Jornal Estado de Minas

Poluição faz população de Congonhas adoecer

São retirados, diariamente, somente das ruas do Centro de Congonhas, cerca de 7 toneladas de pó de minério. Crianças são as mais prejudicadas e sofrem com doenças respiratórias

Jorge Macedo - especial para o EM
Daniel Camargos
Enviado especial


  Mary Anna, de 4 anos, precisa usar o nebulizador constantemente para combater as crises de asma - Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press

Congonhas – Os quatro mil moradores do Bairro Pires, em Congonhas, convivem com o mesmo problema de uma das maiores cidades – entre as mais poluídas – do mundo, Xangai, na China, que tem quase 15 milhões de moradores. As duas têm a mesma média anual de emissão de material particulado (poeira): 81 microgramas por metro cúbico. A legislação brasileira considera 80 o limite, mas o promotor de Congonhas, Vinícius Alcântra Galvão, destaca que, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o limite tolerado pela saúde humana é 50. “Estou nas últimas tratativas com as empresas para instalar o sistema de monitoramento do ar que possa controlar a poluição e punir os poluidores ”, avisa o promotor.

Na edição de ontem, o Estado de Minas mostrou o problema dos moradores do Pires com a travessia da BR-040 e de uma ferrovia que cortam o bairro. Mais de 50 pessoas já morreram atropeladas nos últimos anos. Além disso, os moradores do Pires, bairro cercado por diversas atividades de mineração, sofrem com a poeira. O promotor está concluindo um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que será assinado com as empresas da região, para criar uma rede de monitoramento do ar.



Enquanto o controle não é implementado, a população sofre. A pequena Mary Anna, de 4 anos, precisa usar o nebulizador constantemente para combater crises respiratórias. “Talvez ela tenha que usar bombinha (remédio para asma) para o resto da vida”, lamenta a mãe de Mary Anna, a agente de saúde Patrícia das Graças Gomes.

O drama da criança é ampliado devido à irresponsabilidade de alguns caminhoneiros que prestam serviço para a Gerdau. Para evitar dirigir mais 32 quilômetros até o trevo de Joaquim Murtinho, os motoristas fazem uma conversão proibida usando um acostamento do Bairro Pires e, ao passar no outro lado da via levantam uma nuvem de poeira, que deixa a casa de Patrícia e de seus vizinhos imunda, além de prejudicar ainda mais a saúde de Mary Anna.

Avisada pela reportagem do EM, a Gerdau informou, via assessoria de imprensa, que vai reforçar a fiscalização no Bairro Pires “com o objetivo de garantir que empresas terceirizadas, contratadas para serviços de logística, cumpram as normas estabelecidas pela Gerdau, como também cumpram a legislação de trânsito vigente”.

O problema, segundo Patrícia, ocorre desde dezembro do ano passado, com os caminhões seguindo para descarregar o minério no distrito de Miguel Burnier. O enfermeiro do posto de saúde do bairro, Salmo David da Silva, relata que são corriqueiros os casos de inflamação das vias aéreas. “Há ainda uma poeira que vem das lagoas de dejetos, que são cheias de metais pesados”, alerta o enfermeiro.

Indiferentes

O prefeito de Congonhas, Zelinho (PSDB), que foi secretário de Saúde nas duas últimas administrações, reconhece que a saúde dos moradores é afetada pela poeira. “É lógico que tem impacto. Tem mais casos de bronquite e asma do que em uma cidade com muita área verde. As doenças respiratórias são mais constantes, principalmente em crianças”, afirma o prefeito.

São retirados, diariamente, somente das ruas do Centro de Congonhas, cerca de 7 toneladas de pó de minério, segundo o prefeito.

A OMS estima que, em todo o mundo, pelo menos 2 milhões de pessoas morrem a cada ano, devido à inalação de partículas finas em ambientes internos e externos. Na tarde de quarta-feira, quatro garotos, entre 12 e 15 anos, jogavam truco encostados na mureta da única passarela construída para a travessia da linha férrea. Um deles assistia e comentava o jogo, enquanto chupava uma mexerica. A poeira, tão onipresente, parece não incomodar os meninos, apesar de escurecer o caldo da mexerica que escorria da mão do garoto.

Outros dois chegam de bicicleta. Carregam um aparelho de MP3 portátil tocando em alto volume um arrocha (estilo de música baiana). O repórter os instiga a dizer o que pensam do bairro. Um reclama da poeira, outro da falta de passarela na rodovia, o da mexerica lista o nome de conhecidos que morreram atropelados. Chega uma menina cantando uma letra de funk lasciva, debocha de um e se junta ao grupo. O jornalista questiona se querem se mudar dali e ir viver em outro lugar.
“É tudo a mesma coisa”, responde o que embaralha as cartas. Todos concordam e param de prestar atenção no repórter. 



Eva Eugênia Gonçalves diz que tem que manter a porta limpa, porque tem um trailer de sanduíche - Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press.Água não é tratada

Maria Antônia Gomes, de 65 anos, a dona Mariquinha, vive no bairro há 45 anos e diz que nunca viu a água tão ruim. Ela mostra garrafas de água suja que guardou para o caso de alguém não acreditar no que está falando. “As empresas vieram e acabaram com a água”, reclama dona Mariquinha. O abastecimento do Pires é feito por duas minas, Boi na Brasa e João Batista. Em 2010, a CSN/Namisa – grupo de mineração e siderurgia – assoreou as duas. Durante dois anos, depois da determinação do Ministério Público, a empresa teve que abastecer as casas do bairro com caminhão-pipa e galões de água mineral.

“Há sábado em que encho o tanquinho para bater a roupa e, quando vou olhar, tenho que jogar a água toda fora, pois está suja”, reclama dona Mariquinha. Desde o fim de 2012, o abastecimento alternativo foi encerrado. A CSN/Namisa fez um acordo e doou R$ 300 mil para a reforma do centro comunitário do bairro. “A obrigação é a empresa retornar ao ponto anterior”, afirma o promotor Vinícius Alcântra Galvão.

COBRANÇA
Porém, a presidente da associação comunitária do bairro, Ivana Gomes, teme que a água passe a ser tratada e cobrada dos moradores pela Copasa. “O pessoal aqui não vai aceitar. A poeira é muito grande e todo mundo tem que lavar o passeio e as casas todos os dias”, explica Ivana. O temor da líder comunitária tem fundamento, pois a Copasa informou, via assessoria de imprensa, que já concluiu projeto para atendimento ao bairro e que “está equacionando os recursos necessários para realização da obra”. O prefeito de Congonhas, Zelinho (PSDB), também é a favor: “É inadmissível ter água bruta”.

Eva Eugênia Gonçalves, de 54, lavava com uma mangueira a frente de sua casa. “O maior problema daqui é a poeira. Se for preciso pagar água não vai dar para limpar”, lamenta Eva, que tem um trailer de hambúrguer e diz ser impossível manter o negócio sem deixar o ambiente limpo.

Concentração de partículas totais em suspensão

Local média anual – (microgramas/m³)
Pires 81,3
Xangai (China) - 81
Surat (Índia) - 81
Cochabamba (Bolívia) - 81
Congonhas (setor 1) - 68,3
Brasil (média) - 41
Belo Vale - 39,6
Conselheiro Lafaiete - 39,3
Ouro Branco - 38,1
Congonhas (setor 9) - 50,4

Fontes: Ecosoft Consultoria Ambiental e Organização Mundial de Saúde (OMS).