Mais de 30 anos depois da última grande mudança estrutural no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, a promessa de duplicação de faixas e liberação de pistas marginais ao longo de toda o corredor cria a expectativa de mudar a realidade da via mais movimentada da capital. Ontem foi apresentado em audiência pública o projeto de reforma, que prevê a consolidação de um sistema expresso. A ideia é dar prioridade ao tráfego de longa distância nas pistas centrais e liberar as laterais ao longo de todo o trecho para o trânsito urbano. Depois de concluídas as alterações, previstas para durar no mínimo cinco anos, o Anel será capaz de receber um fluxo 43% superior ao atual, passando de cerca de 140 mil veículos por dia para mais de 200 mil. Inicialmente, porém, foi detalhada apenas a intervenção no trecho considerado crítico: entre as confluências com a Avenida Pedro II e com a Via Expressa, denominado Prioridade 1.
Ao longo de todo o percurso estão previstas 50 intervenções, entre passagens inferiores (trincheiras ou túneis), novos viadutos, alças de ligação e revitalização de elevados já existentes As marginais, que hoje são seccionadas em vários trechos, devem ganhar caminho livre, para evitar que motoristas sejam obrigados a voltar para a pista principal, mesmo tendo como destino bairros vizinhos. Pela via central poderão circular os condutores que seguem para destinos mais distantes na capital ou aqueles que trafegam pelas BRs 040, 262 e 381.
A via principal será alargada e terá três faixas de rolamento por sentido, mais acostamento – hoje são duas e, em alguns trechos, uma terceira ou acostamento. As marginais também ganharão terceira faixa. Na altura da Avenida Pedro II haverá novos viadutos, para proporcionar continuidade às duas marginais e eliminar o cruzamento em nível com semáforo. Na marginal, uma das faixas será exclusiva para o transporte coletivo. Serão feitas ainda adequações nas larguras dos elevados existentes.
Na Praça São Vicente, dois viadutos (um construído em 1958 e o outro em 1978) serão demolidos para dar lugar a nova estrutura, passagem inferior, trincheira sob o Anel e marginal. Os retornos serão feitos em trincheiras com formato de ferradura, a exemplo do que ocorre próximo ao BH Shopping. As mudanças devem facilitar o fluxo para o Centro de BH e o acesso aos bairros.
Na Avenida Amazonas, viadutos e marginais vão direcionar o fluxo entre os condutores que dirigem pela BR-381 e a 262 (ligação entre São Paulo e Vitória) e aqueles que seguirão pela Avenida Amazonas, sem a necessidade de desvios. Também está prevista uma faixa exclusiva para o BRT/Move da avenida. Demolição de viadutos existentes e construção de novos sobre a via principal e as marginais também fazem parte do projeto.
Entre obras e desapropriações, os recursos previstos são de aproximadamente R$ 600 milhões. O diretor-geral do DER afirma o montante está contemplado no plano de trabalho e será liberado pelo governo federal ao longo das etapas. Para revitalizar todo o Anel, serão necessários quase R$ 2 bilhões. As desapropriações das 7 mil famílias ficarão a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit).
O preço de viver com o perigo
Pneus furados e rodas amassadas por buracos e acidentes do Anel Rodoviário de Belo Horizonte foram por 15 anos o ganha-pão do borracheiro José Magno Barreto, de 44 anos. Pela sobrevivência da família, ele trouxe mulher e quatro filhos de 16, 14, 11 e 3 anos, para a margem de uma das mais perigosas vias da capital, que só no ano passado registrou 35 pessoas mortas em desastres – 13% a mais que no ano anterior, quando houve 31 óbitos. Mas, na manhã de terça-feira, a via precária e de tráfego intenso quase cobrou a vida do borracheiro pelos anos que lhe deu sustento. Uma Kombi desgovernada atropelou duas pessoas e atingiu José Magno quando ele trocava o pneu de um caminhão. No acidente morreu uma pessoa e outras três ficaram feridas.
No leito 404 do Hospital Risoleta Neves, em Venda Nova, com a perna direita parafusada, ontem, ele temia que o sustento da família ficasse prejudicado. “Só poderei voltar a trabalhar quando minha perna for operada. Mas tenho medo de que me deixem encostado no hospital, esquecido aqui e sem fazer a operação. Isso acontece com muita gente”, disse. Nos últimos anos, a vida lhe tem imposto grandes provações. Entre elas a morte da mulher, no ano passado, aos 38 anos, vítima de uma doença súbita no fígado. Antes do acidente da terça-feira, a família ainda se recuperava do baque que obrigou o borracheiro a se desdobrar no cuidado com os filhos dependentes e no trabalho, que vai da madrugada ao último cliente.
Para as filhas, a situação foi mais um grande choque. Ainda de luto, ver o pai desacordado em meio ao aço retorcido, pessoas mortas e feridas, fez com que o desespero tomasse conta da pequena Milene Barreto, de 11 anos. “Tinha medo de meu pai ter morrido e deixar a gente sozinha”, disse. Outra filha que ficou visivelmente abalada foi Ketlyn Estefani Teixeira Barreto, de 14. “A gente vê acidentes aqui sempre. Às vezes de quem chega com o carro para consertar. Mas nunca pensamos que isso fosse machucar a nossa família”, disse, ainda tentando se recuperar e, como o pai, preocupada com o futuro.