(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Mães enfrentam via-crúcis em ônibus para transportar filhos portadores de deficiência

Dificuldade para embarcar e descer dos coletivos se agrava com a falta de solidariedade e de preparo dos profissionais das empresas de transporte


postado em 16/04/2014 06:00 / atualizado em 16/04/2014 07:22

Maria José e Luzia dão sinal, mas não conseguem embarcar no ônibus da linha 4103(foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Maria José e Luzia dão sinal, mas não conseguem embarcar no ônibus da linha 4103 (foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

A rotina de tratamento é dura. Especialistas, notícias boas, outras nem tanto. Cada descoberta ou melhora é motivo de comemoração. Uma palavra sendo pronunciada, um passo dado, mãos que se movimentam em sinal de reação. Na Associação Mineira de Reabilitação (AMR), no Bairro Mangabeiras, em BH, crianças, a maioria com paralisia cerebral, contam com mães, pais e profissionais dedicados para terem uma chance de se recuperar. Mas, para chegar até lá, o caminho não é fácil. Por trás das histórias e dos problemas de saúde, algo em comum: a luta pelo respeito e para ter sucesso num ato simples: pegar um ônibus.

Os relatos são unânimes sobre os desafios de subir e descer, com cadeiras de rodas, em coletivos de BH e da região metropolitana: descaso, despreparo e falta de solidariedade de cobradores e motoristas. Muitas mães vivem o problema várias vezes por dia, pois não são raros os exemplos de quem pega até seis conduções no trajeto de ida e volta de casa até o Mangabeiras. Para ter a certeza de chegar a tempo, o primeiro passo é sair três horas antes do horário de atendimento, como faz a dona de casa Luzia Pereira da Silva, de 33 anos.

Ela mora no Bairro Alterosa, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, onde pega um ônibus da linha 1350, às 10h, até a rodovia BR-040 e, de lá, outro coletivo até a Rua dos Tupinambás, no Centro de BH. Vai com a filha Marya Edwarda, de 10, até a Avenida Afonso Pena, onde sobe no 4103 e desce no Hospital Hilton Rocha, no Mangabeiras. Assim como outras mães, de lá, faz a baldeação em outro coletivo da mesma linha e para na porta da AMR. No relógio, a hora marca 13h10. “Alguns cobradores dizem: ‘Não é meu filho. Você é que deve se virar. Outros falam que a empresa não os paga para subir cadeirante. A Edwarda tem pavor e me diz para pedir ajuda a passageiros”, relata. 

Pâmela e Adenise preferem carregar as filhas no colo e deixar as cadeiras em casa
Pâmela e Adenise preferem carregar as filhas no colo e deixar as cadeiras em casa


Valéria Mendonça, de 54, mãe de Thiago, de 12, cobra mais educação dos motoristas da linha 4103: “Param longe do passeio e quando entramos, os motoristas não esperam a criança sentar. Todos devem ser mais educados”. O problema transcende a principal linha de atendimento aos pacientes. A dona de casa Elizabete Mendes dos Santos, de 39, de Ibirité, lembra que, há 15 dias, voltava de BH com o filho Daniel, de 14, quando foi deixada no ponto, às 21h, pelo último dos três ônibus que pega para chegar em casa.

A cobradora pediu para esperar outro, pois o elevador estava estragado, fato que foi desmentido por uma passageira que fez questão de descer do coletivo para alertá-la. “Ela ouviu a cobradora do ônibus falar ao motorista que ‘aquele cadeirante’ estava no ponto”, relata. A reclamação foi enviada ao Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER-MG), que prometeu apurar o caso. 

Em Betim, a situação não é diferente, de acordo com Patrícia Cristina da Silva, de 36. A via-crúcis é diária com o filho Guilherme, de 15, que estuda e faz tratamento em BH. “Os cobradores dizem que o controle do elevador fica na garagem. Peço ajuda aos passageiros”, relata.

De tantos problemas, tem mãe deixando a cadeira de rodas em casa. Ontem, Adenise Marciana da Silva, de 41, carregou Ana Júlia, de 6, nos braços, suportando um peso de 14 quilos. Na semana passada, fez o mais difícil: atravessou a cadeira em pleno Anel Rodoviário, mas o motorista da linha que atende o Bairro Jardim Vitória fez sinal para pegar o seguinte. No Centro, o motorista do 4108 (Pedro II), não permitiu a entrada: “Fiquei esmurrando a porta, porque não podia ficar para trás de novo”.

A mesma atitude é tomada por Pâmela Cristine Rodrigues de Lima, de 22, apesar do risco de deslocamento da coluna e do quadril da pequena Jhenyffer, de 4. Moradora de Ribeirão das Neves, ela reclama das condições dos coletivos. “Lá, os ônibus não têm nem cinto de segurança”, conta. Edileuda da Silva Cardoso, de 32, fez a mesma opção e, se tiver muitos pacientes no ponto de ônibus, prefere pegar o 4108, descer na Avenida Bandeirantes e subir, com Anthony, de 5, no colo, a escadaria da Rua Mata da Corda. Tallita Naiara, de 20, também já precisou usar a escadaria com a Taline, de 2. 

Tallita e a filha Taline sobem e descem, todos os dias, escadaria na Rua Mata da Corda
Tallita e a filha Taline sobem e descem, todos os dias, escadaria na Rua Mata da Corda


Embarca quem chega primeiro


Outro problema enfrentado por quem depende de ônibus é a quantidade de cadeiras de rodas que motoristas aceitam transportar. Motoristas e cobradores dizem poder levar apenas uma cadeira, alegando que são multados se transportarem mais. A situação obriga a dona de casa Maria José Almeida Santos Ribeiro, de 30, mãe de Caio, de 7, e Vítor, de 2, a travar uma luta todos os dias pelo direito de andar com os dois meninos. Ontem, o Estado de Minas mostrou a história, os desafios e a luta dela.

Maria José e Caio, acompanhados de Luzia Pereira da Silva, de 33, mãe de Marya Edwarda, de 10, gastaram quase uma hora para ir de ônibus da Praça da Bandeira até a AMR. “É por isso que temos de sair com tanta antecedência de casa, senão, perdemos o tratamento”, relata Maria. Um cobrador, que pediu para não ser identificado, aceitou levar as duas cadeiras depois de tentativa anterior frustrada: “É para elas não esperarem muito tempo, mas tem colegas que não gostam”. As duas desceram em ônibus separados. Outro cobrador, Hudson Mateus, confirma que há problemas, mas apela para o bom senso. “Temos que nos colocar no lugar dessas pessoas. É uma questão também de humanidade, coisa que tem se perdido ultimamente”, afirma.

Mãe de Ícaro, de 9 anos, Vanda Felipe de Almeida, de 41, é a favor de uma mobilização na BHTrans para que cobradores e motoristas passem por treinamento mais severo, a exemplo do que foi feito ontem em Divinópolis. No Centro-Oeste de Minas, os profissionais simularam ser cadeirantes para sentir na pele o que eles passam.

Por meio da assessoria, a BHTrans informou que não há regra limitando o transporte de apenas uma cadeira. A obrigatoriedade é o uso do cinto de segurança. Passageiros podem ligar no telefone 156, da prefeitura, e passar o número do ônibus. Acrescentou que no curso de formação de cobradores consta o atendimento ao portador de deficiência.

Carlos Henrique Marques, diretor de Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários do Transporte Coletivo de Belo Horizonte (STTR-BH), disse que, se existem situações em que o motorista se recusa a levar um portador de necessidade, é porque o veículo não está adaptado com o elevador e os equipamentos adequados. “A própria BHTrans orienta que, não tendo elevador, o motorista não deve levar o passageiro para evitar queda”. Segundo ele, o sindicato repudia qualquer negativa de atendimento ao usuário, pois tendo equipamento todos os passageiros têm direito ao transporte.

O CALVÁRIO


15h46 - A cobradora do ônibus número 10481, da linha 4103, não deixa Luzia nem Maria José subirem, alegando que já transporta uma cadeira de rodas

16h06 - Passa o segundo ônibus, que aceita levar as duas

16h14 - Na ponto do Hospital Hilton Rocha, o cobrador admite levar apenas uma cadeira na descida para a AMR. Luzia embarca com Marya Edwarda

16h23 - Cobrador impede entrada de Maria José e Caio, alegando que um coletivo com elevador passará

16h26 - Chega outro ônibus sem elevador

16h35 - Maria José consegue embarcar num ônibus, também sem elevador. Cobrador ajuda a subir a cadeira. Outras duas mães sobrem com as filhas no colo.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)