“A cada dia que passa fica pior, a saudade vai aumentando”, diz a dona de casa Analina Soares Santos, de 52 anos. Ela é mãe da motorista Hanna Cristina Santos, morta aos 25 anos, quando a alça sul do Viaduto Batalha dos Guararapes, na Avenida Pedro I, caiu e esmagou parte do micro-ônibus que a jovem dirigia. O incidente também matou o auxiliar de serviços gerais Charlys Frederico Moreira do Nascimento, de 25, e feriu outras 23 pessoas, segundo a Polícia Civil. De um lado, o sofrimento de familiares e amigos de quem se foi de forma tão brusca. De outro, o trauma de quem sobreviveu por um triz. O desabamento completa hoje um mês, com mais perguntas do que respostas, sem que tenham sido apontados os culpados e sem definição quanto ao destino da alça norte, que continua de pé. Moradores e comerciantes vizinhos à edificação se angustiam ante um futuro de incertezas.
A indefinição quanto à alça norte aumentou na sexta-feira, quando o prefeito Marcio Lacerda voltou atrás na decisão de demolir a estrutura. Ele disse que a prefeitura pretende aguardar a conclusão da perícia técnica do Instituto de Criminalística para resolver se a edificação será destruída. A demolição dessa parte do viaduto havia sido anunciada pelo Executivo e apoiada pelo Ministério Público Estadual, depois de um laudo não oficial encomendado pela construtora responsável pela obra, a Cowan, divulgado em 22 de julho, apontar erros de cálculo do projeto executivo, feito por outra empresa, a Consol Engenheiros Consultores. Segundo o relatório, um pilar da alça sul afundou porque o projeto definia para seu bloco de fundação uma quantidade de aço muito inferior ao necessário para suportar o peso. O mesmo equívoco também teria comprometido um pilar da alça norte, que poderia desabar a qualquer momento. A Consol nega as falhas.
Oito segundos
A alça sul começou a ruir às 15h05 do dia 3 de julho e demorou oito segundos para atingir o chão. Esmagou um Fiat Uno dirigido por Charlys, parte de um micro-ônibus da linha Suplementar 70 (Conjunto Felicidade/Shopping Del Rey) – os dois veículos seguiam no sentido Centro – e dois caminhões que estavam estacionados e sem ocupantes. O micro-ônibus pertencia à família de Hanna, que o dirigia há dois anos, dividindo a tarefa com um irmão, Tiago. “Um pouco antes de sair para trabalhar, ela ligou para pedir a benção. Isso alivia um pouco”, conta o pai, José Antônio dos Santos, de 61, que era motorista do coletivo até se aposentar por invalidez há cinco anos. “Um viaduto não foi feito para cair. Isso nos revolta, foi uma irresponsabilidade muito grande”, diz a mãe, Analina, sem chorar, com expressão firme, como se fizesse força para não sucumbir.
José Antônio tenta se resignar. “No primeiro momento, fiquei com ódio. Mas o tempo vai passando e a gente vai se acalmando. Isso está nas mãos de Deus, né? Ela (Hanna) estava no lugar errado, na hora errada. Acho que foi isso que aconteceu”, diz. Analina, porém, revela que o aposentado está desassossegado. “Ele acorda às 3 da manhã e não consegue mais dormir. Vai andar na rua”, relata. “Tem hora que fico num estado que só Jesus. O que me dá mais força é saber que minha filha foi embora, mas salvou vidas”, ressalta a dona de casa, referindo-se ao relato da mulher de Tiago, Débora Nunes Reigada, de 30, que trabalhava como cobradora do coletivo no momento do incidente. “Na hora Hanna freou e virou o volante para a direita, o que salvou as outras pessoas no ônibus”, conta ela, que fraturou o maxilar e tomou 12 pontos para fechar um corte na testa e nove para outro, na boca. “Estou tomando remédio para amenizar as dores. Ainda tenho medo de passar embaixo de viaduto”, diz.
No ônibus também estava a filha de Hanna, Ana Clara, de 5, que sofreu ferimentos leves. A mãe tinha levado a garota, que estava de férias, para lhe fazer companhia no trabalho. “Ela tá bem, né, Clarinha?”, pergunta Analina, pondo a neta em seu colo. “Ela está indo a uma psicóloga, mas ainda não fala sobre o que aconteceu. Quando a gente pergunta, ela diz que não lembra”, diz a avó, com quem a criança mora. Segundo a dona de casa, a Cowan se comprometeu a entregar amanhã um novo micro-ônibus. “Desde o desabamento, estamos todos parados, sem ter como trabalhar”, diz. A família também pretende acionar a Justiça para conseguir indenizações. “Temos advogados analisando o que pode ser feito”, informa Analina.
Justiça
Quem também planeja entrar na Justiça para conseguir reparos por danos materiais (pela perda do Fiat Uno) e morais é a viúva de Charlys, Cristilene Pereira Sena, de 32. “Queremos entrar com ação de indenização. Ainda não temos ideia do valor que pediremos. Primeiro é preciso apurar os culpados”, explica o advogado, Filipe de Araújo Lima e Ferreira. Cristilene mora em Lagoa Santa, na Grande BH, com dois filhos de outro casamento, uma menina de 12 e um garoto de 8. Ela trabalha como empregada doméstica na Pampulha. “Desde o incidente, está afastada do trabalho. Não tem condições psicológicas, por enquanto”, diz Filipe. Segundo o advogado, ela ganha cerca de um salário mínimo e, para conseguir pagar as contas, está sendo ajudada por familiares. Charlys era auxiliar de serviços gerais em uma empresa de construção civil e ganhava R$ 1,3 mil.
Charlys e Cristilene estavam juntos havia oito anos. “Eles queriam formalizar o casamento e ter um filho no ano que vem. O plano era trocar o carro e comprar uma casa própria”, relata uma amiga da mulher, a auxiliar de almoxarifado Cristiane Batista Rodrigues, de 35.