Já foi o tempo em que um filho único teria toda a atenção para si. Com a chegada das brasileiras ao mercado de trabalho, mesmo que seja única, a criança terá de espernear para conseguir dedicação exclusiva. Ela terá que disputar com os compromissos marcados na agenda. “Meu programa de vida é ter só a Sofia. Vim do interior e consegui fazer meu currículo na capital. Quero proporcionar para a minha filha a mesma qualidade de vida e os estudos que tive”, afirma a contadora Patrícia Loyola Murta, de 40 anos, natural de Coronel Murta, que fez quatro pós-graduações e atua como controladora de empresa multinacional em BH.
Sorridente e realizada como mãe, Patrícia recebeu Sofia em 9 de fevereiro, exatamente no dia do seu aniversário. “Não fui eu quem a escolhi, foi ela quem me escolheu, quando a bolsa estourou.
Para a psicanalista Ana Lydia Santiago, antes de tudo é preciso respeitar o desejo da mulher. “Há aquelas que sempre desejaram ter muitos filhos e outras que enfrentam certa dificuldade com a maternidade. Para alguns pais, ter um filho também pode causar certo impacto”, explica. Segundo a especialista, as famílias costumam ser até mais exigentes com o filho único. “Os pais idealizam um futuro para as crianças e propõem uma série de estratégias de acordo com o que acreditam.
Apesar de trabalhar em média 10 horas diárias, a endocrinologista Flávia Beatriz Pieroni, de 41, faz questão absoluta de deitar todas as noites com a filha Mariana, de 6, e de contar histórias até a pequena pegar no sono. “Nesses momentos temos a oportunidade de dividir os nossos segredos e confidências. Converso muito com a Mariana. Ela sabe que, por ser filha única, é a nossa filha mais velha no sentido de ser cobrada em relação aos compromissos escolares. Por outro lado, é também nossa caçula e tem direito a receber todo nosso chamego e afeto”, brinca a médica.
Brincalhona, a médica diz que a filha já tem um “irmão por parte de tia”. Davi, de 4, é o caçula da irmã dela, Ana Luisa, e ambas moram no mesmo prédio, no Bairro Gutierrez. Nos fins de semana, dedicados exclusivamente à família, os passeios incluem levar a garotada à pracinha, ao cinema e a aniversários infantis, sempre em grupo.
Autoproteção não pode virar prisão
“Ei, mãe, não sou mais menino/Não é justo que também queira parir meu destino/Você já fez a sua parte me pondo no mundo/Que agora é meu dono, mãe/e nos seus planos não estão você/Proteção desprotege e carinho demais faz arrepender”. Na letra de Filho único, o compositor e cantor Erasmo Carlos dá um puxão de orelha nas mães de filhos únicos como a dele, que, ao engravidar, decidiu assumir sozinha a criação do filho, que se tornaria famoso ao fazer dupla com Roberto Carlos. A letra foi redescoberta recentemente pelo músico Frejat, em parceria com o Tremendão. Os músicos fazem um alerta para aquelas mamães que, por terem um só filho, apresentam maior dificuldade em cortar a ligação umbilical.
Com 30 livros publicados, o psiquiatra e educador Içami Tiba alerta que nem sempre os filhos únicos resultam exclusivamente do parto. Segundo ele, há pais que lidam com seus filhos como se não tivessem irmãos, prejudicando-os de forma inconsciente. Entre os casos citados por ele, está o do filho caçula temporão e o dos filhos com intervalos de tempo maiores entre si, em que os pais tratam o caçula de forma muito diferenciada, já sabendo que não terão outro bebê.
“Especialmente o filho único de mãe sozinha constrói uma possessão mútua entre filho e mãe, que pode trazer futuros sofrimentos, caso eles se fechem contra o mundo e formem um vínculo de autoproteção tão forte que passa a funcionar como prisão, pois ali não cabem outras pessoas”, escreve Tiba. No livro, ele explica que o filho único mimado já foi considerado uma anomalia pelo americano G. Stanley Hall (1844-1924), um dos pais da psicologia infantil.
Com ajuda externa, um filho único pode se libertar desta teia tecida pela superproteção da mãe. Segundo o psiquiatra Carlos Byington, membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, a mãe pode começar, desde o parto, a garantir a felicidade do seu filho único. “Mais do que compartilhar com o pai, a mãe pode contribuir para que ele participe ativamente da vida do filho, desde a gestação. Nisso reside o grande segredo”, explica. Em outras palavras, a primeira lição é aprender logo a dividir o amor do filho com outras pessoas, como o pai. (SK)
O GRANDE SEGREDO
Como fazer seu filho único feliz
1- Seja generosa e dê ao seu bebê a participação íntima do pai dele, junto do seu amor.
2- Evite, desde a gestação, se identificar com o ninho formado por você e pelo bebê na barriga. Mostre ao pai o quanto você precisa dele para ir às consultas com o obstetra e ver o tamanho do nenê e seu estado de saúde no ultrassom. Peça para ele ouvir as recomendações do médico, para ajudar a cumpri-las.
3- Peça ao pai para participar dos cursos preparatórios da gravidez, para ajudar você nos momentos respiratórios do parto e aprender a dar banho e trocar as fraldas do bebê, quando precisar.
4- Evite que sua mãe substitua o pai e tome as rédeas do pós-parto.
5- Partilhe com o marido tudo o que você puder na gravidez. Peça a ele para fotografar o parto e trazer o bebê para vocês tirarem uma foto beijando-o, logo que nascer.
6- Facilite, ensine e peça para o pai participar da vida íntima com o bebê, desde o início. Essa será uma das maiores manifestações de amor pelo seu bebê, seja ele menino ou menina.
7- Mais do que compartilhar com o pai, a mãe pode contribuir para que ele participe ativamente da vida do filho, desde a gestação. Nisso reside o grande segredo.
Fonte: Carlos Byington, psiquiatra e membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica