Em uma semana marcada por manifestações e tumulto para a população de Belo Horizonte, o impasse na solução de ocupações de terra na Região Norte da cidade resultou ontem em um protesto tenso na Cidade Administrativa, sede do governo de Minas, além de transtornos para quem depende da MG-010 e até ameaças de agressão. A estrada que liga Belo Horizonte ao aeroporto de Confins foi fechada, durante duas horas pela manhã e uma hora no fim da tarde, por manifestantes das ocupações Vitória – que estão em área no Bairro Granja Werneck demarcada para receber o Minha Casa, Minha Vida, programa voltado para a população de baixa renda –, Esperança e Rosa Leão. Os manifestantes, que invadiram áreas na chamada região do Isidoro, inclusive inviabilizando o empreendimento capaz de abrigar 13,2 mil unidades de habitação popular e diminuir o déficit de 62,5 mil moradias na capital, alegam que estão mobilizados diante de movimentações para despejo de cerca de 8 mil famílias. Com a interdição da rodovia, que isolou a capital do terminal aéreo, milhares de pessoas perderam compromissos, muita gente passou mal e houve até uma tentativa de furar o bloqueio que por pouco não terminou com um motoqueiro atacado. Os reflexos do protesto se espalharam pela cidade e foram sentidos até o meio da noite de ontem.
Logo pela manhã cerca de 400 pessoas marcharam 15 quilômetros até a Cidade Administrativa e ocuparam a entrada do Edifício Tiradentes, local de trabalho do governador Alberto Pinto Coelho. Os manifestantes queriam uma audiência com o chefe do Executivo estadual e, para forçar o encontro, resolveram ocupar toda a MG-010, bloqueando o trânsito de veículos nas vias expressas e marginais. Inicialmente, os manifestantes fizeram barricadas com pneus, serragem e galhos secos, mas colocaram fogo apenas na marginal do sentido Confins. O fechamento ocorreu às 11h27. A liberação só veio duas horas depois, às 13h26, quando foi garantido um encontro com a secretária da Casa Civil, Maria Coeli Simões Pires, e com representantes da cúpula da Polícia Militar e da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana.
Em meio aos motoristas e passageiros presos no congestionamento que pela manhã se estendeu por seis quilômetros no sentido Confins, invadindo a Avenida Cristiano Machado, e por cinco quilômetros em direção à capital, muitas pessoas perderam compromissos. O gerente comercial Marcos Saner, de 48 anos, é paulista e deveria visitar um cliente antes de seguir para o aeroporto e voltar para casa. “Já perdi o compromisso de trabalho. Agora resta saber se vou conseguir pegar o avião”, afirma. A somelier Beatriz Ruiz, de 26, foi pega pelo engarrafamento no sentido contrário. Ela desembarcou em Confins e seguia para um evento quando foi surpreendida pela manifestação. O jeito foi caminhar em meio aos carros, levando a mala. “Vou tentar passar da área do protesto e arranjar algum táxi. O evento já está acontecendo e estão esperando pela minha presença”, afirmou.
ATAQUE Os manifestantes abriram caminho apenas para veículos de urgência e idosos que não estavam aguentando aguardar sob o sol escaldante. Um motociclista também teve a passagem franqueada após se sentir mal. Mas o momento mais tenso ocorreu quando o operador de câmara fria Anderson Pereira da Silva, de 34, viu uma brecha entre os manifestantes e acelerou a moto, ignorando a interdição. Ele foi jogado no chão e cercado rapidamente pelos moradores das ocupações, que só não o agrediram porque foram contidos pela Polícia Militar. “Saí do serviço no Bairro Floramar (Região Norte) e fui para casa voando, pois tenho um casal de gêmeos de 2 anos e meu menino estava passando mal. Eu precisava passar”, afirmou ele, muito nervoso.
O frei Gilvander Luís Moreira, assessor da Comissão Pastoral da Terra, diz que a determinação da Justiça pelo cadastramento das famílias que estão nas ocupações não foi cumprido e tudo indica que a reintegração de posse será autorizada em breve. “Os membros dessas famílias estão ficando doentes por conta da preocupação de perderem o que construíram. A juíza Luzia Divina não está honrando o compromisso firmado em reunião de garantir o cadastramento das famílias para serem atendidas”, disse. De acordo com a assessoria do Fórum Lafayette, em fevereiro a juíza determinou que o cadastro fosse realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte. A Companhia Urbanizadora de BH (Urbel) informou que a contagem foi concluída, identificando 2.507 famílias nas três ocupações, sendo 928 residindo efetivamente na área invadida. Os órgãos envolvidos na negociação não informaram as datas das próximas reuniões.
Por meio de nota, o governo do estado informou apenas que “se comprometeu a atuar junto ao Poder Judiciário e à PBH para marcar uma reunião entre todas as partes, de forma a manter aberto o canal de diálogo”. Terminada a reunião com representantes do movimento, no fim da tarde, os manifestantes promoveram mais uma hora de fechamento da MG-10, a partir das 17h20, o suficiente para travar todo o trânsito ao longo da Avenida Pedro I, sentido Pampulha, e da Avenida Cristiano Machado até o Bairro São Paulo. Com isso, motoristas que buscaram rotas alternativas, passando por trajetos dentro de outros bairros, enfrentaram grande congestionamento. Na Avenida dos Andradas, sentido Centro/bairro, o trânsito também ficou lento, no trajeto entre os bairros Santa Efigênia e São Geraldo. O protesto resultou em cerca de 10 quilômetros de engarrafamento entre a MG-10 e a Avenida Cristiano Machado.