O som da matraca quebrou o silêncio na Igreja de São Francisco de Assis, no Centro de Sabará, para anunciar o início do sofrimento e tormento de Jesus. O relógio marcava 15h quando a cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte reviveu uma tradição de mais de 300 anos: a abertura do santo sepulcro. O momento de fé dos fiéis simboliza o velório de Cristo, momento de vigília e conforto ao Senhor. A celebração não integra a programação oficial da Igreja católica, mas foi criada pelos sabarenses como forma de devoção. Antes de morrer, Jesus foi traído, pregado na cruz e ficou sozinho. Por isso, os católicos da cidade guardam esse momento com zelo e assim permanecem, ao lado da imagem do corpo de Jesus, até as 18h de hoje.

O descerramento do sepulcro precede a morte de Cristo, que pela história ocorre na sexta-feira. Por isso, o ato não integra as celebrações da semana santa na Igreja Católica. Responsável pela cerimônia na Paróquia de São Francisco há quatro anos, o padre Rogério Messias explica que a discordância sobre a data é uma questão litúrgica. “É uma prática de fé que cabe dentro dos documentos da igreja e que pode ser feita pelo padre ou também pelos leigos”, disse. Ele explica ainda o motivo da escolha do dia. “Quem tinha que trabalhar na sexta não poderia estar aqui. Por isso, o padre criou esse momento na quinta-feira para os excluídos, para aqueles que não poderiam estar na igreja.”

Segundo Messias, era na quinta-feira que os tropeiros passavam em Sabará e faziam o momento de devoção ao Cristo morto. “Eles trabalhavam na sexta-feira, doando bens aos pobres. Também sabemos que a cidade acolheu muitos negros no ciclo do ouro e que o horário de sexta-feira seria para os nobres e não para os escravos”, afirma.

RETIRADA DO MANTO O momento alto da cerimônia foi presenciado pelos fiéis com emoção. A abertura do santo sepulcro e a retirada do manto branco que cobria a imagem de Cristo fizeram os presentes refletir. O descerramento foi seguido por palavras de conforto, pela oração do Pai Nosso e pelo canto de músicas em latim. Um manto preto desceu do alto da igreja bicentenária, criando uma atmosfera sagrada no altar. “O manto é colocado porque na vigília a Cristo somente os homens podem participar. As mulheres também passam a noite em oração, mas ao lado da imagem de Nossa Senhora das Dores”, completa o pároco.

Quem esteve na paróquia para acompanhar a celebração conta que este é um momento muito importante para os fiéis e para a cidade. “Todo o sofrimento de Jesus é compartilhado por nós. Quero estar perto dele e mostrar a minha força. É um momento maior, em que devemos agradecer muito a Deus”, conta a aposentada Amália Rocha, que acompanhou a abertura do santo sepulcro. Ela revela que aos pés do caixão rezou pela saúde da família.

Congonhas

Na cidade colonial que guarda obras primas do catolicismo, a celebração da semana santa terá programação especial. Pela primeira vez, a encenação da Paixão de Cristo será apresentada diante do cenário das obras de Aleijadinho, acervo considerado patrimônio mundial pela Unesco. O espetáculo será às 19h, em frente à Basílica de Bom Jesus de Matosinhos, diante dos 12 profetas criados pelo escultor. No local, 80 atores e 220 figurantes – todos voluntários residentes na cidade – reviverão não apenas os passos da via-crúcis, como também, o milagre da Ressurreição. Missas e bênçãos vão marcar a data na cidade. .