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Belo Horizonte ainda era considerada uma cidade calma, com seus 352 mil habitantes e ares de interior, mas já dava sinais de crescimento em todos os sentidos. E direções. Respirando os bons ventos da democracia, a capital tinha o seu primeiro prefeito eleito pelo povo, Otacílio Negrão de Lima – antes, os chefes do Executivo municipal eram escolhidos pelo governador ou interventor estadual –, e procurava se organizar administrativamente. Enquanto isso, as famílias sofriam com a falta de água nas torneiras e conviviam com o mau cheiro dos ribeirões poluídos que corriam a céu aberto pelas vias públicas. Foi nesse clima de transição entre tranquilidade e problemas urbanos críticos que BH sediou três jogos da Copa do Mundo de 1950, no Estádio Raimundo Sampaio, hoje Arena Independência: Iugoslávia 3 x 0 Suíça (25 de junho), Estados Unidos 1 x 0 Inglaterra (29 de junho) e Uruguai 8 x 0 Bolívia (2 de julho). Sessenta e quatro anos depois, a cidade que se prepara para seu segundo mundial mal se reconhece nas fotos amareladas: ganhou mais de 2 milhões de habitantes desde aquela época, teve muitos de seus problemas resolvidos, mas outros tantos surgiram.
Os desafios urbanos estão longe de ser um fenômeno recente. Em 1950, os efeitos do crescimento já eram sentidos. “Naquela época, BH assistia a um crescimento sem precedentes, determinado principalmente pelo êxodo rural que começou no fim da década de 1920”, afirma o historiador Yuri Mello Mesquita, diretor do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), vinculado à Fundação Municipal de Cultura. Ele explica que a população quase dobrou de 1950 para 1960, quando atingiu a marca de 693 mil habitantes. Em 1970, chegou a 1,2 milhão. “Em meados da década de 1950, os jornais já se referiam à capital como ‘a outrora pacata Belo Horizonte’”, conta Yuri, autor da dissertação de mestrado Jardim de asfalto: água, meio ambiente, canalização e as políticas públicas de saneamento básico em BH.
O crescimento abrupto pegou a cidade desprevenida e sem planejamento. Era preciso descentralizar os serviços, criar secretarias, departamentos, enfim, pôr a máquina administrativa para funcionar. A tarefa demandou tempo e ultrapassou o governo do primeiro prefeito, sendo também uma das preocupações do sucessor, Américo René Giannetti. “Havia questões estruturais a serem resolvidas desde a fundação da cidade, entre elas o saneamento. A falta de moradia era outro problema sério. A prefeitura, então, procurava dar um norte para a situação”, diz Yuri. Nos últimos 64 anos houve muitas obras em todos os campos. O historiador cita como fundamental a construção, em 1973, do Sistema Rio das Velhas, em Nova Lima, na Grande BH, que começou a pôr o abastecimento de água da cidade nos eixos.
A cidade que pulsava era famosa pelo seu clima ameno, bom para se viver. Sem televisão e acompanhando as notícias do Brasil e do mundo pelo rádio, o belo-horizontino era louco por futebol e filmes na tela de cinema. Só para se ter uma ideia, havia 21 cines entre a área central e os bairros. “A capital era muito diferente de hoje, tenho saudade daquela atmosfera de inocência”, recorda-se Haroldo Falabella, que completará 90 anos em 16 de julho e está casado há 67 anos com dona Neide, de 85. Segurando uma bola verde e amarela e à espera de ver a Seleção canarinho mostrar seu valor, Haroldo, que jogou como atacante no América, conta que foi com os amigos ao recém-inaugurado Estádio Raimundo Sampaio (Independência), em 1950, assistir aos três jogos. Depois ainda seguiu para o Rio de Janeiro para a fatídica final Brasil 1 x 2 Uruguai, na data em que, coincidentemente, completava 26 anos.
“Na época, não houve clima de muita euforia por aqui durante o Mundial. Os torcedores gostavam mesmo era dos times locais”, conta Haroldo, que trabalhou como publicitário e foi documentarista de 1955 até os anos 1970. O melhor mesmo, segundo ele, era reunir os amigos e seguir para o estádio, a que ele chama de “campo do Sete de Setembro”. “Quase todo mundo se conhecia, Belo Horizonte parecia uma grande família. A Praça da Liberdade era o ponto de footing, a gente caminhava, os namoros aconteciam e os amigos batiam papo. Nas manhãs de domingo, era a hora de ir ao Minas Tênis Clube, à noite, à hora-dançante, tudo sempre com muito respeito”, lembra-se, com um brilho especial nos olhos. Voltando ao futebol, apesar de ansioso para ver a atuação da Seleção nos gramados, Falabella acha difícil que o Brasil volte a ter um time com grandes jogadores do quilate de “Pelé, Garrincha e Jairzinho e outros”.