Jornal Estado de Minas

Fósseis localizados em Matozinhos são analisados no exterior

Antropólogo paulista André Strauss coordena equipe de pesquisadores que faz escavações na região de Matozinhos desde 2001 - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press


Todo o material coletado nas escavações do sítio arqueológico Lapa do Santo, em Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é enviado para os Estados Unidos para análise. Já o DNA nos ossos é feito na Alemanha. É possível saber, inclusive, se as pessoas que viveram há 10,8 mil anos usavam plantas medicinais e saber outros costumes da época.

A terra retirada das escavações é peneirada por um biólogo marinho em uma área externa. Entre o material arqueológico, estão várias conchas, que comprovam que a região já esteve no fundo o mar. “Encontramos carvão e ossos dos animais que os povos antigos consumiam, como veados e porcos-do-mato. Tudo é guardado”, informou o antropólogo paulista André Strauss, coordenador dos trabalhos em Matozinhos.

O antropólogo e cirurgião dentista Rodrigo Elias Oliveira é um dos principais exumadores de sepultamentos arqueológicos do mundo e percebe até “bico de papagaio” nos esqueletos. A mandíbula da ossada encontrada há algumas semanas mostra que a mulher perdeu os dentes ainda em vida, indica o pesquisador.
“Há reabsorção óssea, o que também é sugestivo de idade”, afirmou.

O pesquisador Andersen Liryo, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coletava ontem sedimentos da cavidade abdominal e região pélvica dos esqueletos para análises paleoparasitológicas, trabalho feito por dois pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde também são feitos exames de DNA.

Esqueletos do casal de idosos descobertos no sítio foram enterrados juntos - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
“É como se fosse um exame de fezes nos ossos de uma pessoa que viveu há milhares de anos. Não encontramos fezes preservadas. Elas se desfazem, mas parte dos ovos deles acabam sendo preservados”, disse Andersen. “É possível saber o tipo de alimentos e até com que animais mantinham contatos. Alguns parasitas têm, em seu ciclo de evolução, que passar obrigatoriamente por outros animais, não só pelo humano e pela terra”, afirma o pesquisador. Um dos resultados anteriores detectou presença de um ovo de ascaris lumbricoides, mas há suspeita de contaminação da área de pesquisa, que já foi usada como curral no passado.

Todo o esqueleto é remontado em laboratório. Rodrigo já remontou um crânio encontrado fragmentado em mais de 50 peças. Juntou tudo como um quebra-cabeça, trabalho que pode demorar até seis meses.

 O crânio da mulher idosa foi retirado ontem também estava fragmentado e será refeito por Rodrigo. Sobre ele estava o joelho do homem, e a mão dela ficava sobre o joelho dele. Como era costume da época colocar blocos de pedra sobre os corpos, segundo os pesquisadores, o crânio feminino foi pressionado e quebrou. “Talvez eles usassem as pedras como uma espécie de lápide ou para evidenciar onde estavam sepultados”, acredita André.

PROFUNDIDADE Os dois esqueletos foram encontrados a mais de um metro de profundidade.

Os pesquisadores ficam atentos onde pisam para não causar desmoronamento das bordas das escavações. Quanto mais profunda a descoberta, mais antiga é a história. “É como se a gente fatiasse um bolo para estudar as suas camadas de terra. Estudamos a datação dos carvões e a profundidade do sepultamento. Tudo é importante para saber a idade dos esqueletos”, afirma Rodrigo Oliveira.

Os pesquisadores usam pincéis para retirar a terra do entorno dos esqueletos. A delicadeza é a mesma de um pintor retocando sua tela, e aos poucos vai revelando um passado de milhares de anos. Essa etapa da escavação levou 14 semanas. Foram descobertos 12 esqueletos em um espaço de 12 metros quadrados. André acredita que existam sepultamentos mais profundos.
Sua expectativa é chegar a esqueletos pleistocênicos, acima de 12 mil anos, ou seja, antepassados de “Luzia”. Em uma pedra no chão do abrigo, próximo ao local da escavação, foram achadas várias gravuras semelhantes ao que chamam de “taradinho”, um desenho encontrado na Lapa do Santo, em 2009, e que ganhou esse nome pelo falo avantajado.

Descoberta de conchas comprova que a região era oceano há milhões de anos - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Caverna é um tesouro arqueológico


Desde 2001, pelo menos 100 pessoas, entre pesquisadores e leigos, visitaram a Lapa do Santo, que fica em uma área de preservação ambiental (APA) dentro de uma propriedade particular. O acesso é controlado pelo dono da fazenda e é preciso da permissão para entrar. Ele prefere manter segredo do tesouro arqueológico em suas terras para garantir o sossego. No grupo de visitantes, existem estudiosos do mundo inteiro. De vez em quando, André Strauss leva moradores da região e faz palestras no local para informá-los sobre o que vem sendo achado e a importância dessas descobertas para a história da humanidade.

A entrada da caverna lembra uma catedral foi esculpida pelo tempo. Um ambiente sagrado para a ciência em rochas formadas há 600 milhões de anos. O nome Lapa do Santo vem de um dos espeleotemas, que são formações rochosas que pendem do teto da caverna e que tem o aspecto demoníaco, o “tinhoso”, como preferem dizer. “Demos o nome Lapa do Santo ao sítio para neutralizar a influência maligna do tinhoso”, brinca Strauss.

Agora, depois de 14 semanas de escavação, os pesquisadores arrumam as malas e se preparam para voltar para casa no próximo sábado. Antes, devolvem a terra para o buraco da escavação. Fica tudo preservado para a próxima etapa do trabalho, que só deve ocorrer em 2016.


LINHA DO TEMPO

Descobertas arqueológicas começaram em minas na primeira metade do século 19

1801
Nasce em Copenhague, na Dinamarca, Peter W. Lund, que viveu 46 anos na região de Lagoa Santa e é considerado o pai da paleontologia, arqueologia e espeleologia brasileiras

1832
Lund faz as primeiras descobertas de fósseis em cavernas e abrigos de Lagoa Santa

1845
O cientista envia ao rei da Dinamarca a coleção de fósseis encontrados na região de Lagoa Santa

1880
Lund morre em Lagoa Santa

Década de 1950
Pesquisadores da Academia Mineira de Ciências e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomam as escavações na região

1974
Missão franco-brasileira, chefiada por Annette Laming Emperaire (1917-1977), faz escavações até 1976 em Lagoa Santa

1975
Annette Laming encontra na Lapa Vermelha IV o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo com datação no Brasil

1998
Antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo, estuda e data em 11,4 mil anos o crânio de Luzia
 
2010
Em maio, governos de Minas e Dinamarca fecham acordo para cessão, em comodato, de 300 fósseis para exposição permanente em Lagoa Santa

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