São pelo menos sete anos de uma rotina que exige uma força física e outra interna, ambas descomunais. Subir e descer cadeiras de rodas por degraus de ônibus quase sempre sem elevador só se torna tarefa menos árdua por causa do amor da mãe pelos dois filhos cadeirantes. Duas vezes por semana, a dona de casa Maria José Almeida Santos Ribeiro, de 29 anos, encara o trajeto de ida e volta entre os bairros Nova Pampulha, na região da Pampulha, e Mangabeiras, Centro-Sul, com os dois meninos em cadeiras de rodas: Vítor, de 2 anos, e Caio, de 7. Nos outros dias, ela leva um ou outro para o tratamento na Associação Mineira de Reabilitação. E, junto, vai ainda o bebê de 2 meses. Tudo de ônibus, quatro conduções.
A implantação do Move veio como esperança de, a partir de maio, usar o corredor da Avenida Antônio Carlos, chegar mais rápido e, em pelo menos uma parte do percurso, se livrar do incômodo de veículos sem elevador. Ontem, Maria José e Vítor experimentaram a novidade. Aprovaram. Mas constataram a necessidade de muitas melhorias de acessibilidade. O ponto de partida e de problemas começou na Avenida Santos Dumont. Chegando pela Rua Rio de Janeiro, é preciso andar mais um quarteirão até a entrada pela Rua São Paulo, onde há rampa – o outro acesso é feito por escadas. “Se eu precisasse pegar este ônibus, perderia”, constata Maria José, ao passar pelo primeiro articulado.
No momento do embarque em direção à Estação São Gabriel, uma prova da falta de educação de passageiros. Embora estivesse em frente à porta para embarque e desembarque de cadeirantes e com uma criança, ninguém lhe deu preferência. Existe uma única entrada destinada aos deficientes, com passagem exatamente no nível da plataforma. Dentro do ônibus, outra constatação: “Num ônibus desse tamanho, há espaço para apenas um cadeirante. Não sei como farei quando estiver com meus dois filhos. Vou poder embarcar? Além disso, não cabe a cadeira motorizada, só a simples. Enquanto isso, nos fundos, há dois bancos que se elevam para dar lugar a duas bicicletas”.
Na saída, na estação Feira dos Produtores, no Bairro Cidade Nova, o motorista não encostou direito, e restou a Maria José fazer força com o pé para levantar a cadeira e passar por cima do vão de cerca de 15 centímetros formado entre o veículo e a plataforma. A dona de casa gostou do conforto e do ar-condicionado, mas pediu mais atenção: “Ou tem acessibilidade ou não tem. Não pode ser incompleta”.
Os problemas para deficientes entraram na pauta de reunião sobre transporte público ontem na Câmara Municipal. Uma das demandas é por sinais sonoros para cegos. “Tem o piso podotátil, mas como eles saberão se as portas estão abertas ou fechadas? Para surdos e mudos, também não há ninguém que saiba a língua de sinais para orientar”, afirma Maria José.
A BHTrans não informou se haverá limitações para a quantidade de cadeirantes nos ônibus. Para Maria José, Caio e Vítor, resta o sonho de um dia entrar num coletivo sem dor de cabeça. Em que motoristas não mais fingirão não vê-los no ponto de ônibus ou arrancarão o veículo depois de os demais passageiros entrarem, deixando-os para trás. Em que ela não mais precisará entrar para pedir alguém disposto a ajudá-la a subir com a cadeira quando o cobrador se recusa nem ter o filho arrastado pelo ônibus depois de a cadeira ficar presa na porta. “São muitas mães nessa luta”, lembra.
Passageiros ficam ansiosos
A primeira vez ninguém esquece – mesmo que se for em uma segunda-feira, bem cedinho, no Centro de BH, e no transporte coletivo. A manhã dessa segunda-feira foi de novidade – com momentos de ansiedade – para muitos trabalhadores que fizeram a sua estreia no BRT/Move. No horário de pico, entre as 6h e as 8h, o clima era de tranquilidade nas estações das avenidas Santos Dumont e Paraná, embora ainda imperando a falta de informação e a relutância na hora de entrar no sistema que contempla o corredor da Avenida Cristiano Machado.
“Confesso que estava um pouco ansioso antes de entrar nesse ônibus articulado. Aliás, é a primeira vez na vida que ando num BRT”, disse, com bom humor, o funcionário público Elio Osmar Marcondes Reis, morador do Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste. Acostumado a gastar cerca de uma hora, de casa até o trabalho, na área central da cidade, ele estava feliz por ter gasto menos de 15 minutos no trajeto. “De agora em diante, vida nova”, afirmou Elio, que considerou o sistema de transporte coletivo “prático e ágil”, bem diferente da linha 3503, ao qual está acostumado diariamente.
Para evitar surpresas desagradáveis, Elio procurou chegar mais cedo à estação, mas nem esperou cinco minutos e o ônibus chegou. “Paguei com o cartão BHBus. Achei o coletivo confortável, com ar-condicionado, e a única ressalva que faço é que o chão estava meio sujo”, disse o funcionário público. Durante a viagem, ele ficou impressionado ao ver o trânsito engarrafado na Avenida Cristiano Machado. “Tudo parado”, comentou, certo de que valeu a pena vencer a ansiedade e deixar de lado o estresse no trânsito.