Estreito e tomado de curvas é o caminho. Largo traçado, entretanto, de fé, força e fôlego para 5,5 quilômetros de asfalto acima na Serra da Piedade. Logo na primeira hora de sol da sexta-feira santa, cerca de 300 fiéis se reuniram para relembrar os passos lacrimosos de Jesus. São 200 anos de peregrinação ao santuário em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Diferentemente do ano passado, quando a chuva dificultou a presença dos romeiros, o céu aberto por quase todo o trajeto embelezou ainda mais a paisagem rumo ao topo – com 1.751 metros de altitude.
O trânsito carregado na BR-381 não impediu que o público aumentasse ao longo da caminhada de mais de três horas. Estimativa dos bombeiros dá conta de 700 peregrinos na estrada de fé para as alturas. Fiéis como Geraldo Silva das Mercês, de 47 anos, que não arredou os ombros da cruz de 6 metros e 50 quilos, do pé ao topo da montanha. Força vinda da fé de menino andante desde os 3 anos em Coronel Xavier Chaves, no Campo das Vertentes.
Joel Matias dos Santos, de 51, não deixou que o esforço abalasse a alegria do caminho já tão repetido. O artesão nascido em São Paulo, há 30 anos em Caeté, se diz tocado pela via-sacra “de maneira intensa e particular”. “Repetir o sacrifício de nosso Senhor é o sentido da peregrinação.” Católico praticante, o artesão espera que um número cada vez maior de pessoas compreendam a importância de Deus na vida de cada um. “Sem mim, nada podeis’, disse o Senhor. Todos os impérios caem por terra sem a bênção de Deus”, ressalta Joel, firme e sorridente com seu cajado rumo ao cume.
Crianças e adultos, homens e mulheres, acompanham a fala do padre Carlos Antônio da Silva, com fôlego de menino nos pés e ao microfone, apoiado por caminhão de som. O religioso fala de Jesus, da fé e orienta os fiéis durante a jornada das 15 estações. Atento ao “rebanho”, pede aos mais jovens e desgarrados, que, por motivos de segurança, evitem as trilhas sem orientação. Além de plantão médico, 13 bombeiros civis estavam de prontidão nas montanhas.
CRUZ A dona de casa Elaine Gonçalves, de 56, cumpre longo trecho da caminhada, carregando uma segunda cruz, menor, da comunidade da Penha. A dona de casa diz caminhar para fortalecer a fé e pela proteção do filho carreteiro. “Também para agradecer a força que, por meio da fé, encontramos em Deus”, sorri. A pequena Ana Luiza Siqueira Pedroso, de 9, pela primeira vez na peregrinação, está feliz em auxiliar os religiosos nas leituras do dia. Em sorriso de futuro, diz :“Muito boa e interessante a caminhada”. A mãe de Ana Luiza, Andrea Nazaré Siqueira, de 43, era só alegria e orgulho pela presença da filha.
Dom João Justino de Medeiros Silva, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, vê na peregrinação da sexta-feira santa uma metáfora dos caminhos da vida.
Eram 4h quando o som das matracas anunciou o início da via-sacra, que partiu da Igreja de São Francisco e subiu no Morro da Cruz, em direção à Igreja do Senhor Bom Jesus, um dos pontos mais altos de Sabará, na Grande BH. Cerca de 3 mil fiéis participaram na madrugada de ontem da Procissão do fogaréu e das promessas.
As matracas são o símbolo fúnebre da cerimônia, uma espécie de choro. Tocar o instrumento significa purificar para expulsar os demônios e chamar as pessoas a rezarem pelo santo Cristo. Foram aproximadamente dois quilômetros de subida íngreme, com 14 paradas para lembrar os passos de Cristo desde a condenação até a crucificação. Pelo caminho, várias pessoas faziam sacrifícios para pagar promessas, subindo as ruas históricas descalças ou carregando pedras na cabeça.
MEMÓRIA:
200 anos de peregrinação
A fama da Serra da Piedade teria começado entre 1765 e 1767, conforme a tradição oral, com a aparição de Nossa Senhora, com o Menino Jesus nos braços, a uma menina, muda de nascimento, cuja família vivia na comunidade de Penha – a seis quilômetros da serra. Nesse momento, a menina teria começado a falar. Mais tarde, em 1773, o templo seria construído pelo ermitão português Antônio da Silva, o Bracarena.
Sermão na Basílica do Pilar
Daniel Carmargos - Enviado Especial
São João del-Rei – Turistas e fiéis participaram, ontem, do Sermão das Sete Palavras, na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, na histórica cidade do Campo das Vertentes, distante 180 quilômetros de Belo Horizonte, e contribuíram para a manutenção de uma tradição de quase 300 anos. “O poder da vivência religiosa aqui é imenso. É uma herança viva que temos o dever de transmitir”, afirmou o padre Geraldo Magela da Silva, pároco da Catedral.
Padre Geraldo explica que o Sermão das Sete Palavras é a oportunidade de revisitar os últimos momentos de Jesus Cristo durante sua agonia na cruz. O sermão foi proferido pelo bispo emérito de Lorena (SP), Benedito Benito Sales. “O importante é trazer para hoje a força das últimas palavras de Jesus”, destacou o padre.
A Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar começou a ser construída em 1721 e é considerada uma joia do estilo barroco, com o interior repleto de detalhes em ouro. “A semana santa aqui é maravilhosa. Eu acho que não tem igual em nenhum outro local”, afirma a aposentada Eloísa Campos, que veio do Rio de Janeiro para participar da celebração religiosa. Por toda a cidade, as igrejas ficaram cheias ontem. Em frente à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, um tapete de serragem atraía a atenção dos turistas, que faziam pose para fotografias. .