Jornal Estado de Minas

Moradores levados para hotel tentam se adaptar à nova rotina

Famílias transferidas de prédios vizinhos a elevado na Pedro I se dividem entre o alívio por estar seguros e a angústia de ficar longe de casa

Tiago de Holanda
"Desde a queda da alça sul, não tinha sossego. Não dormia direito. Estava ansiosa para sair" Armina da Silva, de 55 anos, Levou para o hotel cachorro de pelúcia e fotos para lembrar da família - Foto: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS

Arminda Policarpo da Silva, de 55 anos, gostaria de um armário maior, com mais espaço para suas roupas. “Tinha que ter um sofazinho mais confortável”, diz, apontando para uma solitária cadeira. Aos poucos, tenta se acostumar ao quarto onde viverá pelas próximas semanas. Ela está aliviada e ao mesmo tempo apreensiva, assim como os demais moradores transferidos para um hotel no domingo, quando a Defesa Civil começou a transferir as famílias que moram nos condomínios Antares e Savana, vizinhos ao Viaduto Batalha dos Guararapes, por causa do risco de queda da alça norte do elevado – a alça sul desabou no dia 3, matando duas pessoas e ferindo 23.


Transferidas por tempo indeterminado para um hotel no Bairro São Cristóvão Região Noroeste de BH, 21 famílias temem que seus apartamentos sejam danificados durante a demolição da alça norte do viaduto, na Avenida Pedro I, Região de Venda Nova. O procedimento, ainda sem data para ocorrer, foi determinado pela prefeitura após laudo não oficial encomendado pela Cowan, construtora responsável pela obra, apontar que a estrutura pode desmoronar a qualquer momento. Incerteza e angústia se misturam ao alívio de eles estarem em local seguro. “Desde a queda da alça sul, não tinha sossego. Não dormia direito, com medo.

A situação ficou exaustiva. Eu estava ansiosa para sair”, conta Arminda.

Na noite de domingo, a primeira no lar provisório, Arminda, que mora sozinha em um apartamento no bloco 8 do Antares, voltou a dormir bem. Roupas, sapatos, produtos de higiene pessoal e até um cachorrinho de pelúcia foram postos sobre um balcão de madeira e dentro de um pequeno armário. Ela foi avisada da transferência na tarde de sábado e teve apenas algumas horas para decidir o que pôr nas malas. “Não tinha nada pronto, não sabia quando teríamos que sair”, diz. Apesar da pressa, lembrou-se de pegar uma caixa com fotos de família. “Elas têm valor afetivo. Não queria correr o risco de perdê-las”, explica ela, que tem três filhos já adultos.

A estadia no hotel inclui café da manhã, almoço e jantar. A janela do quarto com cama de casal onde se acomodou Arminda, no décimo andar, se abre sobre a movimentada Avenida Antônio Carlos. No frigobar, que tinha apenas água sem gás, ela guardou alguns medicamentos. Segundo ela, que trabalhava como técnica de enfermagem até pedir demissão há quatro meses, a Defesa Civil informou que os moradores ficarão no hotel por ao menos um mês. “Fazia anos que eu não ficava tanto tempo fora de casa”, lembra. Ela dispensou o serviço de lavanderia oferecido pela Cowan, que está arcando com os custos de hospedagem.
“Tenho receio de minhas roupas se perderem”, justifica.

"Domingo consegui dormir bem. A gente queria sair para fazerem o que tiver de ser feito" Ana Lúcia Aguiar, de 42 anos, Está num quarto com o marido. As três filhas ficam em outro cômodo - Foto: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS
Preocupação

Arminda planeja ir todos os dias ao apartamento no Antares, a menos que a Defesa Civil proíba o acesso ao local. “Como será nossa volta? É isso o que mais me preocupa. Não sabemos se a estrutura dos prédios será afetada pela demolição”, angustia-se. A mesma preocupação ronda a dona de casa Ana Lúcia Aguiar, de 42 anos, que mora com três filhas e o marido no bloco 8 do condomínio. “Creio que vamos voltar para casa. Deus não vai nos deixar sem teto”, diz. No hotel, a família se dividiu em dois quartos. As filhas foram para um triplo no quarto andar, enquanto o casal está outro no quinto.

“Domingo consegui dormir bem, procurei descansar. A gente queria sair para fazerem logo o que tiver de ser feito”, diz Ana Lúcia. “No apartamento a gente ficava com medo o tempo todo.

Sei que bens materiais são difíceis de adquirir, mas a vida está em primeiro lugar”, acrescenta. Ela está satisfeita com o hotel. “Fomos bem atendidos. O quarto é confortável. Vamos ficar pouco tempo, não temos que ficar exigindo como se fosse nossa casa”, afirma. Quem mais gostou da mudança foram as filhas, de 16, 15 e 11 anos. “Elas têm noção do motivo de termos saído, mas estão gostando de ter um quarto só para elas, onde podem ficar acordadas até tarde. Vamos ver se continuarão assim daqui a 15 dias”, disse a mãe, rindo.

Ana Lúcia e o marido instalaram em seu quarto um pequeno aparelho de som. Sobre um balcão de madeira, arranjaram uma colorida fruteira. No frigobar, puseram suco, requeijão, iogurte e refrigerante. No armário, tão pequeno quanto o do quarto de Arminda, há bolsas, caixas e pastas empilhadas. As filhas tiveram o cuidado de incluir na bagagem fotos de família. O cachorro de estimação foi levado para a casa de uma irmã de Ana Lúcia, já que o hotel não admite a presença de animais.

Van escolar

Sozinha em seu quarto, Ana Lúcia ficou alegre ao saber o quarto em que estava Arminda. Disse que visitaria a amiga e vizinha. Apesar de não contarem mais com as áreas de convivência dos condomínios, muitos moradores aproveitam para conversar durante as refeições ou nos momentos em que os filhos vão e voltam das escolas, em vans oferecidas pela Cowan. No início da manhã de ontem, quando as crianças desceram para a porta do hotel, um veículo já as esperava. “Antes mesmo de terminar a aula o carro já estava em frente à escola”, comentou a estudante Jéssica Machado Aguiar, de 16 anos, filha de Ana Lúcia. A irmã dela, Isabela, de 15, elogiou a residência provisória. “O jantar é uma delícia. O café da manhã é farto”, disse a adolescente, ao retornar da escola, por volta do meio-dia.

O hotel mudou algumas regras para atender os novos hóspedes. O almoço passou a ser servido às 11h para que crianças que estudam à tarde possam almoçar mais cedo. Assim que tomou o café da manhã no hotel, a assistente administrativo Glaucilene Moreira de Almeida Barros, de 40, foi ao seu apartamento, no bloco 8 do Antares. “Minha cachorra ficou sozinha lá por não ter onde deixá-la. Fui alimentá-la e passear um pouco na rua com ela”, disse. Glaucilene planejava voltar à tarde para visitar a Doce, como chama o animal. A filha de Glaucilene, de 9, sente falta do bicho de estimação e ontem foi para a escola chorando. “Somos bem tratados no hotel, mas nada é como a casa da gente. É muito ruim ficar ‘trancada’ no quarto”, disse.

A secretária de escola Helena Dias, de 50, moradora do bloco 8 do Antares, decidiu ir para o hotel ontem. Ela havia se hospedado na casa da mãe e, quando foi ao prédio onde mora para buscar o carro na garagem, decidiu se juntar aos vizinhos no hotel. “Eu estava dando muito trabalho para minha mãe. Abri a porta do meu apartamento e tive uma crise nervosa. Eu disse: ‘Meu Deus, é justo eu perturbar a minha mãe?’. Então eu trouxe meu carro para o hotel, onde vai ter mais segurança. Vou ficar por aqui também”, disse Helena. No hotel, ela escolheu um quarto ao lado dos vizinhos de porta no prédio onde mora, para que eles continuem a ajudá-la a cuidar de sua saúde.


Estadia pode durar 2 meses
A estadia dos moradores dos dois residenciais vizinhos ao ViadutoBatalha dos Guararapes em hotéis pode durar até dois meses. Ontem, uma funcionária da construtora Cowan, em visita à unidade do Sesc Minas, no Venda Nova, sondou a instituição sobre o aluguel de 24 apartamentos para um período de 30 dias, renovável por mais 30, segundo informou a assessoria da instituição. À tarde, a advogada Ana Cristina Campos Drumond, representante de um dos condomínios, esteve na sede do Ministério Público e entregou um dossiê com problemas enfrentados pelos moradores e pediu apoio ao órgão.

A técnico em enfermagem Arminda Policarpo da Silva, de 55 anos, dona de apartamento no local, também afirma que o prazo inicial informado pela Defesa Civil é de pelo um mês de hospedagem. A previsão veio depois de muita insistências dos moradores por mais informações. Oficialmente, a assessoria do órgão não fala em prazos para o retorno dos moradores para casa. Até à noite de ontem, 21 famílias haviam sido transferidas, de um total de 34 apartamentos ocupados nos três blocos mais próximos à alça norte do viaduto que corre risco de desabar. Treze famílias se recusam a sair dos imóveis.

“O maior problema dos moradores é a falta de informações. As remoções deveriam ser realizadas depois de concluídos laudos sobre a necessidade de demolição e um cronograma para os trabalhos”, reclamou Ana Drumond. A Defesa Civil reafirmou que presta assistência 24 horas no local.

A ausência de pessoas nos apartamentos tem emperrado as vistorias internas dos imóveis. Ontem o trabalho começou no condomínio Savana e ainda faltam alguns apartamentos do Antares. O vistoriador Leandro César Rocha de Pinho disse ter encontrado pequenas fissuras em gesso e pintura que já existiam antes do desabamento do viaduto. Ontem, os 400 alunos do Colégio Helena Bicalho, da Rede Pitágoras, que recebeu orientação da Defesa Civil para suspender as aulas por 30 dias, devido à proximidade da alça do viaduto que ameaça desabar, tiveram ontem o seu primeiro dia de aula no Centro Universitário Izabela Hendrix, distante um quilômetro. (Pedro Ferreira e Landercy Hemerson).