Esgotados no site da Fifa e cada vez mais disputados pelos torcedores brasileiros, argentinos e de outras nacionalidades, os ingressos para os jogos da Copa no Mineirão são comercializados no câmbio negro por até 13 vezes mais (de R$ 60 para R$ 800) do que o valor original, sem qualquer constrangimento dos cambistas, que agem inclusive perto dos postos de troca da entidade, apesar de a prática ser crime. Na entrada de um desses locais de retirada de tíquetes, no Boulevard Shopping, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste, a reportagem do Estado de Minas conseguiu negociar ontem quatro entradas para o jogo Inglaterra x Costa Rica, terça-feira, no Mineirão, por R$ 700 cada, sendo que o preço normal é R$ 350. Por telefone, cambistas conhecidos se gabam de ter ingressos para qualquer partida em BH, com entrega em domicílio.
Andando de um lado para outro no estacionamento do centro de compras, sempre ao celular ou cumprimentando seguranças e pessoas que encontrava pelo caminho, estava uma das figuras símbolo do cambismo em BH. O homem, que se apresenta como Negro Gato, não foi visto com ingressos na mão, mas entrava na área de troca, dava voltas, sumia e aparecia de novo. Com um de seus números de telefone em mãos, foi fácil negociar ingresso de qualquer fase de Copa em BH. “Tenho tudo que você quiser, mas anda logo, porque estou vendendo para argentino demais e é tudo em dólar. Um ingresso para o jogo contra o Irã sai por R$ 1,2 mil”, disse o cambista ao telefone, depois de cobrar três vezes o preço regular da entrada que tinha.
Para o jogo seguinte, Inglaterra x Costa Rica, os preços variavam de R$ 800 a R$ 1,5 mil, chegando a ser 13 vezes mais caro do que na bilheteria, onde a entrada mais barata custa R$ 60 e a mais cara R$ 350. “Veja com os seus colegas de firma quantos vão querer e de que fase, que mando entregar na casa de vocês, na empresa, onde quiserem, e ainda pode pagar no cartão de crédito”, disse.
Não importa se é das mãos de cambistas, o que eles queriam eram os ingressos para ver Messi e cia. entrarem em campo hoje, no Mineirão. Os amigos Lissandro di Paolo, de 35 anos, médico-veterinário, e Maurício Perez, de 35, professor de educação física, estavam ontem à procura de ingressos no entorno do estádio. “Ouvimos dizer que estão cobrando até mil dólares, mas não vamos pagar tão caro assim. Pagamos, no máximo, até R$ 300”, disse Lissandro. Mesmo com o dinheiro na mão, o rapaz afirmou que até o fim da manhã de ontem não havia encontrado nenhum cambista perto do estádio e até então ficou sem a sonhada entrada.
Na Savassi não é diferente. O argentino José Tifali estava na Praça Diogo de Vasconcelos à procura de ingressos para o jogo Argentina x Nigéria, em Porto Alegre, na quarta-feira. Segurando uma placa com os dizeres “Compro ticket para Arg-Nigéria”, ele caminhava em busca de alguém vendendo. “Vim sem nenhum ingresso para o Brasil. Para o jogo de hoje, contra o Irã, consegui comprar no Rio de Janeiro por R$ 200. Agora estou aqui procurando para o próximo”, contou. Ele diz que quer ir a todos os jogos da seleção do seu país, comprando por meio das placas.
PROTESTO A INTERNET
Pela internet, redes sociais que organizam trocas e venda de ingressos para pessoas desistentes se tornaram terreno fértil para cambistas de todas as região do Brasil, que oferecem ingressos para jogos em BH por preços muito acima dos cobrados pela Fifa, o que levou muitos internautas a reagir ao abuso. “Tenho um ingresso para Argentina x Irã por R$ 950”, anunciou um vendedor. “Pago no máximo R$ 350. Por esse preço, vai ficar esperando para vender até a próxima Copa do Mundo, na Rússia”, protestou um internauta. Mas a escassez de ingressos é tanta, que quem vende não se incomoda em se passar por cambista e fazer leilões. “Já tenho (oferta de) R$ 850. E o meu tá mais barato do que por aí. Mas boa sorte para você… Talvez você ache no site kkkkkk (sic)”.
O problema de cambismo não assola apenas Minas Gerais, ainda que por aqui a Polícia Militar tenha prendido pelo menos seis pessoas por esse motivo, sendo um brasileiro que trabalha com agências de viagens, dois colombianos e três franceses. No Brasil, foram 104 prisões em 10 estados, e a Fifa confirmou que parte dos ingressos era proveniente de federações internacionais e de patrocinadores, sem especificar quais. Segundo a PM, as câmeras do entorno do Mineirão têm sido úteis para reprimir a venda de ingressos pelo câmbio negro, mas dentro do shopping é uma questão privada.
Mas, de acordo com a assessoria de imprensa da Fifa, o mais importante é a conscientização: “Nossa tarefa principal é educar os torcedores em todo o mundo e conscientizá-los dos riscos e perigos da compra de ingressos não autorizados. A Fifa pede para que o público não compre ingressos de vendedores operantes no mercado paralelo”.
O que diz a lei
No Brasil, o artigo 41 do Estatuto do Torcedor classifica como crime punível com um a dois anos de prisão “vender ou fornecer um ingresso por preço superior ao indicado no bilhete”. No que diz respeito ao estatuto da Copa do Mundo Fifa 2014, os artigos 16 e 32 fazem da venda paralela de ingressos uma ofensa civil e criminal no Brasil, que pode ser alvo de processo cível. A prática também constitui crime contra a economia popular, punível com um a dois anos de prisão e multa.