A surpreendente ocupação da Savassi por torcedores brasileiros e estrangeiros na Copa do Mundo, 35 mil pessoas em dias de jogo do Brasil, desafia autoridades, preocupa moradores do entorno da Praça Diogo de Vasconcelos e abre a discussão sobre o futuro da região. Temendo futuras ocupações maciças, quem mora na Savassi cobra medidas eficazes da prefeitura, que já estuda, segundo um diretor da PBH, restrições a megaeventos. Em debate está o contraste entre uma Savassi cosmopolita e uma Savassi sossegada.
O professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Carsalade divide a região em duas. Primeiro, está o cotidiano com bares, restaurantes e lojas. “Para isso, é preciso segurança permanente, banheiros fixos e estacionamento subterrâneo”, avalia. Depois estão os megaeventos. “Essa situação é mais complicada e surpreendeu na primeira fase do Mundial. Assim, é preciso um acompanhamento da prefeitura para avaliar os impactos.”
Para o arquiteto, a presença de tanta gente na Savassi foi saudável e merece análise. “Os belo-horizontinos saíram dos shoppings e foram se divertir nas ruas. Agora está na hora de fazer um bom planejamento, e uma ideia é a criação de pontos-âncora para receber visitantes”, sugere o arquiteto, citando o Cine Pathê, na Avenida Cristóvão Colombo, como referência. Primeiro cinema de arte da cidade e inaugurado na década de 1920, o imóvel está vazio, aguardando revitalização.
Já a presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB)/Seção Minas Gerais, Rose Guedes, considera fundamental a instalação de equipamentos em dias normais e de megaeventos, principalmente banheiros permanentes. “Na Europa é assim, você paga na entrada e usa o sanitário. Basta pôr uma moedinha na cabine”, afirma. “Temos um momento de enriquecimento cultural. Os moradores redescobriram a cidade, passaram a conhecê-la melhor e viram que tem muito a oferecer em turismo, arte e, principalmente, verde.
ESTRUTURA Responsável pelo projeto de requalificação da Savassi, feito em 2008 e executado em 2010/2011, a arquiteta e urbanista Edwiges Leal diz que, se ele tivesse sido implantado por completo, muitos problemas da Savassi na Copa seriam evitados. “Estavam previstas quatro baterias de banheiros públicos fixos, com material de qualidade, granito e torneiras robustas. Seriam 200 vasos sanitários, cobrando-se em torno de R$ 0,50 a entrada”, informa a arquiteta, citando também o estacionamento subterrâneo previsto no projeto e não executado.
Edwiges explica que a intervenção não contemplou as ruas Alagoas, Paraíba, Fernandes Tourinho e Tomé de Souza e as avenidas Getúlio Vargas e Cristóvão Colombo. Do ponto de vista de infraestrutura (drenagem, iluminação, esgoto, rede pluvial etc.) foram feitos 60% dos serviços, enquanto na superfície (bancos, lixeiras e outros), 40%. “A Savassi é nossa Vila Madalena”, bairro boêmio da capital paulista que recebeu grande concentração de torcedores e terá banheiros químicos fixos, alterações no trânsito e maior fiscalização de ambulantes, compara a arquiteta. “Nunca pensei que fosse tanta gente à Savassi. O local não comporta um público de 20 mil pessoas”, considera.
Para o presidente da Belotur, Mauro Werkema, a Savassi se consolidou como um ponto de lazer e cultura, que deve ser compatibilizado com o comércio: “BH terá de definir os espaços para os vários tipos de eventos”.
Depois da Copa, os pontos positivos que precisam ser aprimorados serão avaliados pela prefeitura, que não quis se pronunciar sobre as informações de Edwiges Leal.
MORADORES ENTRE A FESTA E O SONO
Dilemas como entrar e sair da garagem do prédio, passar por uma multidão na porta de casa ou revirar na cama sem dormir com o barulho do som levam muita gente a torcer o nariz para as festas na Savassi durante a Copa. São moradores assim que engrossam o coro na defesa da suspensão de eventos de grande porte na região. Mas existe quem não se incomode com a farra.
Com opiniões divididas, eles têm apenas um ponto em comum: “Da forma como está, a Savassi não está pronta para esse tipo de festa”, avalia a arquiteta Fernanda Mesquita, de 37 anos. Moradora de um prédio de 80 apartamentos no cruzamento das avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas, e com dificuldade para entrar e sair da garagem, ela acredita que a Savassi tem de ter mais estrutura para eventos: “Precisa de banheiros permanentes, porque as pessoas fazem xixi em nossas portas”.
Já o vizinho dela, o aposentado Florentino Pereira, de 79, conta os dias para o fim da Copa: “Não consigo dormir, mesmo de madrugada”. Do lado oposto, a aposentada Maria Antonieta Machado, de 93, que observa a festa do alto do 11º andar do prédio onde mora, a festa é boa: “Acho muito natural. Prefiro que tenha porque traz movimento. Se preciso sair de casa, vou pedindo licença às pessoas e passo. Não vejo problema”.
Residente há 13 anos na Savassi, a fisioterapeuta Inez de Castro diz que a cidade vive um dilema: “É a chance para discutir se queremos uma cidade internacional ou que mantenha o jeito provinciano, no bom sentido, claro”. Ela diz que o charme da região e de BH está no clima mais intimista. “Ainda temos o bar de bairro e quase todo mundo se conhece, muito diferente de São Paulo, onde impera a impessoalidade. Uma amiga alemã ficou impressionada ao ver a dinâmica de BH”, diz Inez, que só ficou incomodada com o banheiro a céu aberto na Savassi.
Dona de loja na Rua Pernambuco, a empresária Alessandra Cemionato, de 30, está feliz com a retomada do charme da Savassi, que veio com a Copa: “As pessoas voltaram a passear por aqui. Recebemos muitos turistas e as vendas se mantiveram”. Ela defende, entretanto, a criação de uma comissão para planejar eventos. A ideia tem apoio do presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Savassi, Alessandro Runcini. “Uma entidade com representantes do poder público, moradores, comércio e de outras entidades definiria regras para realização de eventos, bem como o perfil das festas”, afirma. Para ele, a Savassi precisa de estruturas fixas de banheiros, ainda que seja cobrada taxa simbólica para uso, e planos de mobilidade.