O carreteiro Délio Mendes Rabelo, de 64 anos, é testemunha ocular da degradação e abandono de um velho casarão na Rua Guaicurus, no Centro de Belo Horizonte. Há 30 anos, trabalhando com carga e descarga de mercadorias, ele se entristece com o que vê diariamente e gostaria de um destino melhor para o imóvel do início do século 20, que, mesmo deteriorado, conserva a beleza das linhas arquitetônicas. “Ele serviu de local de prostituição, virou abrigo para mendigos e depois foi ocupado por uma mulher, a dona Cláudia, que morava com mais de 30 cachorros. Todo mundo que viveu aí já morreu”, conta Délio.
Tombada há 20 anos pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município e com o portão fechado a corrente e cadeado, a propriedade particular exibe a marca das agressões urbanas: parede queimada, pichação, colchões e pedaços de madeira encostados, caixotes vazios na porta, perda de reboco e latas de refrigerantes jogadas fora da lixeira. O pior mesmo é presenciar a cobertura despencando, madeiras penduradas, perda de reboco das paredes, tapumes no lugar das janelas e o estado geral de petição de miséria. “É uma pena, pois poderia ser restaurado e bem aproveitado pela comunidade”, lamenta o carreteiro, lembrando que as antigas grades foram furtadas e, no lugar, foi construído um muro de proteção.
Desapropriação
A Prefeitura de Belo Horizonte informou que ocorreu em 2008 uma tentativa de desapropriação do imóvel de número 471, que fica entre um galpão e uma lanchonete, ambos desativados, mas o processo não foi concluído.
Ouvindo a conversa, um lavador de carros acrescenta que o prédio poderia ganhar o mesmo tratamento de um sobrado pintado de branco na Avenida Olegário Maciel, perto do terminal rodoviário. “Ficou lindo! Dá gosto de ver”, recomenda. A região da Guaicurus, conhecida como zona boêmia de BH e considerada um livro cheio de histórias, em especial de meados do século 20, tem movimento constante devido ao comércio, carga e descarga de caminhões e outras atividades.
Imóvel centenário tem estilo eclético
O casarão da Rua Guaicurus é remanescente do estilo eclético, o qual se desenvolveu na capital no início do século 20, segundo a Fundação Municipal de Cultura. Com fachada retangular, tem alpendre lateral, característica do ecletismo, sendo o projeto datado de 1907 e de autoria do arquiteto Edgard Nascentes Coelho. Com sistema construtivo em alvenaria com tijolos maciços, o casarão exibe o acabamento das fachadas em reboco de cal e areia. A pintura original era à base de cal, mas, com o tempo, foi usada tinta acrílica.
Erguida no alinhamento da via pública, a casa tem um pavimento sobre o porão elevado. Segundo os pesquisadores, esse tipo de porão era comum nas casas em estilo eclético, pois, como não havia laje de piso, o tabuado de madeira era assentado em nível mais elevado do que o chão para evitar o contato direto da umidade do solo com o piso.
Os estudos mostram que a casa apresenta telhado de duas águas perpendiculares à fachada principal, telhas francesas e estrutura de madeira. O acesso principal é marcado pelo alpendre lateral, que tem acabamento no piso ladrilho hidráulico e, no teto, forro em réguas de madeira.