Um dia, o patrão decidiu, enfim, assinar a carteira de trabalho de Jésus Nogueira Trant. Mais: falou que abriria outra loja e aquela deixaria aos cuidados do empregado, que seria promovido a sócio. Feliz da vida, prevendo futuro promissor, o esperense foi visitar a cidade natal. Quando voltou a BH, decepção. O outro tinha mudado de ideia e, para convencer o subordinado a se resignar, deixou alguns recados perto de sua máquina de costura. “Na parede em frente, colou pedaços de papel com as frases ‘mais vale um cachorro amigo do que um amigo cachorro’ e ‘o Sol nasce para todos, mas a sombra é para quem merece’”, conta.
O quase homônimo do personagem bíblico resolveu pedir demissão. “Eu ganhava um salário mínimo. Saí com uma mão na frente e a outra atrás”.
Na época, Jésus morava na casa de uma tia paterna. Não pagava aluguel, mas ajudava nas despesas. Foi lá que conheceu e começou a namorar a prima e futura esposa, Marília da Consolação Freitas Trant, hoje com 71 anos. Depois os dois se mudaram para um apartamento. “Comprei a prestação, sem saber como pagaria.” Não era apenas a dificuldade para quitar as parcelas que o atormentava. O casal desejava muito um filho, mas, depois de várias tentativas, descobriu-se que a mulher é infértil. “Eu sempre quis ter um filho.
FAMÍLIA Com o tempo, a frustração do alfaiate Jésus Nogueira Trant, pela impossibilidade de ser pai biológico, se dissipou. Ele acabou se tornando pai de modo imprevisto. Uma irmã de Marília se separou do homem com quem vivia e foi morar com outro. As duas filhas do primeiro relacionamento passaram a ser criadas por Jésus e a esposa em seu apartamento. Érica e a caçula Priscila estavam no início da vida. Mais tarde, os quatro se mudaram para uma casa no Bairro Esplanada, na Região Leste da capital. É lá onde moram, com exceção de Érica, que hoje tem 29 anos e é nutricionista em Formiga, no Centro-Oeste. Priscila tem 26 e é recém-formada em design de moda.
As sobrinhas não chegaram a ser adotadas. Continuam registradas em nome dos genitores, mas não há dúvida de quem de fato são seus pais.
OFÍCIO QUASE EXTINTO Na lojinha onde Jésus trabalha, há peças de roupas em um armário, sobre um banco e em cima de um balcão. Algumas já reparadas, outras aguardando a vez. “Meu trabalho está quase extinto. Aqui em BH não tem mais quem faça esse serviço.” Os instrumentos de trabalho ficam espalhados pela saleta, como alfinetes, pedaços de giz e, em pregos fixos em tábuas penduradas na armação da janela, tubos com linhas de costura. Em uma mesa há duas máquinas de costura, uma delas usada por Jésus e outra por seu irmão e colega, Antônio dos Reis Trant, de 65. Em uma parede, a foto da turma do amador Esperense Futebol Clube, que ajudou a fundar.
Vaidoso, o filho de Rio Espera sempre faz a barba e se perfuma antes de sair de casa. Os cabelos rareiam na parte da frente da cabeça, mas os fios sobreviventes são cuidadosamente penteados para trás. Como ele costuma trabalhar olhando para baixo, os óculos deslizam com frequência no nariz. “Nunca questionei minha fé. Quase não vou à missa, mas faço minhas orações todo dia.” Trabalha das 8h às 19h. “Nunca tirei férias.” Apesar da dedicação à labuta, ele não manifesta grandes ambições. O que ganha lhe garante suficiente conforto. “Ninguém é dono de nada. Só estamos cuidando dessas coisas temporariamente.”.