O carreteiro Délio Mendes Rabelo, de 64 anos, é testemunha ocular da degradação e abandono de um velho casarão na Rua Guaicurus, no Centro de Belo Horizonte. Há 30 anos, trabalhando com carga e descarga de mercadorias, ele se entristece com o que vê diariamente e gostaria de um destino melhor para o imóvel do início do século 20, que, mesmo deteriorado, conserva a beleza das linhas arquitetônicas. “Ele serviu de local de prostituição, virou abrigo para mendigos e depois foi ocupado por uma mulher, a dona Cláudia, que morava com mais de 30 cachorros. Todo mundo que viveu aí já morreu”, conta Délio.
Tombada há 20 anos pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município e com o portão fechado a corrente e cadeado, a propriedade particular exibe a marca das agressões urbanas: parede queimada, pichação, colchões e pedaços de madeira encostados, caixotes vazios na porta, perda de reboco e latas de refrigerantes jogadas fora da lixeira. O pior mesmo é presenciar a cobertura despencando, madeiras penduradas, perda de reboco das paredes, tapumes no lugar das janelas e o estado geral de petição de miséria. “É uma pena, pois poderia ser restaurado e bem aproveitado pela comunidade”, lamenta o carreteiro, lembrando que as antigas grades foram furtadas e, no lugar, foi construído um muro de proteção.
Desapropriação
A Prefeitura de Belo Horizonte informou que ocorreu em 2008 uma tentativa de desapropriação do imóvel de número 471, que fica entre um galpão e uma lanchonete, ambos desativados, mas o processo não foi concluído. O objetivo era transformar o espaço em Unidade Municipal de Ensino Infantil (Umei), o que também não ocorreu, embora exista um projeto de restauração aprovado pelo conselho em 2012. “Chamavam de casarão dos cachorros, mas esse tempo passou. Queremos que seja recuperado, para dar um pouco de beleza a essa área central”, diz Délio.
Ouvindo a conversa, um lavador de carros acrescenta que o prédio poderia ganhar o mesmo tratamento de um sobrado pintado de branco na Avenida Olegário Maciel, perto do terminal rodoviário. “Ficou lindo! Dá gosto de ver”, recomenda. A região da Guaicurus, conhecida como zona boêmia de BH e considerada um livro cheio de histórias, em especial de meados do século 20, tem movimento constante devido ao comércio, carga e descarga de caminhões e outras atividades.
Imóvel centenário tem estilo eclético
O casarão da Rua Guaicurus é remanescente do estilo eclético, o qual se desenvolveu na capital no início do século 20, segundo a Fundação Municipal de Cultura. Com fachada retangular, tem alpendre lateral, característica do ecletismo, sendo o projeto datado de 1907 e de autoria do arquiteto Edgard Nascentes Coelho. Com sistema construtivo em alvenaria com tijolos maciços, o casarão exibe o acabamento das fachadas em reboco de cal e areia. A pintura original era à base de cal, mas, com o tempo, foi usada tinta acrílica.
Erguida no alinhamento da via pública, a casa tem um pavimento sobre o porão elevado. Segundo os pesquisadores, esse tipo de porão era comum nas casas em estilo eclético, pois, como não havia laje de piso, o tabuado de madeira era assentado em nível mais elevado do que o chão para evitar o contato direto da umidade do solo com o piso.
Os estudos mostram que a casa apresenta telhado de duas águas perpendiculares à fachada principal, telhas francesas e estrutura de madeira. O acesso principal é marcado pelo alpendre lateral, que tem acabamento no piso ladrilho hidráulico e, no teto, forro em réguas de madeira. Janelas e portas têm duas folhas de abrir de madeira e vidro com bandeira fixa. A ornamentação em massa em alto relevo aparece nos frisos e florões. Do portão, é possível ver toda essa história se perdendo e clamando urgentemente pelo projeto de restauro.