prefeitura, Rosângela da Silva, o caso de Tinga mostra que as atenções devem estar voltadas cada vez mais para o respeito à diversidade, principalmente com a chegada da Copa do Mundo.
DEPOIMENTOS
“Um grupo de negros é visto como grupo do mal”
“O caso de Tinga ocorreu em um país vizinho, mas é uma pena que os brasileiros não se viram refletidos nessa situação tão lamentável. Ainda hoje e ao longo de toda a minha vida, sempre fui discriminado, assim como várias pessoas negras que conheço. Até mesmo os símbolos da cultura negra, como o cabelo black power, dread ou trançado é visto como pejorativo, como sinônimo de sujeira.
Frans Galvão, 27 anos, estudante de letras e pesquisador na UFMG
“Situações assim ainda acontecem porque ficamos calados”
“É ridículo ainda existir preconceito. Assisti pela TV o lamentável episódio com o jogador Tinga e fiquei muito preocupado. Não é assim que nós, negros, esperamos ser reconhecidos. Um grande movimento precisa ser criado para chamar a atenção dos governos, da Fifa e da sociedade para o combate a qualquer tipo de discriminação de cor ou de raça.
Kleber das Dores de Jesus, presidente do Conselho Municipal de Saúde da Regional Oeste de Belo Horizonte
“Racismo é uma parte suja da história”
“O racismo é uma parte suja da nossa história. Sempre fui vítima de preconceito racial. Sempre fui alvo de piadinhas de mau gosto ou tratamento pejorativo. Esse é um comportamento que parece estar enraizado nas pessoas, na cultura brasileira. Teve início na época da escravidão e se perpetuou. Uma vez, quando trabalhava em um banco, fui destratado pelo chefe que temia que eu ocupasse o cargo dele. Fui discriminado por ser negro. Ainda hoje, ouço coisas desagradáveis de pessoas que vivem em uma cidade que segrega de forma velada, silenciosa. Isso me chateia muito, me traz muita indignação e, à medida que posso, dou uma resposta à altura. Quem é negro no Brasil precisa fazer um trabalho diário de resgate da autoestima para provar que somos tão capazes quanto as outras pessoas, já que as oportunidades não são as mesmas. Quando se fala sobre o negro, as únicas associações feitas são em relação à cultura ou o resgate histórico. Ele não é envolvido, por exemplo, nos assuntos econômicos, financeiros, políticos. Vejo com tristeza o ocorrido com o jogador Tinga. Apesar de ter sido no Peru, que também é uma terra de negros, a discriminação é muito grande e recorrente no Brasil. Infelizmente, daqui a pouco, o assunto cai no esquecimento.”
Bernardo Nascimento de Souza, de 52 anos, representante comercial e presidente do Coletivo de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros de Minas Gerais
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