Depois de ignorar a posição da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para suspender o reajuste das passagens de ônibus e de bancar o aumento na tarifa que vigorou durante todo o dia ontem, o Sindicato das Empresas de Transporte de BH (Setra) recuou e disse que volta a praticar o valor de R$ 2,65, sem aumento, à 0h de hoje. Porém, a decisão pode não durar muito: mesmo não tendo sido notificados oficialmente da liminar que determinou a suspensão, por no mínimo 30 dias, do aumento de tarifas, empresas e prefeitura já ensaiam recursos contra a decisão, concedida pela 4ª Vara da Fazenda Municipal a pedido do Ministério Público. A disposição do município de recorrer contra a liminar foi anunciada ontem pelo prefeito Marcio Lacerda (PSB), durante a 23ª Festa de Israel, realizada pela Associação Israelita de Minas Gerais (Fisemg), no Bairro Mangabeiras (Centro-Sul).
Para justificar sua decisão, o sindicato das empresas informou, na noite de sábado, que não tinha condições técnicas para reprogramar o valor da passagem nos validadores eletrônicos dos mais de 3 mil ônibus da capital. Ameaçou ainda não pagar o aumento salarial dos motoristas e cobradores, previsto para este mês. À noite, mudou de postura, alegando atender a solicitação da PBH.
QUEDA DE BRAÇO A liminar que determina o adiamento da elevação da passagem por pelo menos 30 dias foi concedida na sexta-feira. É resultado de uma ação civil pública proposta pela Promotoria de Patrimônio Público de BH. Sobre a decisão de adiar a cobrança do novo valor, o prefeito Marcio Lacerda deu a entender que foi uma estratégia. “Não fomos notificados da liminar e tomamos a decisão de divulgar a nota informando que suspenderíamos o reajuste apenas para ganhar tempo”, admitiu Lacerda.
A BHTrans justifica o reajuste alegando que parte dele é resultado da atualização de custos com mão de obra, combustível, veículos, despesas administrativas e rodagem. Informou que foi feita ainda correção com base em estudo da Ernst & Young para reequilibrar os contatos e a taxa de retorno das empresas. Para Lacerda, as empresas estão com razão ao pedir o reajuste das tarifas e o pedido de adiamento é uma decisão “equivocada” do Ministério Público. Na avaliação do prefeito de Belo Horizonte, o MP extrapolou suas funções constitucionais e está interferindo em um serviço que é obrigação do Poder Executivo.
“Estamos trabalhando no sentido de assegurar um aumento que as empresas precisam neste momento. O Ministério Público pode checar os números, mas não segurar o aumento, porque isso vai prejudicar os serviços e desequilibrar o sistema de transporte público de Belo Horizonte”, sustentou. De acordo com Lacerda, a PBH contratou uma empresa para estudar os custos, como prevê o contrato assinado pelas empresas, e só não reajustou as tarifas em dezembro do ano passado para esperar o resultado do trabalho, que foi apresentado ao MP por uma questão de transparência. “Queremos mostrar para a sociedade a necessidade desse reajuste. Confiamos nessa auditoria e autorizamos o aumento.”
PERÍCIA O MP informou que vinha pedindo à BHTrans, desde novembro do ano passado, que enviasse o relatório do estudo ou pelo menos elementos parciais do texto. O documento, porém, foi entregue apenas no dia 31 de março, três dias antes do anúncio do reajuste da passagem. Os promotores alegam que não houve tempo de analisar o documento.
O relatório será verificado por quatro peritos e, segundo o MP, há vários questionamentos. Os promotores destacam que não foi analisada a contabilidade das empresas e pontuam que o trabalho não foi uma auditoria, mas uma simples verificação independente de custos. Acrescenta ainda que o trabalho se baseou, em muitos pontos, em pesquisa de mercado.
Novo valor provoca críticas de usuários
Quem teve que desembolsar R$ 0,20 a mais para pagar a passagem ontem não ficou nada satisfeito. O estoquista Carlei Ferreira, de 42 anos, foi um desses passageiros, e diz ter ficado surpreso com o reajuste. Ele contesta o novo preço, mas vê poucas possibilidades de redução. “Justo não é, mas fazer o quê? Esse valor não combina com a qualidade dos ônibus, que é péssima”, critica.
A família do vendedor Carlos Alberto de Souza, de 42, saiu ontem para passear e também se assustou com o valor na roleta. “Uma família de quatro pessoas paga muito. Se tiver que pegar dois ônibus, então, é um absurdo. Tudo isso para mofarmos nos pontos e termos coletivos sem conforto”, desabafa.
Na madrugada de ontem, cerca de 10 estudantes integrantes do movimento Tarifa Zero BH teriam ficado presos dentro de um ônibus da linha 9502, saindo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Pampulha, por se recusarem a pagar o novo valor. De acordo com um dos participantes do movimento, André Veloso, o motorista os deixou no interior do veículo até a chegada da Polícia Militar. A ocorrência policial, no entanto, não foi localizada pelos militares, que também não confirmam se agiram no episódio.
A repercussão do novo valor
Sílvia Nogueira,
de 40 anos, artesã
“Esse valor pesa no bolso para quem pega ônibus todo os dias. Se forem quatro conduções, é pior ainda. Não compensa a qualidade ruim do transporte”
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Denise de Souza,
de 36, cuidadora e universitária
“É uma tarifa abusiva. Não paga a qualidade de nosso meio de transporte, com ônibus lotados e quebrados”
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Rodrigo Gregório,
de 39, assistente financeiro
“O aumento é grande, o ideal seria um reajuste de, no máximo, R$ 0,15. As empresas deveriam ter alguma punição por descumprir a decisão judicial”