Jornal Estado de Minas

Setor imobiliário alega falta de tranparência da PBH e deixa fórum sobre futuro de BH

Projetos polêmicos da prefeitura para definir o crescimento da cidade, como limitar o número de vagas de garagem, têm gerado insatisfação

Junia Oliveira Flávia Ayer
- Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press 3/6/13
As discussões sobre os rumos do planejamento de Belo Horizonte entram hoje em nova fase, com mais uma rodada da 4ª Conferência Municipal de Política Urbana, em ambiente tenso e com o tempo fechado. Nessa sexta-feira, em represália ao que classificou como “falta de transparência e de condições mínimas do exercício da cidadania”, o setor imobiliário anunciou sua retirada do fórum que reúne os segmentos técnico, popular e empresarial para definir critérios de crescimento da cidade. Entre uma série de questões controversas, conforme tem mostrado o Estado de Minas ao longo da semana, a possibilidade de inclusão do projeto Nova BH – que modifica drasticamente os critérios de ocupação nas regiões das avenidas Antônio Carlos e Andradas – promete esquentar ainda mais os questionamentos sobre adensamento populacional e limites de construção das edificações. Participantes preparam um abaixo-assinado pedindo a prorrogação do prazo de debates, antes que as propostas sejam levadas a votação.

A Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi-MG) e o Sindicato da Indústria da Construção Civil do estado (Sinduscon-MG), representantes de um ramo diretamente interessado nos rumos do crescimento da capital, decidiram ontem abandonar a conferência. A posição foi unânime entre os 40 delegados e 40 suplentes do setor. Assim como representantes de outros segmentos, os empresários cobram prazos e dinâmica compatíveis com a complexidade e impactos causados pelas propostas que estão sendo apresentadas.

“Discordamos da forma como a conferência está sendo conduzida. Percebemos que o fórum está sendo usado como forma de referendar propostas concebidas pela prefeitura. Somos a favor de planejamento e estruturação, mas, pela amplitude desses projetos, eles não podem ser discutidos em alguns sábados apenas”, afirma o vice-presidente da área imobiliária do Sinduscon, Lucas Guerra Martins.
“Na velocidade e da forma como se está querendo fazer, não há tempo para amadurecer o assunto com a sociedade. Não é o caminho correto, mas se a PBH quer fazer, que assuma o ônus”, ressalta.

Nova BH

O temor em relação à falta de tempo para aprofundar as discussões cerca também a possibilidade de incluir o Nova BH na Conferência de Política Urbana. O projeto prevê a transformação da cara da capital a partir da ocupação e da renovação imobiliária nos eixos das avenidas Antônio Carlos/Pedro I e Andradas/Tereza Cristina/Via Expressa, por meio de uma operação urbana consorciada. As mudanças estão previstas para os próximos 20 anos e o direito de fazer as intervenções será vendido em leilões, em formato de títulos.

A expectativa da PBH é arrecadar R$ 4 bilhões nos anos iniciais do programa, valor que cobriria grande parte das intervenções de requalificação propostas nas áreas afetadas, de acordo com o gerente de Projetos Urbanos Especiais da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Planejamento Urbano, Ricardo Cordeiro. Ele diz que a inclusão do tema no fórum ainda está sendo avaliada. “Aguardamos as discussões para fazer o projeto de lei e enviá-lo à Câmara Municipal”, afirma. Entre os participantes, ao mesmo tempo em que há consenso sobre a necessidade de discutir o tema, há a preocupação de que sua inclusão na conferência sirva apenas para referendar a proposta, queimando etapas para acelerar a ida do projeto para apreciação dos vereadores.

Delegado do setor técnico e integrante do Conselho Superior do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Myssior é um dos que consideram importante a apresentação do projeto na conferência. Mas ele pondera: “Nosso medo é de que a prefeitura apresente o Nova BH e use isso como uma forma de validar o projeto, com o caráter de uma audiência pública”. Delegado do Eixo de Mobilidade Urbana e integrante do movimento Tarifa Zero, o economista André Veloso também considera que a conferência não pode ser instância para legitimar a operação urbana e defende uma discussão separada. “Ela deve ser feita com moradores das áreas afetadas”, afirma.

A arquiteta e urbanista Jurema Rugani, colaboradora técnica do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte (MAMBH), cobra clareza na aplicação do montante arrecadado pela prefeitura e sobre os tipos de investimentos a serem feitos, lembrando que o instrumento da operação urbana foi aprovado na conferência passada. “Cada operação urbana consorciada deve ser submetida ao mesmo processo de estudo e à discussão entre o poder público e a sociedade, o que não houve nesse caso”, relata.

A exemplo do que foi feito nas regiões abrangidas pelo Nova BH, outra proposta controversa é a redução a 1 do coeficiente de construção em toda a cidade. Com isso, em um lote de 1 mil metros quadrados, por exemplo, pode-se erguer, no máximo, construção com área equivalente. Acima disso, a possibilidade é comprar o direito de construir, chamado de outorga onerosa.

Dinheiro O presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade da OAB-MG e consultor jurídico do MAMBH, Wilson Campos, também cobra transparência.
“A destinação desses recursos não está bem esclarecida. Se é para empreendimento habitacional de baixa renda, há certa simpatia. Se for em obras ainda a serem definidas pelo poder público, fica a dúvida, porque nunca se sabe para onde vai esse dinheiro”, relata.

O gerente de Projetos Urbanos Ricardo Cordeiro informa que as intervenções a serem feitas com recursos do Nova BH já estão definidas e disponíveis no site da Prefeitura de BH. Elas ocorrerão exclusivamente na área do projeto e incluem requalificação de parques, melhoria de passeios e de travessia de pedestres, implantação de novo mobiliário urbano, entre outras. A ideia é usar o valor das vendas de títulos para dotar de infraestrutura as áreas de maior adensamento.

Sobre o potencial de construção em outras áreas da cidade, a gerente de Informação e Monitoramento da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano, Gisella Lobato, explica que está prevista a destinação dos recursos da outorga para o Fundo de Habitação ou investimentos nas chamadas centralidades, áreas nos bairros onde se pretende incentivar mais o comércio aliado à moradia.

Caldeirão de polêmicas


Confira algumas das alterações propostas pela Prefeitura de BH

Vagas de garagem

Restrição de construção de estacionamento nos prédios, autorizando o limite de 25 m² nos edifícios residenciais, ou uma a cada 150m² de área construída nos empreendimentos comerciais. O espaço é suficiente para um carro em vaga livre de manobra ou, dependendo do projeto, dois em vagas presas. Para aumentar os locais de estacionamento, seria preciso descontar a área usada do total permitido para a construção. Atualmente, o dono do lote pode aproveitar área equivalente à da edificação apenas para garagens

Potencial de construção

Em toda cidade, donos do terrenos seriam autorizados pela prefeitura a construir apenas o equivalente à área do seu lote. Para erguerem edificações acima desse limite, seria preciso pagar um adicional ao poder público. A verba seria aplicada em infraestrutura na região

Zoneamento


Substituição do atual zoneamento pelas chamadas categorias de estruturação urbana, alterando a maneira de ocupar cada parte do território da cidade.
A proposta modifica parâmetros urbanísticos, como o quanto se pode construir em cada terreno

Criação da ADE Avenida do Contorno

Acaba com as Áreas de Diretrizes Especiais (ADEs) Rua da Bahia Viva, Polo da Moda, Hospitalar, Residencial Central e a Savassi, mas mantém a ADE Vale do Arrudas

Nas áreas de ocupação preferencial (todo o perímetro da Contorno, exceto Parque Municipal e Bairro Floresta), cria benefícios para a reforma e adaptação de edificações que tenham uso misto (moradias e comércio)

No Hipercentro, estimula edificações voltadas para unidades habitacionais de famílias com renda de até três salários mínimos, que podem ter área construída 20% maior

Permite a construção de unidades residenciais de pequeno porte sem grandes áreas de estacionamento

Desestimula o uso de imóveis exclusivamente para estacionamentos

Mudanças em outras ADEs

São Bento

Define dois setores: um exclusivamente unifamiliar e outro em que é permitida a construção de mais de uma casa no
mesmo lote

Pampulha

Permissão para que as ruas Sardenha, Palermo e a Avenida Cremona recebem mesmas atividades comerciais admitidas em avenidas como Fleming e Clóvis Salgado. Também autoriza a construção de mais de uma casa por lote, além de permitir mesas e cadeiras nas calçadas em porção específica do afastamento frontal de bares, restaurantes e lanchonetes voltados para a orla

Mangabeiras

Estende permissão de atividades comerciais como padarias, laboratórios e academias para trechos da Avenida Bandeirantes e da Praça da Bandeira

Santa Tereza

Proíbe construção de muros acima de 80 centímetros em frente aos imóveis. O fechamento deverá ser feito com grades ou materiais que permitam a visão dos jardins.