O crescimento acelerado das construções em Belo Horizonte, especialmente de prédios residenciais, e o aumento considerável da frota de veículos nos últimos 10 anos criaram um problema que desafia a prefeitura da capital e opõe motoristas, pedestres e moradores de casas e prédios. Com a briga por vagas em vias de bairros cada vez mais populosos e sufocados, moradores são surpreendidos por veículos que invadem acessos a garagens e dificultam ou impossibilitam manobras de entrada e saída, principalmente para carros maiores. Quem tenta se defender acaba ignorando a estética da cidade, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e o Código de Posturas do município, já que, para garantir a mobilidade e evitar o transtorno, são espalhados delimitadores físicos pelas ruas, o que é expressamente proibido pela legislação. Um conflito que tende a se agravar diante de propostas como a que prevê a limitação de espaço para carros, tanto em edifícios quanto em estacionamentos particulares, apresentada recentemente pela administração municipal.
Não é difícil encontrar evidências desse embate diário, do qual há relatos em todas as nove regiões da cidade, desde o Barreiro até Venda Nova. A equipe do Estado de Minas constatou o problema em bairros como Cruzeiro, Sion, Santo Antônio, Anchieta, Carmo e Funcionários, na Região Centro-Sul; Buritis e Gutierrez, na Região Oeste; e Coração Eucarístico, Noroeste de BH. O Buritis é um dos que mais sofrem com o conflito entre a falta de vagas e a proliferação dos obstáculos, normalmente representados por latas cheias de concreto que sustentam hastes de metal. Na Rua Vitório Magnavacca, o porteiro Adevaldo Oliveira de Jesus, de 53 anos, já perdeu as contas de quantas vezes os moradores do prédio em que ele trabalha tiveram dificuldade de sair da própria garagem, o que motivou a colocação dos delimitadores, um de cada lado do acesso.
O edifício fica em frente a um espaço de carga e descarga destinado a um shopping.
Já na Rua Engenheiro Alberto Pontes, duas garagens de prédios diferentes são separadas por uma faixa curta de passeio, o suficiente para motoristas estacionarem. Em dias de eventos na Uni-BH, quando a demanda por vagas cresce nas ruas do bairro, é muito comum que o espaço vire vaga, o que motivou os moradores de um dos edifícios a colocar um obstáculo com uma placa acoplada, informando ser proibido estacionar, por ser uma área de manobra. O condomínio já recebeu uma carta da prefeitura solicitando a retirada, sob pena de receber multa.
Na Rua Dom Vital, no Bairro Anchieta, Centro-Sul da capital, o aperto levou um dos prédios a posicionar duas latas de cimento conectadas por uma estrutura de metal. Como foi considerado o único meio de evitar que carros estacionem, diminuindo o ângulo de manobra ideal, a estrutura foi fixada, depois que houve uma tentativa de removê-la.
Até a Polícia Militar adota bloqueadores. Na Rua dos Timbiras, em frente à sede da 3ª Companhia do 1º Batalhão, no Bairro Funcionários, Centro-Sul de BH, são usados dois cones e quatro latas com concreto. No local há uma área específica de estacionamento para viaturas e para quem precisa registrar ocorrências policiais, mas os delimitadores garantem as vagas para veículos particulares de PMs em serviço. O capitão Robson Geisel, comandante da 3ª Cia., disse que vai providenciar a retirada.
A reportagem do EM também flagrou o desrespeito ao Código de Posturas praticado por estacionamentos privados. A maioria posiciona cones nas ruas com dupla função: uma é proteger as laterais das entradas e a outra é chamar a atenção do motorista, já que sobre os cones muitas vezes está afixado anúncio do serviço. É o que ocorre na Rua Piauí, entre as ruas dos Aimorés e dos Timbiras, onde sobre os dois cones a placa conclama: “Estacione aqui”. O administrador do estabelecimento, Marlus Carvalho, diz que nunca foi cobrado pela prefeitura nem orientado sobre a situação. “Quando tiramos o alvará, não foi falado nada sobre isso, mas, se for solicitado, vamos providenciar a retirada”, afirma.
REBOQUE Apesar de não apresentar números, a BHTrans afirma que a remoção de veículos que estão obstruindo garagens é a prioridade número um nos atendimentos do reboque. “Priorizamos a porta de garagem para garantir que o cidadão possa sair de casa”, afirma a gerente de Apoio Operacional da empresa que administra o trânsito na capital, Mônica Mendes. Segundo ela, o crescimento da frota e a estagnação na oferta de vagas agravaram esse tipo de situação.
A Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização informou que as “ações fiscais para desobstrução do logradouro público acontecem regularmente em toda a cidade, durante o trabalho rotineiro de fiscalização e em atendimento às demandas da população”. Os obstáculos mais encontrados são mercadorias expostas nas calçadas, cavaletes e placas indicativas, além de elementos móveis e fixos para delimitar estacionamento de veículos.
Ainda segundo a secretaria, de janeiro até o dia 24 ocorreram 1.124 vistorias, que geraram 215 notificações e 224 multas. De acordo com a prefeitura, objetos para delimitar estacionamento geram multa imediata, diferentemente de outros casos, em que antes o morador ou o condomínio é notificado.
Parada torta
O que dizem as leis que tratam de estacionamento e obstáculos nas vias públicas
Código de Posturas
Artigo 66 da Lei 8.616/2003, que regulamenta o Código de Posturas de Belo Horizonte
É vedada a instalação em logradouro público de mobiliário urbano destinado a:
I – abrir portão eletrônico de garagem;
II – obstruir o estacionamento de veículo sobre o passeio;
III – proteger contra veículo.
Artigo 43 do Decreto 14.060, que regulamenta e complementa o Código de Posturas.
Parágrafo 4º – É vedada a instalação de mobiliário urbano:
I – prejudicial à segurança e ao trânsito de veículo ou pedestre;
II – que comprometa a estética da cidade;
III – que interfira na visibilidade de bem tombado;
IV – que interfira na arborização.
Punição:
O infrator está sujeito a multa de R$ 252,44 a R$ 2.650,65, dependendo de o obstáculo ser móvel ou fixo e também da reincidência.
Código de Trânsito Brasileiro
Artigo 181
Estacionar o veículo:
IX – onde houver guia de calçada
(meio-fio) rebaixada destinada à entrada
ou saída de veículos:
Punição:
Infração média, com perda de quatro pontos na CNH e multa de R$ 85,13
Artigo 246
Deixar de sinalizar qualquer obstáculo à livre circulação, à segurança de veículos e pedestres, tanto no leito da via terrestre como na calçada, ou colocar obstáculos na via indevidamente:
Punição:
Infração gravíssima, com perda de sete pontos na CNH e multa que varia de R$ 191,54 a R$ 957,70