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Estado de Minas

Câmpus da UFMG é um dos maiores celeiros de ensino e cultura do país

São 55 mil pessoas aprendendo, ensinando, lutando contra a insegurança ou apenas ganhando a vida


postado em 03/03/2014 00:12 / atualizado em 03/03/2014 07:46

Jefferson da Fonseca Coutinho (Textos)
Alexandre Guzanshe (Fotos)


 

1 - Às 7h05, batalhão de alunos e funcionários entra pela portaria da Avenida Antônio Carlos(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
1 - Às 7h05, batalhão de alunos e funcionários entra pela portaria da Avenida Antônio Carlos (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Fôssemos dois criminosos a notícia seria outra. Em 18 horas de andanças por quase 30 prédios da Universidade Federal de Minas Gerais, nenhuma abordagem. Só no fim da jornada de dia e noite no câmpus Pampulha um segurança anota a placa do carro em que está a equipe do EM. Aproveitando-se dessa aparente liberdade, no último caso de assalto na UFMG cinco bandidos levaram um carro, dois celulares e uma carteira. A universidade apertou o controle nas portarias e pediu reforço policial. Mas a insegurança é só um de muitos aspectos da vida dos cerca de 55 mil cidadãos (mais gente do que em 790 dos 853 municípios mineiros) que transitam por este universo. Há mais. Muito mais, como mostra esta imersão nos 5,3 milhões de metros quadrados de uma das mais importantes universidades do país.

Pelas salas de aula da UFMG, meta de tantos, entre outros alunos de tutano passaram Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, João Guimarães Rosa, Juscelino Kubitschek, Dilma Rousseff, Pedro Nava e Tancredo Neves. Inspiração para muitos. É pelo futuro de expressão para o filho a batalha de Norival Souza, de 43 anos. Antes das 6h, o encarregado de instalações hidráulicas já está de pé para levar o caçula à universidade. Lucas, de 5, é aluno da Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) Alaíde Lisboa, no câmpus da federal. “É um sonho ver meu filho formado em algum curso aqui dentro”, diz.

 2 - Placa anuncia em três idiomas a entrada de um dos centros universitários mais importantes do país(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
2 - Placa anuncia em três idiomas a entrada de um dos centros universitários mais importantes do país (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
A Portaria 1 é o acesso à cidade do conhecimento pela Antônio Carlos. O Centro de Desenvolvimento da Criança, creche inaugurada em 15 de março de 1990, fica logo acima, à esquerda. É emocionante ver menininhos e menininhas arrastando as mochilas coloridas em rodinhas. Há também os pequenos cidadãos de colo, grudados no cangote dos pais. Pouco a pouco, essa boa gente miúda vai ocupando as salas da Umei, enquanto o parquinho, vazio, adormece.

Às 7h05, um batalhão aperta o passo para vencer o asfalto e ganhar o número 6.627 da grande avenida. No sinal verde para os pedestres, aos montes, os estudantes passam pela portaria, a essa hora sem controle – depois do último assalto no câmpus, a Reitoria determinou que alunos e visitantes devem se identificar, porém, só depois das 18h. Pela manhã, os que estão motorizados vão em busca das 5,5 mil vagas de estacionamento. Já pelas calçadas, trilhas e gramados se espalha uma diversidade de estilos – especialmente em cabelos, barbas e óculos: rapazes e moças com roupas básicas, extravagantes, coloridas e curtas, de mochilas ou bolsas descoladas.

3 - Estudantes batem papo na Praça de Serviços, um dos espaços de encontro da universidade (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
3 - Estudantes batem papo na Praça de Serviços, um dos espaços de encontro da universidade (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Nem todos estão a caminho das salas. A moça bonita, vestida de oncinha, vende balas, doces, jornais e biscoitos de queijo. Também café, leite e suco para matar a sede logo cedo. Sorridente, em paz, a vendedora é antídoto para o mau humor das manhãs. Na bancada improvisada na calçada, ela conversa amizades com alguns já conhecidos. De arranjo nos cabelos e brincos de bom gosto, Ludmila, que acorda à 1h para preparar a venda e desde as 5h está em público, esbanja doçura no desjejum do câmpus.

Ao longe, chama a atenção o garoto andando e lendo. Em passos espertos, o magro barbado não tira os olhos de Primeiras estórias, de um certo João, ex-aluno da UFMG. Anotações nos banheiros também deixam impressão no turno: “+ amor, por favor!”, “Querem nos transformar em máquinas”, “Je$u$ Incorporation”, “A gente se adaptou ao mundo feroz. Agora é hora de fazer com que o mundo se adapte a noz (sic)”, “Fundamentalismo religioso, não!”, “Vote nu por um partido despido”. Também lá é lugar de opinião.

Indiferentes aos slogans e bandeiras, os pombos, os gatos e os peixes vão bem. Mirando os bichos, a fotógrafa bonita vai ao chão pelo melhor disparo rumo à natureza. No auditório 1 da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), a 1ª Jornada de Estudos Indianos. Cooperação Acadêmica Brasil-Índia no Século 21. O programa anuncia para as 9h mesa de cultura e filosofia com Maria Lúcia Abaure (UFPB) e Evandro Vieira Ouriques (UFRJ).

4 - Mural em corredor da incubadora de empresas sinaliza para a busca do conhecimento(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
4 - Mural em corredor da incubadora de empresas sinaliza para a busca do conhecimento (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
É recreio no diretório acadêmico (DA). Meninos e meninas se revezam nas mesas de pebolim e sinuca no Edifício Professor Yvon Leite de Magalhães Pinto. A estudante de economia, carregada de livros, aperta o passo nas havaianas brancas no sentido da Biblioteca Central, território de gente graúda. Não muito longe dali, a outra, morena e de pouca educação com o trânsito, ignora a placa de proibido estacionar e, na lata, embica o Uno azul no ponto de ônibus – cena comum, no caos das vagas para estacionar. Carro parado, vamos atrás do que mais há para se ver neste mundo do conhecimento.

 

Território de muitas tribos

Do alto do Instituto de Geociências (IGC) vê-se o Gigante da Pampulha. O Mineirão, em silêncio na manhã de semana, é ainda mais bonito deste mirante. Em torno dele, o território da diversidade. A mulher no ponto de ônibus, absorta, tem fone nos ouvidos. O quadro de horários indica as linhas A, B e C, internas, circulando das 5h40 às 22h45. “Bom-dia!” “Como?”, a moça sorri e libera a escuta. “O que acha da universidade?” “Ah… aqui é grande… muito legal. Mas não é para qualquer um, né!?”, considera. Luciana, de 34 anos, conta que abandonou os estudos ainda jovem para trabalhar. Está no câmpus para ver alguém, operário de uma das muitas obras em andamento na cidade do conhecimento.


Homenagem de placa. A avenida e a rua ajudam a manter vivos os professores Mendes Pimentel, fundador e primeiro reitor da universidade, e Eduardo Frieiro, um dos fundadores da Faculdade de Filosofia. São dois dos caminhos que levam a um sem-número de cartazes e bilhetes anunciando oportunidades de locação. Espalhadas, são de perder a conta as ofertas de vagas e quartos para moços e moças de fino trato. Gente como a que frequenta o prédio da grande biblioteca, quatro andares de obras das mais comuns e mais raras. Mochilas e bolsas para trás, um convite à leitura de valor. Uma mocinha passa “emplacada”: “Riquelme, caloura”. Trote. Ainda existe.

Haja canela e fôlego. Algumas centenas de metros abaixo, em curvas, a produtora de moda segura sombrinha para proteger a bela modelo do sol. Catálogo de beleza em cenário de macho, tipo borracharia – a garota cheia de roupas, porém. A Vênus de Milo simboliza a perfeição estética clássica no gramado da Escola de Belas Artes (EBA). No quintal, alunos trabalham fotografia com modelos vivos em movimento. Próximo à escultura sem braços, os cataventos são tocados pelo sopro quente do meio-dia.

Na incubadora de empresas, o drone pede passagem. Painéis bem pintados sugerem curiosidade e inteligência. Lugar de estudo, trabalho, inovação e vontade. Adiante, na Portaria 2, acesso à Avenida Antônio Abraão Caram, próximo à unidade administrativa, canteiro de obras para a construção do prédio do Centro de Transferência e Inovação Tecnológica, iniciada em “3 de dezembro de 2012”– diz a placa. O curioso é que o término anunciado para dia 30 do mês passado ainda é só terra vermelha revirada. O orçamento é de R$ 9,8 milhões para 3.350 metros quadrados de área construída.

Hora do almoço. De nada a R$ 8,50, come-se com gosto no Restaurante Setorial 1 – onde são servidas mais de 5 mil refeições por dia. Devidamente cadastrado, aquele que não tem condição não paga ou desembolsa pouco pelo prato do dia. Na bandeja, estrogonofe, arroz, batata cozida, alface e cenoura. Suco aguado e colorido à vontade. De quebra, para o depois, copinho descartável com doce de abóbora de boa qualidade.

5 - Um dos pontos de ônibus dentro do câmpus, na manhã de uma quinta-feira (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
5 - Um dos pontos de ônibus dentro do câmpus, na manhã de uma quinta-feira (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Ana Lídia de Almeida, de 20, estudante de biblioteconomia e estagiária na universidade, aprova a refeição. “Ruim, de vez em quando, são os charutos de repolho, feitos para aproveitar as sobras”, sorri, especialmente encantadora com seus brincos cor-de-rosa. Na saída, amizade na hora da sesta. Ramon Melo é sujeito curioso. Inteligente que só ele, aos 24 anos faz mestrado em robótica. Veio de Teresina (PI) em busca de conhecimento para levar à frente projeto audacioso para transporte de objetos, pessoas e animais.

Das exatas às artes, algumas calçadas câmpus adentro. Diego Monteiro, de 21, neto de Zé Gordo – saxofonista e trompetista de Alagoas –, ensaia lições passadas pelo professor linha-dura. Sob a copa frondosa, o trombonista manda ver Carinhoso, de Pixinguinha. Ao fundo, a turma do fagote cobre de vergonha a serra elétrica e as marretas do anexo em construção. No prédio da Escola de Música, alunos imersos nas partituras e no trato com cordas, teclas e instrumentos de sopro.

O artista cadeirante guarda a mochila no escaninho. Atrás da cadeira de rodas, desenho alegre do músico em ação no teclado. No primeiro piso, uma fresta de luz na porta que deixa vazar música erudita. De olhos fechados, o pianista solitário toca aplicado em performance de outro mundo. Recado no mural: Pablo, o Pokemon, quer aprender percussão. Em troca, oferece aulas de jardinagem. Também tem campanha pela salvação de pianos.

6 - Vista do Mineirão, o Gigante da Pampulha, de dentro do Instituto de Geociências (IGC)(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
6 - Vista do Mineirão, o Gigante da Pampulha, de dentro do Instituto de Geociências (IGC) (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Lá fora, ao lado de Diego, o trombonista, dois praticantes de tai chi chuan movimentam o invisível. No quadrante, tudo é paz e melodia. Tem ainda o cigarrinho suspeito da turma. Coisa de artista. A algazarra fica distante dali, no Colégio Técnico, onde uma gincana diverte os calouros de 2014. Ao lado da bagunça, na quadra de esportes, quinteto feminino joga pelada cheia de gols. Junto à Reitoria – faz falta ali a bandeira de Minas Gerais –, a menina acrobata anda na corda bamba. É o slackline presente entre as árvores do câmpus.

RETALHO DA HISTÓRIA

O caminhão-museu Sentimentos da terra, de Gringo Cardia, é atração passageira com retalho da história do Brasil. A senhorinha espectadora deixa a salinha de cinema emocionada com Violência e repressão no campo. “Muito bom e muito triste o filme. Venho do Vale do Jequitinhonha e lá já foi tanta tristeza assim”, diz. Perto do carro itinerante, o casal enamorado aparta as mochilas no aconchego do carinho. De havaianas e avental, meninos e meninas se revelam ao avesso para escrever com as cores na sala de aulas de pintura.

Um amontoado de santos ganha destaque no escaninho de número 133 da Belas Artes. No paredão de concreto, o papagaio gigante, em pintura acrílica sobre madeira, observa quem sobe e desce o terceiro pavimento. Professor Paulo Batista ensina para quem tem fome de luz. Do outro lado da avenida, Tonho recita Haroldo de Campos. No sarau, a plateia absoluta aplaude a sensibilidade. Entre os ouvintes, alguns vão de catuaba selvagem e biscoito de polvilho. Na abertura da bolsa de couro desponta Hilda Hilst.

O grupo Bombos de Iroko ensaia bloco de maracatu. Longe da poesia concreta, no prédio da Faculdade de Farmácia, a grande bola alaranjada no jardim lembra meio sol, meia lua, no azul furta-cor do céu. O cheiro de estrume de vaca indica o novo território. O Boi, de Jarbas Juarez, escultura restaurada em 2007, é uma beleza no quintal da Veterinária. Cruzada a escola, o hospital com atendimento ao público todos os dias da semana. Na portaria do pronto-socorro, o golden retriever de 3 anos vai buscar a namorada.

A noite da quinta-feira é animada na UFMG. Ao menos três festas movimentam o câmpus. Na melhor e mais intimista delas, na Estação Ecológica, o Cineclube Olaria recebe dois filmes: Sanã, de Marcos Pimentel, e Libertas , de Jackson Abacatu. Para encerrar o turno no recanto de 144 hectares de área preservada, show primoroso do Oxente Uai, com Raísa Campos (vocal), Gilmar Iria (acordeom e viola), Victor Rodrigues (violão), Flávio Cravo (percussão) e João Garcia (violoncelo). Tristeza do dia só a ação dos assaltantes no fim da noite de 20 de fevereiro. Testemunhas contaram que o bando, de cara limpa, dominou a segurança e roubou e apavorou estudantes próximo à Portaria 1. Medo que fica, vida que segue. Amanhã, a UFMG acorda para um novo dia.


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