Dois meses antes da Copa do Mundo de 1950, a primeira linha de bondes fechados começou a correr nos trilhos de Belo Horizonte – coincidência ou não, situação semelhante ocorreu recentemente, com a implantação do BRT/Move nos corredores das avenidas Cristiano Machado e Antônio Carlos. Até 1950, os bondes eram veículos abertos, com dezenas de passageiros de pé nos estribos, sem segurança. “Quando os caminhões e ônibus também ganharam as ruas em maior intensidade, era muito comum os passageiros serem atropelados, já que os veículos passavam rente aos bondes e derrubavam as pessoas” relata o historiador Yuri Mello Mesquita, diretor do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), lembrando que a mobilidade urbana era assunto frequente já naqueles tempos distantes.
“O bonde era o maior transporte de massa e, nos anos 1950, se mostrava insuficiente para atender à demanda. Havia também muitos buracos nas ruas, as obras começavam e não terminavam. Belo Horizonte passou a ser conhecida como ‘cidade dos buracos’”, diz o historiador. O trânsito de veículos, algo totalmente novo para autoridades e população, trouxe tanta confusão que a prefeitura fez consulta, pedindo sugestões dos moradores, para lidar com o desafio.
Quem se lembra daqueles tempos é o taxista Dario Bossi, de 84 anos, na ativa “desde 5 de janeiro de 1949”, como ele mesmo explica. Ele também afirma que a Copa do Mundo não despertou na época tanto interesse como ocorre atualmente, pois não havia emissoras de televisão para transmitir os jogos. “A cidade era bem parecida com as do interior, poucas ruas tinham calçamento. O bom era que havia muita sombra”, conta o taxista, que trabalhava, conforme o vocabulário da época, de chauffeur de carro de praça. Para Dario, um fato difícil de esquecer em todos esses anos foi o corte dos fícus na Avenida Afonso Pena, que começou na madrugada de 20 de novembro de 1963. Mais tarde, nos canteiros de uma das principais vias públicas de BH, foram plantas espécies do cerrado. Coincidentemente, 64 anos depois a cidade corre o risco de perder mais exemplares das gigantescas árvores, atacadas pela mosca-branca em locais como as avenidas Bernardo Monteiro e Barbacena.
As fotos da época evidenciam as diferenças dos dois tempos de BH. Do alto do Edifício Acaiaca, entre as ruas Espírito Santo e Tamoios, era possível ver os fícus da Avenida Afonso Pena, que também circundavam o Pirulito da Praça Sete. Mais abaixo, na Avenida Santos Dumont, começava, em 7 de julho de 1950, a retirada dos canteiros para alargamento, conforme reportagem do Diário da Tarde. Obra que, mais uma vez, evidencia semelhanças com a implantação do BRT/Move no mesmo importante corredor do hipercentro de BH. Já na Rua Professor Moraes começavam há seis décadas as obras de canalização do Córrego Acaba Mundo.
Estação abandonada Pesquisar jornais do início da década de 1950 é dar de cara não só com obras que mudariam a cidade, mas também com projetos que nunca saíram do papel. É o caso da estação ferroviária planejada para a Avenida Antônio Carlos, na Pampulha, em frente à Cidade Universitária, nome primitivo do câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais.
O extinto Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF), do Ministério dos Transportes, chegou a abrir concurso público para escolher o melhor projeto e o selecionado foi o trabalho assinado por Jacob Maurício Rutchi, Plínio Croce e Salvador Candia. A expectativa, conforme reportagem do Estado e Minas publicada em 2 de julho de 1950, era de que as obras começassem em seis meses. Não começaram. Orçada em 40 milhões de cruzeiros, a construção do “majestoso e moderno edifício” representava “o futuro de Belo Horizonte, com características de elegante gare , numerosas plataformas, nos moldes dos melhores centros ferroviários dos Estados Unidos e Europa”.
Cines cheios e ladrão de lingerie
A Belo Horizonte que chega a 2014 debatendo a disponibilidade de sistemas de telefonia celular em pontos-chave para a Copa tinha, em 1950, cinemas que viviam cheios. Há 64 anos, durante os jogos do Mundial, era possível assistir a Romeu e Julieta, produção estrelada por Leslie Howard e Norma Shearer, em cartaz no Cine Acaiaca. No Guarani, Sonata de amor, com Katharine Hepburn, Paul Henreid e Robert Walker embalava os corações, enquanto no Tupi, Escravas do amor , película francesa com Simone Signoret, convidava a plateia para “um filme violento, sem hipocrisias nem concessões”. Se o programa fosse ouvir uma cantora na boate Financial, a dica era conhecer a “Vênus de Cuba”, Rayito de Sol, ou ver e ouvir Lolita Rodrigues.
Como era tempo de frio, as lojas anunciavam as coleções de inverno. A Galeria Futurista, com matriz e filial na Avenida Afonso Pena, apresentava combinações de lingerie com chiffon e bordados, peça que se usava sob o vestido, hoje completamente demodê. A venda de roupas íntimas, no entanto, deixou a mulherada em polvorosa. É que um criminoso especialista em furtar essas peças em São Paulo tinha fugido para Belo Horizonte. Para sorte das moças, tão logo “o bandido transviado”, como foi chamado pela imprensa, chegou à capital, tinha à sua espera uma rádio-patrulha – como era chamada na época a viatura policial. Foi preso no ato.