Jornal Estado de Minas

Sul de Minas está cada vez mais na mira dos criminosos

Polícia confirma 53 ataques a caixas eletrônicos no Sul de MG em 2013, mas número pode ser maior. Integrantes de organização criminosa paulista são os responsáveis

Jorge Macedo - especial para o EM
Pedro Rocha Franco - Enviado especial

Policiamento reforçado em Itamonte depois do confronto da madrugada de sábado. Ontem à noite, o sequestro de um morador da cidade por dois homens armados mobilizou a PM e a Polícia Civil na região - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

Itamonte – O ataque frustrado de uma quadrilha especializada em explosões de caixas eletrônicos em Itamonte na madrugada de sábado, que culminou com a morte de nove suspeitos e a prisão de quatro, depois de um intenso tiroteio com policiais de Minas Gerais e São Paulo, não foi uma ação isolada. Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais (Seds-MG) revelam que os municípios mineiros localizados no Sul do estado se tornaram alvo frequente de grupos criminosos paulistas. De acordo com esse levantamento, de janeiro a novembro do ano passado, foram registrados nada menos que 53 roubos com uso de explosivos a agências bancárias da região. Este número pode ser ainda maior, pois a Seds considera apenas as ações criminosas que resultaram em roubo de dinheiro. Em off, fontes falam em pouco menos de 80 ataques ao longo de 2013.

As investigações para apurar as circunstâncias do confronto de sábado apontam que os grupos responsáveis pelas explosões estão ligados à maior organização criminosa do país, com forte atuação em São Paulo. Aproveitando a proximidade com o interior paulista, os criminosos aterrorizam a região para capitalizar o bando. Apesar de os investigadores manterem sigilo sobre o inquérito, o quebra-cabeça montado pela Polícia Civil de Minas Gerais em parceria com o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil de São Paulo, unidade especializada no combate às organizações criminosas, indica que uma ramificação da quadrilha agia em Minas.

Em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, distante 142 quilômetros de Itamonte, a polícia prendeu em flagrante Thiago Aikana Padilha.

Ele teria relatado fazer parte da organização criminosa. Preso em Arujá, também em São Paulo, Alfredo Luiz Mancini também esteve em Minas e em seu poder a polícia encontrou notas manchadas de tinta, fruto de um assalto anterior. Conhecido como Alemão, ele é apontado pelos policiais como um dos olheiros da quadrilha e foi visto três dias antes em Pouso Alto, cidade vizinha, em um Vectra preto. No mesmo dia, numa ação incomum para a região, fogos de artifício explodiram durante o dia. A ação pode ter sido um ato de comunicação entre os integrantes do bando. Alemão é suspeito de participar de quase uma dezena de outros crimes. Os dois foram transferidos para a Penitenciária Nelson Hungria.

Além deles, dois homens foram presos depois de serem feridos no tiroteio de sábado. Marcos Siqueira Rubim foi atingido no peito e numa das nádegas e Joênio Varela de Araújo foi baleados no peito e no joelho. Ambos já deixaram o hospital e foram transferidos para a cadeia de São Lourenço. A delegada titular da comarca de Itamonte, responsável pelo inquérito que apura o confronto entre policiais e assaltantes, Camila Pacheco Monteiro, confirma que a Polícia Civil investiga a atuação da organização criminosa nos roubos a caixas eletrônicos. De acordo com ela, a participação da quadrilha em ataques anteriores vai ser investigada. Já a Polícia Civil de São Paulo acredita que o bando tenha sido responsável por pelo menos 20 ataques a cidades do interior de MG e SP. O modus operandi é um dos fatores que podem indicar se todos os crimes foram cometidos pelo mesmo bando.
O fato de eles terem atacado o pelotão da PM como forma de intimidação e o armamento usado podem ajudar na análise.

PROCURA DE PARENTES Outro detalhe que chamou a atenção da polícia foi a presença quase que imediata em Itamonte de pessoas que se apresentaram como parentes dos mortos, antes mesmo de os nomes e os rostos dos mortos terem sido divulgados. Em um dos casos, uma mulher, acompanhada por dois homens, foi até o pelotão da PM para saber os nomes dos mortos. Ela se apresentou como ex-esposa de um dos criminosos e disse que ele estava desaparecido havia dois dias. Pelas fotos, ela não conseguiu fazer o reconhecimento. Em outra unidade da Polícia Militar, uma mulher, na companhia de um advogado, também buscou informações sobre os mortos no confronto com a polícia. Para os investigadores, a rapidez indica que pode se tratar de pessoas que sabiam da atuação do bando em Itamonte.

Corpos dos mortos no tiroteio com a polícia foram liberados ontem para enterro. Parentes não quiseram comentar o assunto - Foto: Beto Novaes/EM/D.A PressO policiamento na cidade foi reforçado, pois há o risco de uma retaliação por parte de integrantes da organização criminosa. O efetivo do pelotão da cidade foi aumentado. Militares de Itajubá ficaram de prontidão com armamento pesado em frente à unidade durante toda a noite. (Com informações de Landercy Hemerson e Shirley Pacelli)

Vítima investigada

Um dos nove mortos na troca de tiros com policiais em Itamonte pode ter sido sequestrado e morto pelos criminosos em fuga. A Polícia Civil está investigando a possibilidade, embora uma mensagem no celular da vítima levante a suspeita de que ela seria um contato dos assaltantes.
O homem, o único dos mortos que mora na região, é irmão de dois policiais militares e estaria saindo da casa de sua namorada quando ocorreu o tiroteio. “Pode ser que ele estivesse no local errado na hora errada”, admitiu uma fonte policial. A hipótese é de que o homem tenha virado refém do bando e morto logo depois. Ele era o único que não usava colete a prova de balas.


Violência chegou com progresso

Localizada no extremo Sul do estado, Itamonte é uma cidade tipicamente mineira, de gente simples e rotina entre as fazendas de leite e queijo e as atrações turísticas da região das águas, composta por Caxambu, São Lourenço e municípios vizinhos. Mas esta rotina vem passando por mudanças de uns anos para cá. O progresso bateu à porta, principalmente com a instalação de um complexo industrial de material plástico. O desenvolvimento, que contribuiu para alavancar o PIB per capita do município de 13 mil habitantes, trouxe a tiracolo características de uma cidade grande para uma localidade sem a infraestrutura necessária, principalmente em termos de segurança.

Em novembro, tiros, ataque a caixas eletrônicos e as ameaças de uma quadrilha bastante preparada fizeram os moradores viver o que veem se repetir em cidades próximas de Rio de Janeiro e São Paulo. Mas, sem dúvida, o choque maior foi anteontem, com as cenas de um filme assustador que tem colocado em xeque a calmaria da Serra da Mantiqueira. Com a morte de nove criminosos, o filme terminou sob aplausos (possivelmente) unânimes no município. Resta saber quais serão os próximos capítulos.

Quando da invasão do município, a cidade dormia. Às margens da BR-354, que corta a cidade de ponta a ponta, no Hotel Thomaz, o proprietário do estabelecimento, além do açougue e da floricultura ao lado, Marco Antônio Telles, havia encerrado a atividade do bar e restaurante horas antes. A troca de tiros e os gritos ameaçadores logo o fizeram associar a confusão com o ataque de três meses antes, quando um bando armado sitiou o "quartel", como é chamado o pelotão da Polícia Militar, e explodiu sete caixas eletrônicos para roubar dois dos cinco bancos de Itamonte. Entre o medo e a curiosidade, ele diz ter se arrastado para a varanda do segundo andar do hotel, de onde foi uma das poucas testemunhas da troca de tiros. Um risco. Os três imóveis de sua propriedade ficaram com as paredes muito marcadas pelos tiros de fuzis, pistolas, escopetas e metralhadoras.

De um lado, no posto de combustível da esquina, policiais atiravam contra os criminosos que se escondiam na esquina do lado oposto do hotel. Por aproximadamente 20 minutos – que, na prática, podem ser mais ou menos devido à adrenalina da testemunha –, persistiu o fogo cruzado. Até um atirador de elite, posicionado estrategicamente em um cruzamento a quase 200 metros, ter acertado um tiro na cabeça de um dos assaltantes e outro comparsa ter sido ferido na perna. As marcas por todos os lados e a violência da madrugada de sábado aumentaram a freguesia do bar e "até quem nunca entrou, desta vez, trouxe amigos e pediu uma pinguinha só para ouvir a história", que, de tão repetida, fez Telles dizer que, na verdade, estava viajando de moto naquela noite. Se muda algo na cidade depois das mortes? "Nós vamos ter mais paz de saber que nove criminosos morreram. Isso muda para o Brasil inteiro", diz ele..