Bruno Freitas
Mind the gap ou, em bom português, cuidado com o vão. A célebre advertência para o vão livre à frente, entre a porta e plataforma, eternizada pelo metrô de Londres desde 1969 – tornando-se um dos símbolos da capital inglesa – também vale para passageiros do BRT/Move. Usuários que embarcam em estações de transferência e terminais precisam ficar atentos para a distância que há entre o piso e o ônibus para não prender o pé ou pisar em falso. Não houve registros de incidentes nos dois primeiros dias de operação, mas a reportagem do EM observou que a aproximação dos ônibus nas estações foi uma das tarefas que mais exigiu atenção de motoristas e que nem sempre uma distância padrão foi mantida. No sábado, por exemplo, o motorista de um veículo que fazia a linha 83P encontrou dificuldade para o emparelhamento do carro às estações. A cada parada perguntava aos passageiros se a porta do BRT estava alinhada à da plataforma para desembarque: “Tá certinho aí, gente?” E os passageiros orientavam: “Só mais um pouquinho. Aí está bom”.
A BHTrans definiu como ideal a distância de 13cm entre os ônibus padrons (de motor dianteiro, com capacidade para 100 passageiros) e articulados (para 144) e as estações de transferência e terminais. Nos primeiros testes, a distância obtida foi de 17cm, ainda longe dos 10cm considerados ideais pelo grupo Embarq, uma das mais renomadas consultorias de mobilidade urbana, com atuação em cinco continentes. Na sexta-feira, durante a apresentação dos últimos detalhes sobre o início da operação do sistema, a BHTrans garantiu já ter alcançado os 13cm. O modelo de embarque em nível de Belo Horizonte – por meio de atracagem, com os coletivos estacionando nos pontos com o auxílio de sinalização externa, interna e separadores físicos (tachões) nas pistas exclusivas – é adotado por 90% dos corredores BRT de todo o mundo.
Entraves técnicos terão de ser superados para que motoristas consigam manter a distância planejada. Parte do treinamento de motoristas iniciado em 15 de fevereiro consiste no alinhamento mais próximo das plataformas, para que os usuários não pisem em falso no vão livre existente, mas o procedimento esbarra nas dificuldades de motoristas em alinhar os coletivos com a presença de tachões (ou delimitadores) nos corredores e a distância entre as estações de transferência (ETs). A manobra é considerada desafiadora por quem dirige. “Nas duas vezes que percorri o corredor Cristiano Machado da Rua Jacuí à Estação São Gabriel tive dificuldades em alinhar a quarta porta de embarque do segundo vagão (dos ônibus articulados) por causa da presença dos tachões instalados no piso”, disse um motorista que preferiu não se identificar. “A distância entre as estações também dificulta que um segundo ônibus articulado estacione alinhado na estação à frente”, acrescentou outro profissional.
Enquanto isso...
...Proteção contra batidas
Para evitar que os 428 ônibus padrons e articulados do BRT/Move sofram avarias durante a operação, a BHTrans planeja adotar uma proteção extra nas estações de integração e de transferência (ETs) ao longo dos corredores Cristiano Machado, Antônio Carlos/Pedro I/Vilarinho e Região Central. Um dispositivo emborrachado feito de neoprene, com canto arredondado, vem sendo aplicado para proteção dos coletivos durante o processo de atracagem. A inspiração veio dos BRTs de Cali, na Colômbia, e do Rio de Janeiro, onde a tendência se mostrou crônica nos primeiros meses de operação do Transoeste. Nas primeiras ETs construídas no Move, ficou constatado que há risco dos ônibus esbarrarem nas plataformas, cuja superfície tem recuo externo e cantos vivos.
Repórter passageiro (Jefferson da Fonseca Coutinho)
Sábado e domingo foi para poucos. De resto, curiosidade, treinamento e poses para as lentes dos celulares xing lings. Pode-se esperar ainda muita falta de informação. “A novidade dá mesmo um pouco de trabalho”, diz a mulher elegante para o senhor chateado com a hora perdida na parada vizinha, desativada.
Luiz Cláudio, de 23, também perdeu tempo na plataforma antiga. Há 14 horas sem descanso, o motorista de ônibus veio dirigindo de São Paulo até Contagem. Com saudades de casa, esperou 50 minutos no ponto desativado até saber da mudança. Junto dele, 16 outros passageiros perdidos com a dança das catracas.
“A lógica é a do metrô”, explica o fiscal. A mulher, chateada, rebate: “Mas, eu nunca andei de metrô, uai!”. Cansado, Luiz Cláudio, em roupa social e sapatos duros, só quer tomar a linha 715, e chegar no Bairro Monte Azul. Nas costas, a cesta básica da firma: 35 quilos de mantimento. Luiz Felipe, de 18, é do time de deslumbrados: “Tem até câmera de ré? Que luxo, hein, motô!?”.
O rapaz veio de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana, só para ver de perto o carrão. “Na minha cidade tá precisando de um deste”, sorri. Dois garotos de chinelas se divertem num duelo de celulares pelo melhor selfie. A vovó ao telefone é pura empolgação: “Tô andando de BRT. Muito chique! Não posso falar demais porque tô rouca. Semana que vem eu passo aí”.
O mecânico Bruno Ribeiro, de 28, está feliz. Deixou o carro em casa só para passear de articulado com o filho Bernardo, de 2. “A população reclama das obras porque não conhece os benefícios. Agora, acho que todo mundo vai entender e aceitar melhor o BRT”, diz. Dona Floripes, do Bairro Vitória 2, não ficou muito contente com as mudanças.
“Tive que ficar um tempão na catraca para resolver o problema do cartão e ainda perdi dois ônibus no único dia que tenho de folga com a minha filha”, reclama. Sarah, de 10, a filha carinhosa, dá apoio à mãe. Acabou o passeio. Quando a primeira estrela zero bala do dia deixar a Estação São Gabriel na madrugada desta segunda-feira vai ser outra história.