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Estado de Minas

Restauração da Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia, é concluída

Templo está pronto para receber os fiéis. É a única obra da arquiteta italiana Lina Bo Bardi em Minas


postado em 24/02/2014 00:12 / atualizado em 24/02/2014 06:37

Gustavo Werneck
Enviado especial


(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press.)
(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press.)

Uberlândia – Joia arquitetônica incrustada no cerrado, construção modernista espelhada nos primórdios da era cristã e centro de fé com grande participação comunitária. Quatro décadas antes de o papa Francisco pregar a humildade e o despojamento, a arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) seguia esse caminho e projetava nesta cidade da Região do Triângulo, a 540 quilômetros de Belo Horizonte, um templo católico que convida ao aconchego, recolhimento, riqueza espiritual e simplicidade. Erguida em meados da década de 1970 no Bairro Jaraguá, em Uberlândia, a Igreja do Espírito Santo do Cerrado teve concluída, semana passada, a etapa final de restauração sob supervisão e com recursos do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), responsável pelo tombamento desde 1997. Para o padre Márcio Antônio Gonçalves, há oito anos e dois meses como titular da paróquia, trata-se de um momento de alegria e alívio, pois, há sete anos, o local chegou a ser interditado por determinação da Justiça durante dois meses.

A área tombada contempla o complexo formado pela igreja, onde são celebrados missas, batizados e casamentos, casa paroquial, salão cercado por madeiras roliças para atividades comunitárias e um anexo, edificado posteriormente e projetado pelos arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz, residentes em São Paulo e colaboradores, em 1975, de Lina Bo Bardi, no trabalho em Uberlândia. Famosa pelo projeto do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista, a arquiteta italiana naturalizada brasileira tem, na cidade, “sua única obra em Minas e das poucas do interior do Brasil”, diz o artista plástico e especialista em iconografia Edmar de Almeida, que conheceu “dona Lina” em 1973 por meio do amigo e cenógrafo Flávio Império (1935-1985).


No seu apartamento-ateliê, no Centro de Uberlândia, Edmar prepara um livro sobre a arquiteta, nascida em Roma e que desde os 15 anos queria vir para o Brasil e tem vivas muitas histórias dos velhos tempos. “Imaginem, dona Lina era de esquerda, não tinha ligação com a Igreja, estava sendo perseguida pela ditadura militar e acabou aceitando projetar a Igreja Espírito Santo do Cerrado”, conta o iconógrafo, mostrando um livro de autoria da arquiteta com estudos e desenhos. Em 1973, na primeira visita de Lina Bo Bardi à cidade, Edmar a apresentou a frei Egydio Parisi e, três anos depois, começou a construção, no terreno dos franciscanos, que só terminou em 1982.


No livro, ela escreveu: “A igreja foi construída por crianças, mulheres, pais de família, em pleno cerrado. Construída com materiais muito pobres, coisas recebidas de presente, em esmolas. É tudo dado. Mas não no sentido paternalista, mas com astúcia, de como se pode chegar a coisas com meio muito simples. O que houve de mais importante na construção da Igreja do Espírito Santo foi a possibilidade de um trabalho conjunto entre arquiteto e mão de obra”. Edmar lembra que, nas conversas com a arquiteta, ela explicava que o projeto tinha como referência as primeiras igrejas edificadas, as paleo-cristãs, com o templo separado do campanário. A obra, acrescenta, contou ainda com recursos da fundação alemã Adveniat.

RESTAURO Na terça-feira, uma equipe do Iepha esteve na igreja para verificar o fim da obra de restauração. Segundo padre Márcio, faltam ainda o projeto paisagístico, a cargo de Ofélia Rosante Gomes, que será bancado pela paróquia e terá “plantas que Lina gostava e outras adaptadas à região”, e a decoração interna, com projeto de Edmar de Almeida: serão mosaicos representando o batismo de Cristo, na parede do altar; a pauta musical do canto gregoriano Veni creator spiritus, contornando a parte interna da nave; e a Anunciação do Anjo a Maria, que ficará sobre a porta de entrada. Conforme o diretor de Conservação e Restauração do Iepha, Renato Cesar de Souza, esse segundo projeto ainda está em análise no instituto.
Renato Cesar destaca a “arquitetura artesanal” da igreja, cujo espaço se destinava ao uso dos frades franciscanos. Com formas curvas, o conjunto, vinculado à Arquidiocese de Uberlândia, foi erguido com tijolo comum, sem reboco, assentado com barro. Para executar a obra, o Iepha contratou, em 2008, os arquitetos assistentes de Lina Bo Bardi (Marcelo Ferraz e André Vainer) para elaboração do projeto de restauração. Atento a todos os detalhes, padre Márcio lembra que na primeira etapa foi contemplada a cobertura da igreja, do salão da casa paroquial. Na segunda, houve intervenções na parte elétrica e hidráulica, demolição de uma caixa-d’água, novo sistema de armazenamento de água, reconstrução da parede do presbitério, inversão das pedras que haviam sido pintadas de forma inadequada, iluminação externa, correção do reboco também externo, impermeabilização e outros. “Esta igreja nasceu graças a um mutirão e é um dever conservá-la”, diz o pároco.

SATISFAÇÃO A igreja tem, no anexo, salas para cursos, aulas de artesanato para mulheres da comunidade e reuniões. Mas é no interior do templo que tudo ganha mais força, ainda mais quando a luz do Sol passa por uma claraboia, formada por telhas de vidro, e realça as faixas suspensas, que, dependendo da época, são trocadas por cores diferentes. No período natalino são brancas; na quaresma, roxas; nas festas de santos mártires, vermelhas; e no tempo comum, verdes. Frequentadora há 28 anos da paróquia e integrante do clube de mães, a artesã Eusenys de Fátima Morais lembra que a igreja passou por períodos difíceis e agora está segura. Ao lado, a professora aposentada Aparecida Alves ressalta o trabalho do pároco, que levou a sério os anseios da comunidade. “A igreja ficou muito tempo abandonada”, lamentou. Trabalhando nas pastorais, Maria Aparecida Soares comentou que “a obra começou na raça e a comunidade respondeu bem, com incentivo do padre”. É voz corrente que o ambiente simples, singelo e fraterno está em harmonia com as palavras do sumo pontífice.

Saiba mais
DE ROMA PARA MINAS
Uma mulher alta, elegante, nascida em Roma, Itália, naturalizada brasileira em 1951 e apreciadora da comida regional do país que a acolheu. E mais: trabalhou como jornalista, designer e arquiteta. Achillina Bo, que ficou conhecida como Lina Bo Bardi, estudou, na década de 1930, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma e depois se mudou para Milão, onde fez reportagens para a revista Domus. Durante a Segunda Guerra Mundial, participou da resistência à ocupação alemã. Em 1946, casou-se com o crítico de arte Pietro Maria Bardi e, a convite do fundador dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, os dois vêm para o Brasil. Ela, especificamente, para projetar o Museu de Arte de São Paulo (SP), sua obra mais famosa. “Dona Lina era louca pelo nosso país”, recorda-se o artista plástico e amigo Edmar de Almeida.

Memória
Interdição
Em 25 de abril de 2007, a Justiça determinou a interdição da Igreja Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia, e ordenou que a diocese providenciasse as obras necessárias para evitar a ruína da construção. Conforme matéria publicada pelo Estado de Minas, equipe do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) fez uma vistoria para avaliar a segurança e conservação do templo católico. Na época, o pároco Márcio Antônio Gonçalves informou que um engenheiro contratado pela diocese de Uberlândia havia concluído laudo apontando que a igreja não corria o risco de desabar nem representava perigo à população. E, na sequência, se reuniu com técnicos do Iepha e representante da prefeitura para apresentar o documento.

 


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