Inevitáveis telas de diversos tipos e tamanhos invadiram de vez ambientes antes sagrados, como o almoço em família, a mesa dos restaurantes, a antessala de consultórios terapêuticos e até mesmo o pátio das escolas. Embora a maioria das instituições de ensino proíba ligar os aparelhos em sala de aula, na prática há alunos que driblam as regras, o que tem obrigado colégios a repensar a própria maneira de ensinar. O impacto de novas tecnologias sobre a educação é o tema da segunda reportagem de série do Estado de Minas sobre o uso crescente de tablets, smartphones com acesso à internet e videogames por parte de jovens. Ontem, o EM mostrou como o uso exagerado desses dispositivos desconecta muitas crianças e adolescentes do convívio social e familiar, em alguns casos com consequências ruins para a saúde.
“Era um trabalho valendo pontos para entregar na segunda-feira. Na sexta-feira, os colegas já começaram a enviar mensagens, desesperados. Para facilitar, gravei um áudio com a revisão da matéria e distribuí para todo mundo”, relata ele, que já virou a noite fazendo o dever de casa “comunitário”, na companhia dos colegas, interligados em rede pelo computador. Para adquirir conhecimento, Gabriel afirma que presta atenção nas aulas, faz todos os deveres de casa e estuda todos os dias – não apenas no período de provas. “Nossos alunos já nasceram cibernéticos. Não tem como eliminar os aparelhos, cabe à escola o papel de orientar sobre o uso. O áudio gravado pelo estudante é um exemplo do uso da internet para o bem”, afirma a psicóloga Luciana Castro, orientadora educacional da 8ª série do Santa Dorotéia, que reúne alunos de 12 e 13 anos, no auge da adolescência.
Limites Para tentar controlar o impacto da vida virtual na escola e na família e evitar exageros, Luciana Castro e outros professores conceberam o projeto “70 horas sem web”, que recebeu a adesão espontânea de cerca de 40% dos alunos. “Se não cuidamos, perdemos a convivência com nossos filhos que, mergulhados na web, se esquivam do contato real e das relações”, dizia a carta distribuída para as famílias, convocando a desligar os computadores em maio, na véspera do Dia das Mães. No texto, escrito pelo professor de filosofia Jean Sidcley Álvares Teixeira, os pais foram convidados a voltar a encantar os filhos com o mundo real.
Além de desafiar os estudantes a boicotar temporariamente os aparelhos, o colégio promoveu debates com os pais. Ofereceu também uma palestra com um perito criminal, que analisou com a turma as implicações de postar vídeos e fotos na internet. “As queixas são frequentes. Recebo mães descabeladas com os filhos de 12, 13 anos, que apresentam queda acentuada de rendimento. Os meninos viram a noite jogando e chegam sonolentos no dia seguinte. Dormem em sala de aula”, diz a coordenadora.
A farmacêutica Ana Maria Brant, mãe de Gabriel e de outros dois jovens de 15 e 17 anos, comemorou a iniciativa da escola. “Almoço todos os dias com meus filhos e exijo que os celulares estejam desligados na mesa. Na hora de dormir, por volta de 22h, dou o aviso de que vou desconectar a banda larga da internet. A negociação em relação aos joguinhos é cansativa e diária. Mas não podemos desistir, pelo bem deles”, afirma a mãe, zelosa.
Em outros colégios de Belo Horizonte, como o Santo Antônio e o Izabela Hendrix, palestras e debates sobre os efeitos das tecnologias são incorporados no cotidiano das disciplinas. Este ano, o cyberbullying está em discussão na 6ª série do Santo Antônio, que estuda a história do bullying, a figura do agressor e as formas de prevenção da chacota na internet. No Izabela Hendrix, o professor Filipe Freitas, doutorando de Comunicação Social na UFMG, deu palestra sobre os riscos da violência desencadeada pelos jogos. Ele defende que em vez de combater os games, os pais se sentem ao lado dos filhos no computador, ajudando a escolher games mais educativos. “Há jogos com propostas interessantes, como o Kerbal Space Program, de um designer brasileiro, que ensina a simular programas espaciais, exigindo noções de astronomia e física dos usuários. São jogos interativos, que permitem criar comunidades de amigos”, diz.
Dá para ficar 70 sem horas sem internet?
Veja como reagiram alguns alunos do Santa Dorotéia ao desafio de ficar longe da internet por quase três dias
Luta contra o “tédio”
Os irmãos Sofia e Álvaro, de 15 anos e 12 anos, completaram o desafio das 70 horas sem web, do Santa Dorotéia, com alguma facilidade. Por ser Dia das Mães, a família seguiu para a casa da avó no interior mineiro, onde não há conexão com a internet. “Lá só tem umas galinhas e é um tédio enorme”, descreve Álvaro, que costuma tirar gratuitamente dúvidas sobre informática dos vizinhos do prédio onde mora. Para a irmã dele, Sofia, a tarefa foi mais fácil. “Tenho muitas matérias para estudar e não tenho mais tanto tempo para ficar no computador. A partir do desafio, descobri que foi agradável conversar por um tempo maior com meu irmão”, diz.
Por uma foto do ídolo
Maria Júlia Castro, de 13 anos, apenas a mais nova, não conseguiu passar dois dias e meio sem acessar a internet. Ela capitulou no último minuto, pois não resistiu em acessar as fotos postadas pelas colegas que tinham ido ao show do One Direction em BH. A banda é formada pelos atuais ídolos das garotas. Apesar de considerar um suplício, o colega Gabriel Brant, de 12 anos, chegou até o fim no desafio. “Para me ajudar, apaguei todos os aplicativos do celular. Mesmo desligado, andava de um lado para o outro com o aparelho na mão”, conta o garoto. “Foi bom ficar sem internet. Aproveitei para relaxar e dormi bastante”, completa.