No ano em que o país lembra o bicentenário de morte de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), uma exposição sobre obras atribuídas ao “patrono das artes” é cancelada. Depois de vista em Brasília (DF), a mostra de caráter itinerante Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho seria levada a Fortaleza (CE) e Salvador (BA), mas a Caixa Cultural, vinculada à Caixa Econômica Federal, patrocinadora do evento, decidiu cancelar a programação. A medida foi tomada quarta-feira, em reunião com a presença de diretores do banco estatal e presidentes dos institutos do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Brasileiro de Museus (Ibram).
O presidente do Ibram, Angelo Oswaldo de Araújo Santos, explicou nessa quinta-feira que a decisão decorre da repercussão negativa causada pela mostra, com 140 peças, criticada, principalmente, pela atribuição equivocada de muitas esculturas ao mestre Aleijadinho. “Houve muita polêmica e a Caixa resolveu, a partir de agora, consultar sempre os órgãos do patrimônio antes de tais iniciativas”, afirmou. Entre os objetos sacros exibidos, estava o Cristo Bailarino, localizado em Itu em 2012 e creditado a Aleijadinho.
O cancelamento, acrescentou Angelo Oswalldo, vai servir de alerta para que outras entidades desistam de empreitadas sem respaldo técnico, em especial este ano, com muitas atividades programadas em reverência ao arquiteto, entalhador e escultor mineiro. Além da presidente do Iphan, arquiteta Jurema Machado, e de Angelo Oswaldo, participaram da reunião o diretor-executivo de Marketing e Comunicação, Clauir Luiz dos Santos; o superintendente nacional de Promoção e Eventos, Gerson Bordignon; e o gerente executivo de Promoção e Eventos, Marcos Kimura, todos da Caixa Cultural.
A suspensão da mostra itinerante, aberta ao público em Brasília de 19 de março a 11 de maio, acelerou a assinatura conjunta de portaria federal, entre Iphan e Ibram. O objetivo é criar uma comissão nacional para elaboração de um catálogo das obras atribuídas a Aleijadinho e tirar de cena as falsificações. Com a presença de especialistas do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG), Iphan e outros, o grupo se encarregará do levantamento sobre acervo creditado a Antonio Francisco Lisboa. “Será um grande estudo estético e científico, que vai fomentar pesquisas”, disse Angelo Oswaldo.
Exagero
Desde a criação do Iphan, em 1937, estão em compasso de espera estudos detalhados sobre a obra do mestre do barroco natural de Ouro Preto. “A comissão vai avaliar a situação, pois há um exagero, no país de obras atribuídas a Aleijadinho”, contou Angelo Oswaldo. Em 2 de maio, o Estado de Minas publicou ampla reportagem sobre o assunto, a partir de denúncias do artista plástico Elias Layon, com 50 anos de experiência e dono de ateliê na Praça de São Pedro dos Clérigos, no Centro Histórico de Mariana, na Região Central do estado. Indignado, ele criticou a inclusão de peças de sua autoria em catálogos específicos sobre a arte de Aleijadinho.
Para o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, autor do recém-lançado livro Aleijadinho revelado, a atitude da direção da Caixa Cultural é de bom senso. “Temos percebido uma série de engodos em obras supostamente atribuídas a Antonio Francisco Lisboa e expostas em lugar de visibilidade”, afirmou. Logo depois de visitar a exposição em Brasília, com 47 das 140 peças de vários tamanhos atribuídas a Aleijadinho, Angelo Oswaldo enviou e-mail a Marcos Paulo destacando que “a apresentação pública de obras falsas do patrono da arte do Brasil é um atentado ao patrimônio histórico e artístico de Minas Gerais, do país e da humanidade”.
As obras da mostra são de coleções particulares e foram reunidas pelo curador Marcelo Coimbra, da Coimbra Galvão Antiguidades e Promoções de Eventos Cultural Ltda., falecido recentemente, “para demostrar a proximidade entre o sagrado e o humano e o sincretismo religioso no barroco brasileiro”. Na época da abertura, o material de divulgação do banco estatal informava que “algumas das peças serão apresentadas ao público pela primeira vez em Brasília, como o Cristo Bailarino, atribuído a Aleijadinho em 2012, e a Nossa Senhora das Dores, atribuída ao mesmo autor em 1995.
Memória
Dúvidas que vieram de Itu
O município paulista de Itu se tornou um “celeiro” de peças atribuídas a Antonio Francisco Lisboa – e o colecionador Marcelo Coimbra teria tido a ideia de construir um museu em reverência à memória do mestre do barroco. Em 15 de abril, foi achada num antiquário da cidade a imagem de São Benedito das Flores, santo negro esculpido em madeira (foto), com 26,5 centímetros de altura e, possivelmente, feito entre 1761 e 1780. Em entrevista ao EM, Coimbra contou “que, no momento, estava focado na exposição itinerante Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho, com patrocínio da Caixa e do governo federal”. Sobre a mostra, se defendeu: “Genuinamente, só se pode afirmar sem margem de erro se o próprio autor confirmasse a autoria, com minúcias. Quanto às atribuições e critérios, os mesmos estão detalhadamente registrados no catálogo oficial da exposição realizada na Caixa Cultural, em Brasília”.