Ter um carro e dirigir mesmo antes dos 18 anos, usar roupas de grife, impressionar mulheres e estar sempre em evidência. Esse é o código de conduta de adolescentes envolvidos na criminalidade que rejeitam trabalho e estudo para buscar nos roubos a saída mais rápida para manter um padrão de vida marcado pela ostentação. Tudo isso encorajado pela sensação de impunidade, já que eles acreditam que não serão castigados por seus atos e acabam construindo extensas fichas criminais. Segundo a polícia, essa situação ajuda a explicar o aumento no número de criminosos com até 17 anos levados às delegacias em Minas Gerais por roubo nos últimos três anos. Enquanto em 2011 mais de 1,8 mil jovens foram detidos por esse tipo de crime, no ano passado o número teve um salto de 60%, chegando a quase 3 mil detenções.
Entre 2011 e 2013 também aumentou a proporção de menores de idade assaltando. Em 2011 o grupo representava 29,2% do total de presos, passando para 32% em 2012 e chegando a um terço no ano passado. A situação se repete nas tentativas de roubo (veja quadro). Em dois dos casos mais recentes, assaltos resultaram na morte do universitário Matheus Salviano Botelho, de 21 anos, assassinado em 7 de fevereiro no Bairro Gutierrez, e do funcionário da Câmara de BH Christiano D’Assunção Costa, de 34, morto em 28 de janeiro no Bairro Buritis, ambos na Região Oeste. O esclarecimento dos crimes, atribuídos a dois jovens de 17 anos, irmãos por parte de pai e com um histórico de exibição de carros e motos na região em que moravam, ligou o alerta para um comportamento que cada vez mais espalha medo entre a população.
A investigação da Polícia Civil sobre os assassinatos de Matheus e Christiano acabou incriminando um grupo de jovens moradores da Região do Barreiro que ilustra bem o estilo de vida de parte dos infratores. Segundo a polícia, pelo menos nove jovens fazem dos roubos uma rotina diária. “Esses meninos acordam ao meio-dia, pegam seus carros e vão em busca de alguma chance. Ficam o dia inteiro nas ruas e assaltam conforme aparecem oportunidades”, afirma o delegado Alexandre Oliveira da Fonseca, da Delegacia de Homicídios Barreiro, responsável pelo inquérito que apurou o latrocínio que vitimou Christiano D’Assunção Costa.
A equipe de investigadores encontrou na casa de G.F.S, de 17 anos, vários indícios que reforçam a acusação de uma vida de crimes ligada ao consumo: um carro com rodas esportivas, rebaixado e repleto de caixas de som, 16 pares de tênis de grife e quatro celulares. Na página pessoal de G. em uma rede social, o jovem aparece empinando uma motocicleta, apesar de não ter idade para ser habilitado.
O delegado Wanderson Gomes, chefe da Divisão Especializada de Operações Especiais (Deoesp) da Polícia Civil, onde correu o inquérito para apurar a morte do estudante Matheus Salviano, diz que o roubo para garantir condições patrimoniais de ostentação não é uma novidade, mas vem ganhando força graças ao padrão de consumo que os jovens querem exibir. “Eles querem ter o primeiro carro, conquistar primeiro as meninas, ter o melhor celular. Tudo isso contribui para a entrada no crime”, diz.
As investigações apontaram que o jovem L.H.P.J, 17, irmão de G., foi o atirador que executou Matheus. Nos endereços de cada um, a Polícia Civil encontrou moradias de bom padrão, o que também descarta a relação de necessidade material com a entrada na criminalidade. O delegado chama a atenção ainda para a diferença entre os roubos e o tráfico de drogas, mesmo que ocorra a mistura dos dois crimes em muitas situações. “No roubo, o jovem com esse perfil consegue o que quer mais rápido e com mais independência. Já no tráfico ele não começa liderando, há toda uma hierarquia que tem que seguir”, completa.
PADRÃO Para o superintendente de Investigações e Polícia Judiciária da Polícia Civil, Jeferson Botelho Pereira, é importante destacar que o aumento dos números reflete a busca dos jovens por bens para manter um padrão de consumo, mas que também existe a presença de traficantes recrutando ladrões com menos de 18 anos para capitalizar o tráfico de drogas. Botelho acredita que a impunidade é a razão que alimenta esses crimes e contribui para a escalada da violência. “O jovem comete um crime, comete outro e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não cria instrumentos de punição. A lei precisa ser reformulada, para que o direito ajude a resolver a questão social”, defende ele.
A juíza titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude de BH, Valéria da Silva Rodrigues concorda com a necessidade de revisão legal, mas discorda de que o fator ostentação esteja motivando crimes cometidos por menores de idade. Para ela, essa é uma forma de desviar a responsabilidade do próprio poder público. A juíza considera que o envolvimento com a violência passa pelo fato de 99% dos adolescentes apreendidos estarem fora da escola, não terem perspectivas, educação, formação e alternativas, por falha das famílias e do Estado.
“Não temos políticas eficazes para acolher essa demanda e, por isso, eles serão acolhidos pela criminalidade”, afirma. “Ninguém quer ter algo pelo esforço. E isso é reflexo do modo de ser do brasileiro, que quer o mais fácil. Esses meninos estão brutalizados, porque estão soltos na vida. É uma terra sem lei.
É preciso rever o papel do Estado, porque esses adolescentes estão totalmente sem limites, banalizando a violência”, diz a magistrada.