Jornal Estado de Minas

Brasileiros residentes no exterior podem ser incluídos no Cadastro Nacional de Adoção

Resolução do CNJ que vai ajudar mais crianças a terem um lar definitivo foi assinada nessa segunda. Em Minas, 22 adoções internacionais foram autorizadas em 2013

Junia Oliveira

Segundo o CNA, 98,6% dos interessados querem adotar crianças de até 6 anos. Fora da preferência, elas ficam em abrigos à espera de um pai - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press


De um lado, 30.424 pretendentes país afora, casais ou solteiros, aguardam a oportunidade de encontrar alguém para chamar de filho. Do outro, 5.440 crianças ou adolescentes sonhando com o amor de pai e mãe. Não é preciso ser um gênio da matemática para saber que essa conta já deveria estar fechada. Mas, quando se fala em adoção, os números esbarram em preferências como idade e cor/raça e na burocracia. Para aumentar as chances de crianças mais velhas e de grupos de irmãos encontrarem um lar definitivo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nessa segunda-feira uma resolução permitindo a estrangeiros ou brasileiros residentes no exterior serem incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

No ano passado, os tribunais de Minas Gerais autorizaram 22 adoções internacionais, 10 a menos que em 2012. Naquele ano, houve 1.040 adoções no estado, das quais 33 internacionais. Os números de crianças que encontraram uma nova família, em 2013, não foram fechados, de acordo com a assessoria do Fórum Lafayette.
A expectativa é de que a nova regra seja publicada nos próximos dias no Diário de Justiça Eletrônico – somente a partir de então ela começará a valer. Atualmente, estrangeiros só podem adotar as crianças brasileiras que não foram escolhidas pelo cadastro nacional. A mudança vai permitir aos magistrados da infância e juventude de qualquer município ter acesso aos dados dos habilitados em todos os tribunais de Justiça.

O coordenador do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no CNJ, o conselheiro Guilherme Calmon, esclarece que os casos de adoção de crianças e jovens brasileiros por pessoas no exterior são excepcionais e não se confundem com os casos de adoção ilegal. Para os conselheiros, a inclusão de pretendentes de outros países deve aumentar o número de adoções de crianças e jovens cujo perfil não se adequa ao daqueles que moram no Brasil.

De acordo com o CNA, 98,6% dos interessados em adotar um filho querem crianças com até 6 anos de idade. Até essa faixa etária, elas representam menos de 10% do total de meninos e meninas que aguardam na fila da adoção. A cor branca também é uma predileção que fala alto. A maioria absoluta dos pretendentes também não aceita adotar irmãos.

Os dados são corroborados por quem está na linha de frente dos abrigos. Responsável pelo Aconchego Céu, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Luzia Gonçalves Rosa Viana conta que a adoção de crianças negras é bem mais difícil. “A branca chama muito mais atenção”, diz. Para ela, o novo posicionamento do CNJ pode ajudar a mudar a situação.
“Acho que vai facilitar, pois há muita criança precisando de pais. Ela não tem carência de roupa e comida, mas de afeto, de amor, de colo, poder abraçar e chamar alguém de pai”, diz.

Luzia espera que, junto com a decisão, venha também a agilidade aos processos. “Há muitos casais na fila de adoção querendo ser pais. Por que demora tanto?”, questiona. Segundo ela, ainda há muitos casos de juizes que contrariam os relatórios feitos pelas equipes técnicas dos abrigos e determinam a reinserção familiar, em vez da adoção. “A criança volta para o lugar onde era violada e continuará a ser violada.”

Paulo e Lílian fizeram o que a resolução pretende sanar: adotaram três irmãos de 5, 8 e 11 anos. No Brasil, são quase 3 mil crianças com idade entre 13 e 17 anos esperando um lar - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press
IRMÃOS
Encontrar novos pais para irmãos também é tarefa árdua. Um dos casos ocorreu no Aconchego Céu. O pastor Paulo Flávio Ferreira Pereira, de 43 anos, e a mulher, Lílian, de 46, são exemplo raro: adotaram três irmãos, todos já crescidos. Tudo começou há quatro anos, depois de uma tentativa frustrada de inseminação artificial.
Decididos a não ter filhos, ficaram comovidos com a história que ouviram dos irmãos que se separariam. “A informação era de que isso seria feito porque o caçula, na época com 5 anos, tinha chance de ser adotado, mas as duas mais velhas, de 8 e 11 anos, ‘atrapalhavam’”, relata. O encontro foi amor à primeira vista, de ambas as partes. No primeiro ano, os laços foram fortalecidos com o apadrinhamento. Os meninos e o casal passavam juntos o fim de semana.

Há três anos, Paulo e Lílian conseguiram a guarda e, desde então, esperam a conclusão do processo de adoção. “Essa demora traz insegurança para nós e para as crianças, além de situações constrangedoras, como a carteira de identidade deles de que estamos precisando, mas somos impossibilitados de fazer”, relata. Paulo acha acertada a decisão de abrir o cadastro para estrangeiros. “Tudo o que se fizer para tentar esvaziar os abrigos é válido. Eles são bons para uma situação transitória, tirar o menino de um ambiente ruim. As pessoas querem recém-nascido e o próprio sistema não ajuda, pois, pela lei, a criança pode ficar apenas dois anos em abrigo e, na prática, esse tempo é bem maior”, ressalta.

Abrigo pede ocorro
O abrigo Aconchego Céu está correndo risco de fechar as portas. Com uma despesa mensal de R$ 25 mil, recebe R$ 6 mil do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e R$ 600 da prefeitura de Santa Luzia. A instituição espera que empresas possam ajudar. Voluntários podem entrar em contato pelo telefone (31) 3642-8116.

A ADOÇÃO NO BRASIL
Crianças disponíveis para adoção: 5.440


» Por raça


Brancas     1.763
Negras     1.033
Pardas     2.594
Amarelas     25
Indígenas     31

» Por idade

Menos de 1 ano    8
1 a 6 anos    526
7 a 12 anos    1.814
13 a 17 anos    2.912

Pretendentes à adoção: 30.424

» Aceitam crianças da raça:


Branca      27.772
Negra      12.219
Parda      20.534
Amarela      12.905
Indígena      12.009
São indiferentes à cor      12.929

» Aceitam crianças da idade:


0    4.335
1 a 6 anos    25.676
7 a 12 anos    1.399
13 a 17 anos    124

» Aceitam adotar irmãos:


Sim      5.928
Não      24.496

* Dados até março de 2014

FONTE: Cadastro Nacional de Adoção

Cara a cara
A inclusão de estrangeiros vai resolver o problema das crianças?

Rodrigo da Cunha Pereira
presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)


SIM. Essa mudança já veio em atraso. A adoção é vista, de forma geral, com preconceito: da lei, na vida e nas adoções internacionais. Nesta, sob dois aspectos. O primeiro é que é vista como se tivesse traficando criança para exterior e, segundo, há uma ideia de que crianças que saíram do país serão menos felizes, mas o afeto não tem fronteiras. Os pretensos pais adotantes estrangeiros são os que menos fazem exigência e não têm preferência por recém-nascido e cor clara. A maioria dos brasileiros não quer adotar essas crianças que estrangeiros querem. Vamos olhar a realidade ou deixar essas crianças nessa crueldade? Foi um passo adiante em favor das adoções e em favor das crianças abandonadas, na medida em que vai acabando com o preconceito. Caiu mais uma barreira.

Rosa
Werneck
advogada da área de família

NÃO. Em vez de abrir para adoções internacionais, deveria-se incentivar a adoção no Brasil. Não acredito nesse perfil de pretendentes. Nunca cuidei de um caso de adoção em que a pessoa tivesse uma preferência de escolha. Isso tem mudado de uns 10 anos para cá. As pessoas estão vendo a criança como uma criança. Há muitos homens solteiros adotando e pessoas acima de 40 anos, que estão se sentindo muito sozinhas. A adoção é forma de encontrar aconchego. E não chegam querendo o branco. Quero aquele que olhar para mim. Se a criança não abraçar, não olhar com olhos da alma, a adoção não acontece. É a criança que escolhe, e não a mãe.

Ana Flávia
Coelho Lopes
assistente social do Grupo de Apoio à Adoção (Gada)

Em termos. O poder público sempre põe o problema no perfil dos pretendentes, que vem amadurecendo e mudando aos poucos. Antes era bebê, hoje, até 6 anos não tem dificuldade de encontrar adoção e isso tem se modificado muito pelo trabalho dos grupos que fazem reunião com pretendentes para amadurecer esse perfil. O problema está nas políticas públicas, falta de juiz nas varas da infância, de assistente social e psicólogos. Crianças crescem nos abrigos. Não tem política pública para mudar esse perfil. A inclusão em si não vai resolver o problema, pode resolver de imediato de algumas crianças e isso é importante.

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