De um lado, 30.424 pretendentes país afora, casais ou solteiros, aguardam a oportunidade de encontrar alguém para chamar de filho. Do outro, 5.440 crianças ou adolescentes sonhando com o amor de pai e mãe. Não é preciso ser um gênio da matemática para saber que essa conta já deveria estar fechada. Mas, quando se fala em adoção, os números esbarram em preferências como idade e cor/raça e na burocracia. Para aumentar as chances de crianças mais velhas e de grupos de irmãos encontrarem um lar definitivo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nessa segunda-feira uma resolução permitindo a estrangeiros ou brasileiros residentes no exterior serem incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
No ano passado, os tribunais de Minas Gerais autorizaram 22 adoções internacionais, 10 a menos que em 2012. Naquele ano, houve 1.040 adoções no estado, das quais 33 internacionais. Os números de crianças que encontraram uma nova família, em 2013, não foram fechados, de acordo com a assessoria do Fórum Lafayette.
O coordenador do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no CNJ, o conselheiro Guilherme Calmon, esclarece que os casos de adoção de crianças e jovens brasileiros por pessoas no exterior são excepcionais e não se confundem com os casos de adoção ilegal. Para os conselheiros, a inclusão de pretendentes de outros países deve aumentar o número de adoções de crianças e jovens cujo perfil não se adequa ao daqueles que moram no Brasil.
De acordo com o CNA, 98,6% dos interessados em adotar um filho querem crianças com até 6 anos de idade. Até essa faixa etária, elas representam menos de 10% do total de meninos e meninas que aguardam na fila da adoção. A cor branca também é uma predileção que fala alto. A maioria absoluta dos pretendentes também não aceita adotar irmãos.
Os dados são corroborados por quem está na linha de frente dos abrigos. Responsável pelo Aconchego Céu, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Luzia Gonçalves Rosa Viana conta que a adoção de crianças negras é bem mais difícil. “A branca chama muito mais atenção”, diz. Para ela, o novo posicionamento do CNJ pode ajudar a mudar a situação.
Luzia espera que, junto com a decisão, venha também a agilidade aos processos. “Há muitos casais na fila de adoção querendo ser pais. Por que demora tanto?”, questiona. Segundo ela, ainda há muitos casos de juizes que contrariam os relatórios feitos pelas equipes técnicas dos abrigos e determinam a reinserção familiar, em vez da adoção. “A criança volta para o lugar onde era violada e continuará a ser violada.”
IRMÃOS Encontrar novos pais para irmãos também é tarefa árdua. Um dos casos ocorreu no Aconchego Céu. O pastor Paulo Flávio Ferreira Pereira, de 43 anos, e a mulher, Lílian, de 46, são exemplo raro: adotaram três irmãos, todos já crescidos. Tudo começou há quatro anos, depois de uma tentativa frustrada de inseminação artificial.
Há três anos, Paulo e Lílian conseguiram a guarda e, desde então, esperam a conclusão do processo de adoção. “Essa demora traz insegurança para nós e para as crianças, além de situações constrangedoras, como a carteira de identidade deles de que estamos precisando, mas somos impossibilitados de fazer”, relata. Paulo acha acertada a decisão de abrir o cadastro para estrangeiros. “Tudo o que se fizer para tentar esvaziar os abrigos é válido. Eles são bons para uma situação transitória, tirar o menino de um ambiente ruim. As pessoas querem recém-nascido e o próprio sistema não ajuda, pois, pela lei, a criança pode ficar apenas dois anos em abrigo e, na prática, esse tempo é bem maior”, ressalta.
Abrigo pede ocorro
O abrigo Aconchego Céu está correndo risco de fechar as portas. Com uma despesa mensal de R$ 25 mil, recebe R$ 6 mil do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e R$ 600 da prefeitura de Santa Luzia. A instituição espera que empresas possam ajudar. Voluntários podem entrar em contato pelo telefone (31) 3642-8116.
A ADOÇÃO NO BRASIL
Crianças disponíveis para adoção: 5.440
» Por raça
Brancas 1.763
Negras 1.033
Pardas 2.594
Amarelas 25
Indígenas 31
» Por idade
Menos de 1 ano 8
1 a 6 anos 526
7 a 12 anos 1.814
13 a 17 anos 2.912
Pretendentes à adoção: 30.424
» Aceitam crianças da raça:
Branca 27.772
Negra 12.219
Parda 20.534
Amarela 12.905
Indígena 12.009
São indiferentes à cor 12.929
» Aceitam crianças da idade:
0 4.335
1 a 6 anos 25.676
7 a 12 anos 1.399
13 a 17 anos 124
» Aceitam adotar irmãos:
Sim 5.928
Não 24.496
* Dados até março de 2014
FONTE: Cadastro Nacional de Adoção
Cara a cara
A inclusão de estrangeiros vai resolver o problema das crianças?
Rodrigo da Cunha Pereira
presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)
SIM. Essa mudança já veio em atraso. A adoção é vista, de forma geral, com preconceito: da lei, na vida e nas adoções internacionais. Nesta, sob dois aspectos. O primeiro é que é vista como se tivesse traficando criança para exterior e, segundo, há uma ideia de que crianças que saíram do país serão menos felizes, mas o afeto não tem fronteiras. Os pretensos pais adotantes estrangeiros são os que menos fazem exigência e não têm preferência por recém-nascido e cor clara. A maioria dos brasileiros não quer adotar essas crianças que estrangeiros querem. Vamos olhar a realidade ou deixar essas crianças nessa crueldade? Foi um passo adiante em favor das adoções e em favor das crianças abandonadas, na medida em que vai acabando com o preconceito. Caiu mais uma barreira.
Rosa
Werneck
advogada da área de família
NÃO. Em vez de abrir para adoções internacionais, deveria-se incentivar a adoção no Brasil. Não acredito nesse perfil de pretendentes. Nunca cuidei de um caso de adoção em que a pessoa tivesse uma preferência de escolha. Isso tem mudado de uns 10 anos para cá. As pessoas estão vendo a criança como uma criança. Há muitos homens solteiros adotando e pessoas acima de 40 anos, que estão se sentindo muito sozinhas. A adoção é forma de encontrar aconchego. E não chegam querendo o branco. Quero aquele que olhar para mim. Se a criança não abraçar, não olhar com olhos da alma, a adoção não acontece. É a criança que escolhe, e não a mãe.
Ana Flávia
Coelho Lopes
assistente social do Grupo de Apoio à Adoção (Gada)
Em termos. O poder público sempre põe o problema no perfil dos pretendentes, que vem amadurecendo e mudando aos poucos. Antes era bebê, hoje, até 6 anos não tem dificuldade de encontrar adoção e isso tem se modificado muito pelo trabalho dos grupos que fazem reunião com pretendentes para amadurecer esse perfil. O problema está nas políticas públicas, falta de juiz nas varas da infância, de assistente social e psicólogos. Crianças crescem nos abrigos. Não tem política pública para mudar esse perfil. A inclusão em si não vai resolver o problema, pode resolver de imediato de algumas crianças e isso é importante..