O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Belo Horizonte vem operando no limite e tem dificuldade de chegar aos locais de atendimento dentro do prazo máximo para garantir a sobrevida ou o não comprometimento da saúde dos pacientes. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), o tempo médio de resposta do Samu da capital mineira no ano passado foi de 13 minutos, quando o máximo preconizado para 95% dos atendimentos realizados é de 10 minutos, segundo convenção internacional. Para especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, o índice de 30% de ineficiência pode trazer prejuízos a quem não pode esperar e é reflexo de um número escasso de veículos e da gestão ineficiente das equipes. A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) admite os índices, mas destaca que o sistema tem evoluído a cada ano. Contudo, não é difícil encontrar casos em que a espera pelo socorro passou de uma hora.
Trotes recebidos pelos operadores não podem ser usados como justificativa para o não cumprimento de meta mais eficiente, principalmente porque o número de chamadas falsas caiu 55% entre 2011 e 2013, passando de 140.509 para 63.256. A quantidade total de acionamentos pelo número 192 também foi menor no período, passando de 715.673 para 566.559 (queda de 21%).
Se comparado com outras cidades, o Samu de Belo Horizonte é menos eficiente, por exemplo, do que o de São Paulo, que consegue realizar atendimentos em 10 minutos, em média, mesmo em território maior. Mas ainda é mais rápido do que o serviço de Porto Alegre que tem tempo médio de resposta de quase 19 minutos entre o chamado e a chegada da equipe de socorro ao local onde está o paciente.
Os três minutos de espera média que excedem o tempo máximo preconizado, de 10 minutos, podem marcar a diferença entre vida e morte, ressalta o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira Filho. “Vamos supor que uma pessoa tenha um engasgo e suporte 10 minutos com uma ventilação mínima, com uma oxigenação do sangue cada vez menor. Ao final, ela sofre uma parada cardíaca, o que pode causar uma lesão permanente no cérebro em três minutos”, explica.
Frota
Belo Horizonte conta hoje com 21 ambulâncias para casos menos graves, as chamadas unidades de suporte básico (USB), e seis veículos usados em casos mais complexos ou urgentes, as unidades de suporte avançado (USA). De acordo com a Portaria 1.864/2003, do Ministério da Saúde, o funcionamento ideal do sistema determina que haja uma USB para cada grupo de 100 mil a 150 mil habitantes. Em BH, essa razão exigiria 25 ambulâncias, na média mais rigorosa, e 17, na mais tolerante. A mesma portaria prevê uma USA para cada parcela de 400 mil a 450 mil habitantes. Mais uma vez a capital mineira está dentro do índice mínimo, que é de seis unidades, sem espaço para sobras.
“Esse é exatamente o problema: ao contarmos com o número mínimo de ambulâncias exigido pelo ministério, não temos margem para que esses veículos passem por manutenções preventivas ou emergenciais. Cada uma que precisa ser retirada da frota desfalca o atendimento à população e o reflexo está aí, no alto tempo que se leva para socorrer uma vítima”, afirma o vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Guilherme Durães.
O ritmo de atendimentos das unidades de suporte também acaba sendo intenso. Em 2013, por exemplo, foram 96.780 atendimentos com envio de ambulâncias, média de 10 viagens/dia por veículo, levando-se em conta todas as unidades operando todos os dias e, ainda, que as USBs e USAs fizessem o mesmo ritmo de serviços, o que na realidade não ocorre. “É uma rotina extremamente estressante. Os médicos que operam o serviço do Samu são heróis, pois conseguem suportar a pressão, a falta de insumos, a precariedade de recursos e ainda salvar muitas vidas. Queremos que o serviço melhore, porque, para se ter uma ideia, no primeiro ano de implantação o Samu reduziu em 25% o número de mortes em salvamentos em BH”, afirma o vice-presidente da Abramet. O especialista faz um alerta: “O sistema deveria ter sido ampliado, principalmente porque durante jogos e eventos da Copa do Mundo, veículos do Samu serão requisitados para as áreas dos estádios e espaços oficiais, desguarnecendo o restante da população”.
Quase 20 minutos só para abastecer
Problemas de logística foram identificados pela equipe do EM, por exemplo, no prédio que concentra administração e a operação de ambulâncias, às margens da Via Expressa, no Bairro Coração Eucarístico, Região Noroeste de Belo Horizonte. Os veículos de salvamento estacionados no espaço não contam com facilidades que poderiam acelerar sua capacidade de operação, como abastecimento no local. As ambulâncias que chegam ao prédio precisam gastar cerca de 19 minutos para se deslocar por nove quilômetros para o abastecimento credenciado em um posto da Avenida Raja Gabaglia, no Bairro São Bento, Região Oeste de BH. Somente os deslocamentos de ida e volta dariam para realizar três atendimentos dentro da média gasta pelo serviço em BH.
A Secretaria Municipal de Saúde informou, em nota, que as unidades do Samu são abastecidas em postos das redes Ipiranga e Petrobras, “credenciadas pela empresa mantenedora” das ambulâncias. A secretaria considera que a frota de veículos de socorro “está adequada e apresenta índices compatíveis às necessidades do município”. E ressalta que o contrato com a mantenedora exige reserva de oito veículos para substituir os da frota ativa que precisarem de manutenção ou conserto. O texto informa que a capital conta com uma USB para cada 113,1 mil habitantes e uma USA para cada 395,8 mil, mas as proporções consideram os 2,375 milhões de habitantes registrados no Censo 2010 do IBGE, enquanto o cálculo do EM se baseia em número mais recente: os 2,479 milhões de habitantes estimados pelo IBGE para 2013.
A secretaria considera que BH apresenta bons indicadores quanto ao tempo médio de resposta do Samu. “O tempo de deslocamento da USB foi reduzido de 19 para 12 minutos, e o deslocamento da USA caiu de 20 para 14 minutos”, afirma a nota, acrescentando que a redução de tempo ocorreu apesar de ter havido aumento no número total de veículos na capital e “maior complexidade dos casos atendidos”, com maior gravidade das vítimas de trânsito. A nota afirma ainda que o Ministério da Saúde classificou BH “entre as melhores cidades brasileiras no quesito Proporção de Acesso aos Hospitais, para os municípios com população superior a 2 milhões de habitantes,” e que o resultado tem como um dos pilares o trabalho do Samu.