Gustavo Werneck
Mariana – O ano de 2014 marca o bicentenário da morte de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), e acende o sinal vermelho para falsificações de obras do mestre do barroco nascido em Ouro Preto. Segundo denúncias, há imagens em exposição que não passam de cópias, venda de objetos sacros “envelhecidos” como se fossem dos séculos 18 e 19, autenticações de autoria sem respaldo técnico e até presença, em livros, de peças da lavra de artistas contemporâneos creditadas ao arquiteto, entalhador e escultor mineiro. Autoridades federais e o Ministério Público de Minas estão vigilantes e alertam para o que, além de um escândalo cultural, pode ser enquadrado como estelionato. Uma comissão nacional deve ser formada para examinar a autentuicidade de peças atribuídas ao gênio. Em Mariana, na Região Central do estado, a situação deixa indignado o artista plástico Elias Layon, com 50 anos de experiência e dono de ateliê no Centro Histórico. “É um absurdo, uma desmoralização ao patrono das artes no Brasil.”
O motivo da irritação do artista, conhecido como “pintor das brumas”, está em duas páginas de O Aleijadinho – Catálogo geral da obra/Inventário das coleções públicas e particulares, de autoria de Márcio Jardim, Herbert Sardinha Pinto e Marcelo Coimbra, com quase 500 peças fotografadas e descrições detalhadas. Layon se declara autor de São Joaquim, de 23 centímetros de altura e esculpido em madeira – o original de Antonio Francisco Lisboa se encontra no Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana – e de Nossa Senhora da Expectação, de 22cm, também em madeira. A relíquia verdadeira é fruto da oficina de Aleijadinho, e não propriamente do mestre. Curiosamente, as duas peças originais, em que o escultor diz ter se inspirado, também estão publicadas no catálogo.
“Aleijadinho não merece tal afronta, nem eu mereço semelhante glória. Esculpi as duas imagens na década de 1980 e as vendi, explicando que eram cópias. Para minha surpresa, vi no livro que rasparam meu nome, mudaram a policromia e ainda amputaram o braço direito de São Joaquim”, conta o artista, que aponta, na foto do livro, um pino na madeira característico de seu trabalho.
O episódio motivou uma “carta-desabafo” encaminhada por ele à ministra da Cultura, Marta Suplicy, pedindo providências sobre as falsificações, e outra a Márcio Jardim. Na sequência, Layon diz ter sido contatado pelo ministério e recebido correspondência de Jardim. Na semana passada, houve suspeita de que as duas peças integrassem mostra no espaço cultural da Caixa Econômica Federal em Brasília, mas técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estiveram no local e nada constataram.
Ao olhar cuidadosamente o catálogo, Layon, que faz um trabalho no estilo neobarroco e pesquisa a obra de Aleijadinho há décadas, diz ter verificado que há mais de 200 peças que nunca passaram pelas mãos do gênio do barroco ou pela oficina dele em Ouro Preto. E acrescenta que vai enviar correspondência a outros autores de livros igualmente dedicados a Antonio Francisco Lisboa, informando sobre equívocos nas atribuições – termo que define estudos indicando a autoria da peça, com base nas características, estilo etc., adotados quando não há provas documentais da origem da obra.
Diante do problema, que pode se agravar agora que o nome de Aleijadinho está mais do que nunca em evidência, Layon defende a criação de uma comissão nacional de especialistas para atestar a autenticidade das peças. A providência já foi anunciada pelo Iphan e deve ser adotada ainda este ano.
CONTROVÉRSIA Na carta em resposta aos questionamentos de Layon, Márcio Jardim escreveu: “Respeito sua opinião, mas não concordo com ela, como é natural. A sua dúvida, especialmente quanto à autoria do Aleijadinho, é a mesma que venho encontrando há mais de 30 anos, desde que comecei a procurar as coleções particulares, coisa que ninguém fez antes de mim, isso em 1981. (...) Até hoje, nenhum outro pesquisador teve também a coragem e disposição para viajar e vê-las pessoalmente. Não estranho suas dúvidas; várias pessoas têm me apresentado as mesmas opiniões, algumas com incrível violência, acredite”, diz um trecho do texto. “Desde já, apoio incondicionalmente sua ideia de se criar uma comissão nacional , organizada pelo Iphan, com a participação do Iepha-MG e outras instituições, para se fazer a relação oficial, o que, aliás, já foi feito pelo Iphan em 1951”. O Estado de Minas tentou por diversas vezes contato com Márcio Jardim, por telefone, sem sucesso.