Jornal Estado de Minas

Criminosos virtuais adotam artimanhas para enganar mulheres que buscam relacionamentos

Os homens chegam a prometer casamento, para conseguir dinheiro e outros bens de mulheres por meio de relacionamento pela internet

Valquiria Lopes

"Foi um grande susto, porque descobri que aquele homem romântico fazia parte de uma máfia que aplica golpes em mulheres no mundo inteiro" - L., de 51 anos, que chegou a acreditar no criminoso - Foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press


O medo de descobrir que as doces palavras do Don Juan virtual podem ser uma farsa também faz com que as mulheres resistam antes de procurar a polícia. “O número de vítimas pode ser maior do que os casos que recebemos, porque elas se sentem envergonhadas. Algumas não contam nem mesmo para a família”, explica a delegada titular da 1ª Delegacia de Crimes Cibernéticos, Paloma Kairala. Vítima de um golpe no ano passado, quando perdeu R$ 56,5 mil, a dona de casa S., de 52 anos, diz não acreditar que caiu na história contada pelo falso engenheiro civil norte-americano James, com o qual chegou a se casar pela internet em menos de dois meses de relacionamento. A dívida, que hoje chega a R$ 90 mil, perturba o sono e ela se viu obrigada a pôr o apartamento à venda para pagar o débito.

“Ele me enviou um convite pelo Skype, começamos a conversar e a namorar. Ele dizia que queria um novo amor, uma companheira para dividir um lar e que viria morar no Brasil. Eu só queria ser amada, queria ter alguém”, conta, ressentida. Nos momentos íntimos do casal, mantidos sempre pelo meio virtual, James prometia amor e afirmava que o que mais queria era estar ao lado dela.
Ele chegou a apresentar a S. uma filha, Emily, de 20 anos, da qual ela ficou amiga.

Os problemas começaram com os primeiros pedidos de transferência bancária. Segundo a mulher, James disse que participaria de uma concorrência para construir 60 prédios no Peru, para onde viajou. De lá, recorri a S. para pagar a emissão e o envio de um documento muito importante para o processo. Foi o primeiro dos muitos depósitos feitos por ela. Em seguida, o golpista e a falsa filha inventaram dramas envolvendo doença, acidentes de carro, coma, falta de dinheiro para pagar diárias de hotel e alimentação.

“Ele me disse que estava passando fome no Peru e que não tinha como voltar para os EUA. Me pedia para salvar a vida da filha, que tinha ido para um safari na África e se acidentou. Um médico de Gana começou a entrar em contato comigo e pedir dinheiro para o tratamento da garota. Eu a tinha como filha e fiz de tudo para salvá-la”, lembra. Todas as despesas seriam pagas com dinheiro de uma herança de James, como ele lhe informou. “Mas a mala, enviada por um diplomata da Inglaterra, havia ficado presa na alfândega no Brasil. Tive que pagar várias taxas para liberá-la.
Era tudo uma farsa”, conta.

DOR

A partir das histórias mirabolantes, S. começou a entrar numa roda viva de prejuízo e dor. “Peguei dinheiro emprestado onde pude para ajudá-lo. No banco, nas lojas de departamento onde eu tinha crédito, com agiotas, vizinhos e parentes. Minha irmã e meu afilhado me alertaram que era golpe, mas eu não acreditava. Estava me sentindo amada. Não fazia aquilo pelo dinheiro, mas pelo sonho de se sentir querida, ter alguém para me perguntar como foi meu dia, para dormir abraçada, e ele se aproveitou disso”.

S. conta que o golpista não roubou apenas o dinheiro. “Ele roubou meus sonhos. Hoje vivo um pesadelo.
Envelheci. Minha pele está envelhecida, meus cabelos ficaram brancos. Engordei e não estou me arrumando.” Um dos maiores dramas que S. ainda vive é a rejeição do pai. “Peguei R$ 7 mil com meu pai e depois o ouvi me chamar de pilantra, parou de me atender ao telefone. Todos acreditaram em mim e eu decepcionei todos”, afirma, aos prantos. Para ela., fica a certeza de que antes de se relacionar com alguém na internet é preciso ter cuidado: “Fiquei cega, não fiz nenhuma busca na internet, nada. Hoje sei que não se pode acreditar em alguém assim”. O desespero chegou ao extremo quando S., sem dinheiro e com as todas as contas atrasadas, começou a passar fome. Orientada pela família, ela procurou a polícia.

Sem solução

O caso é investigado pela Polícia Civil. Um morador de BH chegou a ser rastreado, mas nem ele nem os comparsas estrangeiros foram presos. Em todo o estado, são apenas duas delegacias especializadas em crimes cibernéticos, ambas na capital. Os crimes no interior são apurados nas delegacias de área. Em BH, os processos se acumulam em pilhas nas salas de dois delegados.

Especialista em direito virtual, o advogado Alexandre Atheniense diz que a legislação evoluiu para punir crimes na rede, depois da aprovação do Marco Civil, que prevê, entre outras medidas, que a vítima solicite diretamente ao provedor a retirada de conteúdo difamatório.

Um falso militar sedutor

Foi por pouco que L., de 51, não caiu no conto do vigário virtual. O falso militar norte-americano Jefferey Willian, como se apresentou, surgiu na vida dela há dois meses, tempo suficiente para tentar lesá-la com pedido de depósitos em contas bancárias no exterior. A aproximação surgiu em um site de conversas. “Ele se mostrou um homem carinhoso, honesto e bem formado. Disse que era viúvo e que tinha um filho de 5 anos, que estava indo servir na guerra da Síria, mas que quando voltasse queria vir ao Brasil para ficar comigo”, lembra.

O golpe começou a tomar forma quando Jefferey perguntou sobre o patrimônio de L., divorciada há 17 anos, que mora com os dois filhos no Bairro São Marcos, na Região Nordeste de BH: “Ele passou a perguntar se eu morava em casa ou apartamento, se era meu ou alugado, quanto valia”. Ela, então, estranhou. O homem chegou a enviar uma foto falsa dele e do filho. Dizia o tempo todo pelas mensagens na internet que precisava de L. para ajudar a criar o menino.

“Há três semanas, resolvi pesquisar o nome dele na internet e tudo foi desvendado. Foi um grande susto, porque descobri que aquele homem romântico fazia parte de uma máfia nigeriana que aplica golpes em mulheres no mundo inteiro”, conta, decepcionada. Contra os scrammers, como são chamados, já haviam denúncias de transferências vultosas e de muito prejuízo. “Para mim, foi um alívio, mas confesso que o processo é muito sedutor. Graças a Deus, descobri tudo antes.”


PALAVRA DE ESPECIALISTA:

Roberto Chateaubriand domingues, Psicólogo e presidente do Conselho regional de psicologia

Dependência emocional
O que diz se uma mulher será ou não vítima é a fragilidade dela, o quanto ela se entrega e acredita em histórias fantasiosas para se sentir desejada. As questões de gênero no Brasil estabelecem uma hierarquia que coloca a mulher em um papel emocionalmente dependente do homem, algo que precisa ser enfrentado. Outro motivo é a construção subjetiva da mulher que, quando madura, passa a acreditar que está fora do mercado, que não é desejada, que está fora dos padrões de beleza. Essa mulher cria uma fantasia de que a vida se encerrou e fica cada vez mais susceptível a cair em meia dúzia de palavras românticas. É como se esse homem a trouxesse de volta à juventude e ela faz tudo para manter essa situação, inclusive se desfaz de seu patrimônio e se endivida. E se já era uma mulher fragilizada, ao descobrir o golpe ela vai ao ‘subsolo’. Muitas caem em depressão. Apesar dos casos individuais, a solução para esse tipo de comportamento é coletiva e passa pela valorização pessoal.

CUIDADO

Dicas para evitar ser vítima de crimes na internet
Pesquise sobre a pessoa com que está mantendo contato. Uma simples busca no Google pode revelar se ela está envolvida em crimes
Nunca revele dados pessoais a alguém que você não conheça nem confie, como endereço e dados bancários
Não se deixe levar por histórias dramáticas que resultem em pedidos de depósitos bancários
Compartilhe com um familiar ou amigo que está se relacionando com alguém na internet
Se for marcar encontros, prefira sempre locais públicos e, de preferência, leve um acompanhante
Não aceite que a pessoa vá te buscar em casa, nem dê carona na volta
Não envie fotos íntimas a pessoas desconhecidas, porque o material pode ser publicado na rede e causar sérios danos
Se for a festas marcadas por desconhecidos pela internet, leve acompanhantes e não aceite caronas na volta pra casa
Fonte: Polícia Civil de Minas Gerais

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