A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) admitiu nessa segunda-feira a possibilidade de adiar o encerramento da 4ª Conferência Municipal de Política Urbana, prevista para acabar em 31 de maio. Pela primeira vez desde fevereiro, quando começou o fórum em que técnicos, empresários e a população em geral definem as mudanças no planejamento da cidade, a administração pública não descartou a prorrogação das discussões. O posicionamento ocorre depois da debandada do setor imobiliário do evento, alegando “falta de transparência e de condições mínimas do exercício da cidadania”. Paralelamente, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) investiga denúncias de irregularidade na conferência, cujo objetivo é alterar o Plano Diretor e a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo.
Desde o início da conferência, a prefeitura tem apresentado um caldeirão de propostas polêmicas, que mudam de forma substancial as regras de construção e de ordenamento de BH, como a restrição do número de garagens e a limitação da área a ser erguida nas edificações (veja quadro). Delegados do fórum reclamam que o tempo é insuficiente para discutir tantas mudanças e reagem. Depois da saída do setor imobiliário, representantes do setor técnico prometem entregar hoje ao Executivo abaixo-assinado pedindo a alteração do calendário da conferência.
“Recolhemos 82 assinaturas (quase um terço dos delegados), das quais 58 do setor técnico, mas há também pessoas da comissão organizadora e dos segmentos empresarial e popular”, reforça o conselheiro do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG), Sérgio Myssior. O abaixo-assinado não estipula novo prazo, mas pede tempo suficiente para aprofundar os debates. Delegada do setor popular, Dorinha Alvarenga também está a frente de um abaixo-assinado.
Em nota, a prefeitura afirma que a ideia inicial era concentrar a conferência entre dezembro de 2013 e novembro deste ano. O calendário, entretanto, não foi aprovado no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), pois representantes da sociedade civil votaram contra, sob a justificativa de que o evento poderia ficar prejudicado com a Copa do Mundo e as eleições. “Do mesmo modo, não estão descartadas possíveis alterações no calendário do evento, desde que observados os procedimentos legais instituídos para tanto, que visam à garantia de um ambiente democrático e produtivo de discussão”, informou.
CONSTRUÇÂO CIVIL
Ontem, em coletiva de imprensa, a diretoria do Sindicato da Indústria da Construção Civil do estado (Sinduscon-MG) expôs a insatisfação do setor com todo o processo da conferência e as razões para a saída. Segundo eles, só há possibilidade de retorno da classe aos debates se a prefeitura rever os prazos do evento. Caso contrário, eles apenas se envolverão com as propostas quando elas forem apresentadas à Câmara Municipal, depois da conferência.
“Fomos ao Compur, fizemos uma plenária, tentamos de todas as formas aumentar o tempo de discussão da conferência. Não fazia mais sentido continuar nesse processo”, afirma o diretor de projetos do Sinduscon-MG e membro do Compur, Renato Michel. O vice-presidente da área imobiliária do Sinduscon-MG, Lucas Martins Guerra, alerta para as mudanças radicais que podem vir pela frente. “É como se rasgasse o Plano Diretor e fizesse outro de novo, mas não está havendo um debate com toda a sociedade, com o cidadão comum, e já estamos entrando na fase de votação”, afirma.
“Nos recusamos a participar desse circo mal montado”, afirma o ex-presidente da entidade, Teodomiro Diniz Camargos. Segundo ele, em 1996, quando houve a elaboração do Plano Diretor, as discussões ocorreram durante um ano. “A prefeitura está tratando a conferência como um instrumento legal que precisa ser cumprido. Não há o exercício do diálogo, ficar ou sair vai dar no mesmo. Isso vai comprometer o urbanismo da cidade e não vamos assinar embaixo”, diz.
Renato Michel critica ainda a presença de funcionários públicos municipais como delegados do evento. “Se não for legal é imoral”, diz. A promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo de BH, Cláudia Ferreira, investiga denúncias sobre o evento e promete concluir as apurações em, no máximo, 30 dias.
A conferência
A 4ª Conferência Municipal de Política Urbana é um fórum em que 243 delegados dos setores popular, técnico e empresarial definem sobre os rumos do planejamento urbano de BH. Nela, a prefeitura apresenta suas propostas de alteração do Plano Diretor e da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, que são analisadas pelos participantes. As duas leis tratam da organização da cidade, para onde vai crescer, quais áreas devem ser protegidas, como devem ser as construções, entre outros pontos. O evento começou em fevereiro e está previsto para encerrar dia 31 de maio, sempre aos sábados. Ao longo do próximo mês, nos dias 17, 24 e 31, começa a fase de votação. Os delegados podem apresentar sugestões, mas as propostas da prefeitura já vão direto para plenária. Depois de concluídos os trabalhos, a prefeitura elabora um projeto de lei e encaminha para votação na Câmara Municipal.
Caldeirão de polêmicas
Confira algumas das alterações propostas pela Prefeitura de BH
Vagas de garagem
Restrição de construção de estacionamento nos prédios, autorizando o limite de, no máximo, 25 m², o equivalente a uma vaga por unidade habitacional nos prédios residenciais, ou uma a cada 150m² de área construída nos empreendimentos não residenciais. O espaço é suficiente para caber um carro em vaga livre ou, dependendo do projeto, dois carros em vagas presas. Para aumentar os locais de estacionamento, seria preciso descontar do total permitido para a construção. Atualmente, o dono do lote pode aproveitar área equivalente à da edificação apenas para garagens.
Potencial de construção
Em toda a cidade, donos dos terrenos seriam autorizados pela prefeitura a construir apenas o equivalente à área do seu lote. Para erguerem edificações acima desse limite, seria preciso pagar um adicional ao poder público. A verba seria aplicada em infraestrutura na região.
Zoneamento
Substituição do atual zoneamento pelas chamadas categorias de estruturação urbana, alterando a maneira de ocupar cada parte do território da cidade. A mudança altera parâmetros urbanísticos, como o quanto que se pode construir nos terrenos.
Criação da ADE Avenida do Contorno
Acaba com as ADEs Rua da Bahia Viva, Polo da Moda, Hospitalar, Residencial Central e a Savassi, mas mantém a ADE Vale do Arrudas
Nas áreas de ocupação preferencial (todo o perímetro da Contorno, exceto Parque Municipal e Bairro Floresta), cria benefícios para a reforma e adaptação de edificações que tenham uso misto (moradias e comércio)
No Hipercentro, estimula edificações voltadas para unidades habitacionais de famílias com renda de até três salários mínimos, que podem ter área construída 20% maior. Permite a construção de unidades residenciais de pequeno porte sem grandes áreas de estacionamento
Desestimula o uso de imóveis exclusivamente para estacionamentos
Mudanças em outras ADEs
São Bento
Define dois setores: um exclusivamente unifamiliar e outro em que é permitida a construção de mais de uma casa no mesmo lote
Pampulha
Permissão para que as ruas Sardenha, Palermo e a Avenida Cremona recebem mesmas atividades comerciais admitidas em avenidas como Fleming e Clóvis Salgado. Também autoriza a construção de mais de uma casa por lote, além de permitir mesas e cadeiras nas calçadas em porção específica do afastamento frontal de bares, restaurantes e lanchonetes voltados para a orla
Mangabeiras
Estende permissão de atividades comerciais como padarias, laboratórios e academias para trechos da Avenida Bandeirantes e da Praça da Bandeira
Santa Tereza
Proíbe construção de muros acima de 80 centímetros em frente aos imóveis. O fechamento deverá ser feito com grades ou materiais que permitam a visão dos jardins.