Chegar aos 96 anos fazendo quase tudo, quase mesmo, exatamente como fazia na adolescência, é mais que privilégio. São raras as pessoas que chegam a essa idade com lucidez e ainda mais com a consciência de que a vida é melhor se houver continuidade. Idalina da Silva Oliveira é uma dessas raridades. Com 15 filhos (nove vivos), 26 netos, 60 bisnetos e quatro tataranetos, ela é, também por ter superado uma trajetória de enfrentamentos, uma personagem ideal para representar os avós no seu dia, hoje, 26 de julho, data dedicada a Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus Cristo. Idalina, literalmente, pinta e borda. E o exemplo que dá à enorme família é o de que não faz sentido parar e esperar o tempo passar se o corpo e a mente ainda pedem ação e movimento.
Para mostrar que não está de brincadeira nesta vida, Idalina recebe o Estado de Minas na varanda da casa simples, no Bairro São João Batista, na Região de Venda Nova, de tinta e pincel nas mãos pintando mais uma toalha de mesa. Desenha flores vermelhas sobre o tecido branco. Singelo, o trabalho.
“Vocês precisam ver o que ela come”, diz, em tom de desafio, Maria da Penha de Oliveira Araújo, de 67, que acolhe a mãe em sua casa. E aponta o fogão a lenha no quintal. Maçã de peito gorda, pé de porco, costela, mocotó, torresmo, sempre com angu. Angu todos os dias. E a saúde sempre acompanhou Idalina. “A única doença que tive foi resguardo”, diz, sorrindo. Parece tratar-se de uma pessoa criada com todos os cuidados, desde a infância, daí a longevidade, sem nenhum mal a incomodar, a não ser uma pontinha de diabetes diagnosticada há pouco. Mas não foi assim.
Filha de lavradores, de Itaipava (ES), Idalina mal completou 11 anos e foi convocada pelo pai para trabalhar na fazenda que ele administrava.
“Ele passava, eu cantarolava para ele. O Moacir era lindo.” Naqueles tempos, namoro era a distância.
Entre um roçado e outro, nascia um filho ou uma filha. E Idalina nem sabia que existia hospital, se é que havia algum no caminho dela. Muito menos maternidade. “Às vezes, não dava tempo nem de a parteira chegar. Era correr direto do cafezal para casa.” E na sequência do parto, o que Idalina mais gostava, o resguardo, que exigia comida forte. “Quando nascia menino, eram 40 galinhas para comer durante o resguardo. Se menina, 30 galinhas. Menino exige resguardo mais forte. Mas, logo, logo, eu enjoava de sopa de galinha e pedia torresmo, carne de boi, mandioca e batata doce cozidas.”
Idalina teve 18 filhos. ”Quatro nasceram fora de época (prematuros) e não sobreviveram. E naquele tempo o cartório não registrava menino que nascia fora de época e morria. A gente, então, fazia o batizado em casa pelo menos para não enterrar uma criança pagã.” Os filhos foram crescendo e, gradativamente, mudando para Belo Horizonte. Idalina e o marido, Moacir, vieram atrás, com os mais novos. Ela não parou de trabalhar. Arranjou emprego como doméstica. Em 1972 ficou viúva e hoje vive com a filha, Maria da Penha.
Quase cinco décadas de casamento. “Fui feliz, sou feliz. Não tenho queixa de nada. Não tenho queixa de filhos, de netos, bisnetos.” A família comprou um terreno perto de Sete Lagoas e Idalina já se apresentou para o trabalho. “Eu vou plantar as ramas de mandioca e de batata. Os canteiros, eu vou fazer.” E quando Idalina sai de manhã e anda sozinha rumo à pracinha do bairro para se exercitar nos aparelhos instalados pela prefeitura ou em direção ao posto de saúde para os exercícios da aeróbica, o neto Túlio Francisco, de 47 anos, a acompanha com os olhos, orgulhoso. “Minha avó é um barato!” .