As cenas vistas no dia 3 de julho ainda não saíram das retinas de sobreviventes do desabamento da alça sul do Viaduto Batalha dos Guararapes, que deixou 23 feridos. A vendedora Maria Nilza Loiola, de 54 anos, que estava no micro-ônibus parcialmente esmagado, é uma delas. “Eu estava sentada no lado direito, lendo uma revista. Por acaso levantei os olhos e vi o viaduto caindo. Foi horrível”, recorda ela, que sofreu um corte no lábio superior e perdeu pertences que carregava. “Não quero falar em trauma, mas fiquei com um certo receio de andar de ônibus”, diz Maria Nilza, que também estava em um coletivo que caiu no Ribeirão Arrudas em 1999.
As irmãs Rayane, 16, e Renata Soares da Silva, 18, também estavam no micro-ônibus. A mais nova feriu um calcanhar, cortou o nariz, quebrou um dos dentes e até hoje sente dor em outros. “Vimos o viaduto caindo. Todo mundo começou a gritar. Vi muita gente sangrando. Ainda fico com medo quando passo embaixo de viaduto”, diz a estudante Rayane. A promotora de eventos Renata teve cortes nas gengivas e no nariz. “Quando estou na rua e ouço um barulho muito alto, sempre olho para cima”, conta ela.
Os tormentos da tragédia ainda continuam para quem mora ou trabalha nas cercanias do viaduto. No dia 27 de julho, a Defesa Civil transferiu para um hotel no Bairro São Cristóvão, na Região Noroeste, 19 famílias que residem em áreas consideradas de risco pelo orgão nos condomínios Antares e Savana, vizinhos à obra. Uma delas, porém, voltou na quinta-feira a morar no bloco 9 do Antares, apesar do receio de que a alça norte também desabe. “A insatisfação de viver em um quarto por tempo indeterminado é maior do que o medo que estamos passando. Está complicado, mas estamos em casa”, diz Luiz Fabian Aguiar, de 34, supervisor de logística de uma rede atacadista. Ele vive com a esposa e dois filhos, de 9 e 4 anos.
As mudanças no trânsito causadas pela interdição da Pedro I vem reduzindo bastante a clientela de comerciantes no entorno do viaduto. Eles ainda aguardam uma resposta da Secretaria Municipal Adjunta de Desenvolvimento Econômico a uma lista de reivindicações entregue sexta-feira, para tentar minimizar os prejuízos. Alguns já demitiram funcionários e temem ter que fechar as portas. “Se a situação continuar assim, só consigo manter o negócio até setembro”, diz Washington Luiz Soares, dono há 12 anos de um salão de beleza destinado ao público infantil. “O faturamento caiu 70%. Tive que mandar dois empregados embora. Agora trabalho sozinho”, conta ele, cujo estabelecimento fica na Avenida General Olímpio Mourão Filho, onde o fluxo de carros caiu drasticamente.
É uma memória viva da alça sul
A decisão de aguardar a conclusão do inquérito da Polícia Civil para decidir se a alça norte do viaduto será demolida, divulgada sexta-feira pelo prefeito Marcio Lacerda, foi elogiada por especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. Eles acreditam que os peritos podem querer analisar a estrutura para esclarecer algumas dúvidas, já que seu projeto é similar ao da alça sul, que desabou. Defendem que é possível recuperar a alça norte, ainda que um bloco de fundação esteja comprometido, como sustenta a construtora Cowan. E estranham o fato de a empresa afirmar que o escoramento providenciado por ela mesma não é suficiente para garantir que a edificação se mantenha de pé.
As investigações da polícia, coordenadas pelo delegado Hugo e Silva, concluíram que um bloco de fundação da alça sul se rompeu, fazendo o pilar que era sustentado afundar cerca de 6 metros e levar junto duas das 10 estacas fincadas sob essa estrutura. Não se sabe, porém, por que o bloco se partiu, embora a Cowan aponte erros de cálculo no projeto executivo, feito pela Consol, que nega as falhas. Um laudo técnico policial tem 30 dias para ficar pronto a contar de sexta-feira. O delegado planeja pedir amanhã a prorrogação do prazo para término do inquérito, que deveria ficar pronto hoje.
“Ainda não dá para saber se houve falhas na execução ou se foi uma mistura de tudo isso”, afirma o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG), Clémenceau Chiabi. Ele acredita que há razões técnicas para a alça norte ser preservada até o fim do inquérito policial. “Não há consenso que essa alça tem risco iminente de cair, como foi falado pela Cowan. Ela pode ser útil para esclarecer dúvidas depois do laudo pericial. É uma memória viva da outra alça”, diz.
Chiabi defende que há técnicas de engenharia capazes de manter a alça norte estável, inclusive durante um eventual reparo. O vice-presidente da seção mineira do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/MG), Sérgio Myssior, concorda: “Um projeto de escoramento adequado poderia garantir a segurança, absorvendo todos os esforços incidentes sobre o pilar”.
Em entrevista ao EM em 23 de julho, José Paulo Toller Motta, da Cowan, disse que o escoramento atual é capaz de sustentar apenas esforços verticais, mas não abrange aqueles em outras direções. Em nota, a empresa reafirmou as declarações de Motta. “A Cowan solicitou a uma empresa especializada um projeto de reforço do escoramento, com a finalidade de reduzir as cargas verticais sobre os pilares da alça norte. Esse projeto foi implantado com a supervisão de tal empresa e da Defesa Civil”, afirma o texto. “Mesmo com essa providência, a Cowan e a empresa de escoramento informaram aos órgãos competentes que há risco de deslocamentos transversais e longitudinais”, acrescenta. (TH)