A Savassi viveu ontem um dos dias mais movimentados de sua história, com a presença de milhares de torcedores e de um grupo de manifestantes. Principal ponto de concentração de brasileiros e estrangeiros desde o início do Mundial, a Praça Diogo de Vasconcelos voltou a reunir grande diversidade de estrangeiros entre os brasileiros, principalmente para acompanhar pela TV o segundo jogo do Brasil. O clima de alegria se misturou à tensão diante do protesto de cerca de 200 manifestantes contrários ao Mundial. Mesmo pacífica, a manifestação acabou dividindo literalmente a praça, devido ao cordão de isolamento formado por quase 300 policiais.
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No início da tarde, a PM cercou os manifestantes de diversos movimentos sociais e partidos de esquerda nas duas pistas da Avenida Getúlio Vargas, entre a Avenida Cristóvão Colombo e a Rua Tomé de Souza. O grupo fez performances teatrais e malabarismo. Do lado de fora do cerco policial, milhares de pessoas aproveitaram a festa. Enquanto os manifestantes vibravam com os ataques do México e vaiavam o Hino Nacional, os torcedores festejavam as investidas da Seleção Brasileira.
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A PM mobilizou 13 mil militares para toda a cidade, mas não revelou o efetivo na Savassi, pois considera a informação estratégica, segundo o tenente-coronel Alberto Luiz, porta-voz da corporação.
A concentração dos manifestantes começou no fim da manhã e, depois de poucos minutos, os policiais, protegidos por escudos, começaram a montar o cerco. Quando a manifestação deixou a Praça Diogo de Vasconcelos e fechou a Getúlio Vargas, a polícia impediu que ela avançasse para a Cristóvão Colombo e delimitou o espaço.
A tática usada pela polícia é chamada de kettling (expressão inglesa que significa enchaleiramento) e foi usada pela primeira vez em Hamburgo (Alemanha), em 1986, quando surgiram os blacks blocs naquele país. A mesma estratégia foi usada pela PM no sábado, quando manifestantes foram cercados na Praça Sete.
Ontem, com a tática da PM, restou apenas uma saída e entrada para o protesto, pela Getúlio Vargas, onde policiais revistaram todos que chegavam com mochila ou que considerassem suspeitos. A revista também valia para quem ia para a festa.
Apesar da animação, torcedores se sentiram incomodados com a presença da PM, embora fosse necessária, reconheceram. "A gente fica um pouco incomodado, mas é o certo para evitar problemas", disse Gabriela Silva, de 29 anos, que foi assistir ao jogo. A corretora de imóveis Ana Eliza Guimarães, de 51, acompanhada da amiga Nilda Alves, de 60, que levou sua cadela Pérola, da raça poodle, vestida de verde e amarelo, também pensa assim: %u201CA PM nos deixa mais tranquila. Uma pena, pois a festa é maravilhosa, de confraternização, e não deveria ter essa tensão toda. Não precisaria disso tudo se não fossem as manifestações%u201D, disse.
Cerco
Policiais se revezaram no cordão de isolamento. No centro da contenção, ninguém podia se mover em bloco. Entre os grupos e partidos presentes ao protesto, estavam PSTU, PSOL e Tarifa Zero. Sem poder se deslocar, os manifestantes fizeram várias atividades lúdicas. Tocaram tambores, jogaram capoeira, encenaram performances teatrais. Às 15h30, quando começou a música nos palcos dos quarteirões fechados, iniciando a festa, homens e mulheres deram as mãos, se aproximaram do cerco policial e tiraram as blusas. As mulheres ficaram somente de sutiã e alguns homens chegaram a ficar apenas de cueca.
Ao fim da performance, fizeram um discurso, com xingamentos à PM. Quandoo uma jovem falava uma frase, todos repetiam. Ao final, concluíram, direcionando mais xingamentos aos policiais. O cordão de PMs não reagiu. Enquanto os manifestantes faziam a performance, uma moça loira, vestida com a camisa da Seleção Brasileira, passou atrás da barreira de policiais e gritou: "Vão trabalhar!"
Após o primeiro tempo da partida, às 17h, os manifestantes se sentaram na praça para uma assembleia. Pouco depois das 18h, a manifestação se transformou em uma ciranda. As pessoas, todas de mãos dadas, começaram a dar gritos de guerra contra a polícia e a se movimentar dentro da área de bloqueio. Porém, o grupo usou o espaço liberado para passagem da torcida e, ainda em formato de ciranda, todos deixaram a área cercada.
Os manifestantes pararam na Cristóvão Colombo, entre a praça e a Rua Alagoas, mas acabaram cercados novamente depois que a tropa mudou de posição. Dessa vez, a PM fez um bloqueio por todos os lados, sem deixar nenhuma passagem. O grupo quis seguir para a Praça da Liberdade, mas não entrou em acordo.
"Combinamos que iríamos acompanhá-los até lá, mas não houve diálogo e eles decidiram continuar sob nossa escolta", informou o tenente-coronel Alberto Luiz. Segundo ele, não houve prisões nem vandalismo na Savassi ontem.
Demandas
A reportagem do EM tentou entrevistar os representantes do movimento Tarifa Zero, a principal organização no protesto, mas eles se negaram a conceder entrevista. A Assembleia Popular Horizontal (APH) divulgou panfleto com os motivos do protesto. Entre eles, estão despejos e remoções que teriam sido provocadas pela especulação imobiliária, gastos públicos com a Copa e o turismo sexual gerado pelo Mundial. (Colaboraram Marcelo da Fonseca, Paulo Henrique Lobato, Pedro Ferreira e Pedro Rocha Franco).