Um empreendimento do programa federal Minha Casa, Minha Vida, capaz de abrigar 13,2 mil famílias de baixa renda em Belo Horizonte e diminuir o déficit de 62,5 mil moradias dessa faixa na capital mineira está impedido de sair do papel por causa de uma invasão de terras. As unidades habitacionais, previstas para serem erguidas no Bairro Granja Werneck, na Região Norte, esbarram em 250 barracos erguidos por integrantes da chamada Ocupação Vitória. O impasse leva apreensão a inscritos no Minha Casa, Minha Vida e a moradores vizinhos à invasão, que temem pelo impacto de uma ocupação desordenada sobre os serviços da região e o meio ambiente.
Para entrar na área, repleta de cursos d’água e rica em fauna e flora, o grupo da Ocupação Vitória cortou árvores e fez queimadas. Desde que chegaram, em 4 de agosto do ano passado, os novos moradores também usam água de nascentes e córregos em atividades domésticas, para molhar hortas e lavar roupa, como reconhece a coordenação do movimento. O terreno é particular e, pouco depois da ocupação, a Justiça concedeu liminar determinando reintegração de posse. A determinação está “válida”, segundo informações do Fórum Lafayette, mas ainda não foi cumprida.
O projeto habitacional começou a ser desenvolvido em 2008 e, desde então, estudos ambientais e arquitetônicos começaram a ser feitos. Para viabilizar o adensamento da área, a prefeitura instituiu a Operação Urbana do Isidoro (Lei nº 9.959/2010), com o objetivo de promover a ocupação ordenada e sustentável do terreno.
Além de prédios com apartamentos de 44 metros quadrados, o projeto prevê equipamentos públicos como escolas, centros de saúde e de assistência social. Em 2011, o empreendimento obteve a licença prévia ambiental e, atualmente, o projeto passa pelo licenciamento estadual, por se tratar de área limítrofe com o município de Santa Luzia, na região metropolitana. A invasão na área ocorreu paralelamente ao processo, que ainda está em andamento.
A Prefeitura de Belo Horizonte considera que, além de comprometer a implantação da Operação Urbana do Isidoro, projeto pensado para planejar o adensamento da última grande área disponível para o setor imobiliário na capital, a ocupação traz outros impactos. “Sem o devido planejamento, ela (a ocupação) gera o aumento da demanda por serviços públicos de maneira desorganizada. Do ponto de vista urbano, a ausência de saneamento e infraestrutura pode gerar novas áreas de risco”, afirmou a PBH, por meio de nota.
Para a administração municipal, o empreendimento do Minha Casa, Minha Vida na Granja Werneck ganha importância diante da dificuldade de se viabilizar conjuntos habitacionais na capital, que tem quase todo o território ocupado. A topografia acidentada também onera custos. Por sua vez, o engenheiro Francisco Brasil, gestor do empreendimento Granja Werneck do programa Minha Casa, Minha Vida, defende que o adensamento planejado resultará em ganhos para a cidade. “BH está prestes a ter um empreendimento desenvolvido de forma planejada e com preservação de áreas naturais.
Transtornos A população no entorno da Granja Werneck, entre elas pessoas que há anos esperam na fila do programa federal por uma habitação, reclamam de transtornos provocados pela ocupação irregular. “Fiz minha inscrição no Minha Casa, Minha Vida há mais de um ano, porque vi no programa a chance de ter uma casa que eu realmente tenho condição de pagar. Mas, com a invasão, é como se esse sonho tivesse acabado”, conta a faxineira T.M.S. de 23 anos, que prefere não se identificar, por temer retaliações. Segundo ela, o impacto sobre os serviços já é sentido. “Tem gente perdendo eletrodoméstico porque a energia elétrica ficou fraca com tanta ligação clandestina. E os ‘gatos’ também estão sendo feitos na água”, exemplifica a moradora.
Vizinha da Ocupação Vitória, a geógrafa Virgínia Castro, de 56, que mora no Bairro Jaqueline há mais de 40 anos, relata aumento da sensação de violência. “Nossa segurança está afetada. O consumo e venda de droga cresceu. Vivemos num clima de medo”, conta.
Juíza: área terá de ser desocupada
A juíza Luzia Divino de Paula, titular da 6ª Vara Municipal, determinou expedição de ofícios para diversos órgãos, em fevereiro, para viabilizar a desocupação do terreno. Por meio da assessoria do Fórum Lafayette, a magistrada afirmou que a área terá de ser desocupada, pois a invasão impede a implantação do projeto imobiliário “já aprovado para atender a famílias com faixa salarial igual a dos ocupantes”, diz nota do Fórum. O número de beneficiados pelo empreendimento, afirma a nota, é superior ao de famílias que ocupam a área irregularmente.
Do total de 13,2 mil unidades do empreendimento, 80% vai atender quem recebe até três salários mínimos. A execução da ordem judicial, de acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, depende de ação do Governo do Estado. A Polícia Militar, no entanto, afirma não ter recebido do Judiciário qualquer ordem de reintegração de posse. Informou ainda que em reunião, no início do ano, entre prefeitura, PM, Judiciário e representantes dos ocupantes, a Justiça determinou o cadastramento das famílias. Desde que concedeu a liminar, a juíza afirma ter tentado consenso entre os ocupantes e diversos órgãos envolvidos para cumprimento da liminar e que busca “formas de executar a decisão com o menor impacto social possível, mas em atendimento ao interesse da sociedade”.
A coordenadora da Ocupação Vitória, Elielma Carvalho, de 33 anos, afirma que quem se mudou para a área o fez por não ter mais condição de pagar aluguel, porque morava de favor ou porque queria sair de abrigos. Diferentemente de números oficiais, ela fala em 4.539 famílias morando no local. Sobre os impactos no entorno, Elielma diz que, dentro do possível, os ocupantes tentam preservar o lugar. Ela afirma que a energia que abastece a área é regularizada, mas admitiu que a população precisa usar a água das nascentes. Segundo Elielma, quem ocupa a área não pretende sair do local. “Vamos resistir”, diz..