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A violência sexual contra mulheres cresce em Belo Horizonte. Depois de registrar quedas consecutivas no número de estupros desde 2010, a Polícia Civil registrou 44 casos em janeiro e fevereiro, média mensal (22) superior à do ano passado, quando houve 222 ocorrências (média de 18 por mês). O aumento põe autoridades em alerta e coincide com uma campanha lançada na internet contra culpar mulheres agredidas. O movimento é uma reação a pesquisa nacional divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na qual a maior parte dos entrevistados concordou com a afirmação de que mulheres merecem ser atacadas dependendo do tipo de roupa que usam. Diante da repercussão da pesquisa e dos números registrados no início do ano em Belo Horizonte, autoridades que lidam com o problema reforçam que não há qualquer atenuante para quem comete crimes sexuais. A discussão também leva vítimas a contar suas histórias para reagir ao levantamento.
“O comportamento feminino não dá ao homem o direito de estuprá-la”, enfatiza a delegada-chefe da Divisão da Mulher, do Idoso e da Pessoa com Deficiência, Margaret de Freitas Assis Rocha. “Pensar dessa forma é um retrocesso diante de todas os avanços que já tivemos para a proteção da mulher”, acrescenta. Segundo Margaret, os casos aumentaram expressivamente em Belo Horizonte em 2010 como reflexo na mudança da tipificação do crime.
No ano anterior, a lei passou a definir também como estupro não apenas casos em que há penetração, mas também aqueles de atentado violento ao pudor e abuso sexual. Para ela, o aumento médio registrado em 2014 pode ter ligação com o crescimento de ocorrências com uso de drogas ou de encontros marcados com desconhecidos pelas redes sociais. “Nos preocupam os crimes em que as moças são drogadas por homens em baladas. Ao fazer a denúncia, elas relatam não se lembrar do que ocorreu”, afirma. O alerta vale também para o namoro pela internet.
Entre as vítimas, os resultados da pesquisa do Ipea provocam revolta. “A culpa não é minha. A roupa não dá o direito a nenhum homem de ser violento com a mulher”, diz N., de 27 anos, atacada em 2006 na Avenida Nossa Senhora do Carmo. Ela foi estuprada por volta das 19h na saída do trabalho, enquanto aguardava o ônibus para voltar para casa. Sozinha no ponto, ela foi abordada por um homem com uma arma na cintura, levada até um jardim na porta de uma empresa e violentada por quase quatro horas. Outro homem a vigiava. “Ele me ameaçava de morte o tempo inteiro e eu tive muito medo. Foram momentos de pânico.
Ele era visivelmente uma pessoa com distúrbio mental”, conta N., que fez tratamento psicológico por mais de um ano. “No início foi muito difícil e até eu me culpava por isso. Fiquei me perguntando porque (isso aconteceu). Hoje é um pouco mais tranquilo falar sobre isso, mas fiquei muito traumatizada.” Ela vestia blusa de moleton, calça jeans e tênis.
Terapia A técnica de enfermagem S.S.B.A, de 31 anos, também precisou de tratamento psicológico para parar de se sentir culpada depois que foi vítima de estupro. Ela foi atacada perto de casa quando saía para trabalhar, por volta das 5h30. Sob ameaça de uma faca, foi forçada a manter relação sexual por horas. “Ficava me perguntando porque eu tinha chamado a atenção dele”, lembra. As sessões de terapia que ainda frequenta foram fundamentais para que ela entendesse que não teve culpa alguma. Ela estava de calça jeans, blusa larga e jaqueta.
A coordenadora estadual de Políticas para as Mulheres da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), Eliana Piola, classifica a violência sexual como um desvio masculino.
“Atribuir às mulheres a responsabilidade de serem vítimas em decorrência da forma de trajar ou à sua postura é uma demonstração do machismo arraigado entre os brasileiros”, defende. “O problema é que os homens veem as mulheres não como sujeito, mas como objeto”, critica. Sobre o perfil do estuprador, a coordenadora destaca um novo fenômeno. “Eles são cada vez mais jovens, na faixa etária de 20 a 25 anos e de camadas sociais mais elevadas. Os casos estão cada vez mais ligados com o uso de drogas, que potencializam a vontade de cometer o crime, mas nunca justificam”, ressalta Eliana. Para ela, é muito pequena a possibilidade de recuperação de autor deste tipo de crime. “São pessoas com distúrbios graves.”
A delegada Margaret Rocha ressalta que, de modo geral, o estupro é um crime de oportunidade, embora haja casos planejados. “O agressor pode ficar à espreita e aproveitar de uma mulher sozinha, na rua, em um ponto de ônibus”, diz. “Mas, em algumas circunstâncias, há quem observe o comportamento da vítima para cometer o abuso.”
AtaquesOcorrências de estupro consumado
Belo Horizonte2009 249
2010 479
2011 364
2012 293
2013 222
2014 44
Minas Gerais2012 1.741
2013 1427
2014 226
Fonte: seds
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