"Para adulto, sotaque não 'acabar' nunca. Meus três filhos 'non' falar com sotaque como eu. Foram todos criados aqui, mas nenhum 'morar' aqui mais. Estão todos nos Estados Unidos." - Uma Rohatgi, de 60 anos, é indiana e mora no Brasil há 35 anos. Aos sábados, ela vende comida típica do seu país na feirinha da Avenida Carandaí com Brasil, no Bairro Santa Efigênia, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A samosa que Uma faz, espécie de pastel com batata, farinha de trigo, amendoim e temperos da Índia, conquistou o paladar dos frequentadores da feira, o que a deixa cheia de orgulho. (Pedro Ferreira)
"A academia é o meu verdadeiro plano de saúde. O outro é o plano da doença." - O professor universitário aposentado César Roberto Ferrara, de 63 anos, morador do Bairro Cidade Nova, faz spinning na piscina de uma academia para manter a forma e a qualidade de vida. (Gustavo Werneck)
"Vejo pessoas na rua sem lugar para ficar e ninguém para acolher. Na verdade, existe saída para o problema, mas cada um teria de fazer a sua parte". Irmã Lúcia é discípula de Jesus Eucarístico. A congregação faz a sua parte, acolhendo crianças nas ruas de Belo Horizonte.
Fabíola, nascida em Manhuaçu, se casou aos 17 anos. Mãe do pequeno Kaio – assim, com “K” –, a estudante pensa em seguir carreira na área de comunicação social. Moça de carisma, delicadeza e educação, se prepara para passar uns dias de descanso, na companhia do filho, na casa da família, na Zona da Mata mineira. Kaio faz 2 anos no próximo mês.
Na tarde fria, de sol e céu azul na Praça do Papa, Sérgio pausa os compromissos como comerciante para repensar projetos e a própria história. Desde garoto, o autônomo mantém o hábito de ficar sozinho algum horário do dia para exercitar o silêncio. Seus pontos preferidos, além do alto das Mangabeiras, são a Lagoa da Pampulha e o Mirante do Sobradinho, em Sabará.
A moça e o penteado. Duas amigas e o banco da praça. O homem de prata e a aliança de ouro. O comerciante e a tristeza na gaiola. A partir de hoje, cenas como essas não passam mais despercebidas nas andanças pelas ruas de Belo Horizonte. Em nova seção, a equipe de reportagem do Estado de Minas vai tentar capturar a sutileza na simplicidade, com recortes dos momentos mais particulares de cada pessoa, eternizados na poesia das palavras e imagens.
Não há regras para escolher quais personagens vão se destacar na multidão da metrópole. A beleza pode estar na octogenária de cabelos brancos que acaba de sair da costureira e dispensa remendos na própria vida. “Faria tudo de novo”, ensina. Do alto da Praça do Papa, duas jovens observam a linha do horizonte. Sábias, avisam que “ficar sem fazer nada também é gostoso”.
De vez em quando, é possível deparar-se também com uma moça loura e de olhos claros que nunca desejou se tornar modelo. Tem orgulho de ser o que é. Gari. Enquanto isso, em plena Praça Sete desfila a servidora pública com um coque nos cabelos e uma ideia na cabeça.
Na entrada do Mercado Central, o comerciante exibe um belo sorriso. Conversa vai, conversa vem, conta ter trocado os remédios pelos pássaros. Descobriu a cura para a depressão. Prendeu a tristeza na gaiola. Na Praça da Savassi, duas amigas se encontram depois de anos sem se ver. Uma mora em Milão, na Itália, enquanto a outra continuou em BH. Sentadas no banco da praça, atualizam os novos casos e rememoram os mais antigos. “Ela já segurou muitas ondas minhas”, agradece uma delas, arrancando lágrimas da outra.
Fragmentos de ternura e encanto como esses acontecem o tempo todo, milhares de vezes em tantos lugares, debaixo do nosso olhar. Na maioria das vezes, porém, atropelados pela pressa, não os percebemos. Diariamente, a coluna Assim Vivemos será publicada no EM, com reprodução na Fan Page do jornal no Facebook.
Inspiração
A seção é inspirada no Humans of New York, que surgiu no verão de 2010 na metrópole novaiorquina, com a intenção de criar um catálogo exaustivo de 10 mil moradores da Big Apple. Seu idealizador é Brandon, que assina só com o primeiro nome, sem apresentar idade ou sobrenome. É assim também que ele identifica as pessoas retratadas no blog, que já coleciona 8 milhões de seguidores e se multiplicou por diversas capitais, como Paris, Amsterdam, Roma e Teerã.
Com uma câmera na mão e um bloco de notas, Brandon capta flagrantes e histórias incríveis de anônimos da cidade. A reportagem do EM tentou entrevistar Brandon, mas, por meio de uma assessora, ele gentilmente dispensou o convite, sem deixar de agradecer por terem pensado nele. No blog, ele se descreve como um apaixonado pelas coisas, que já foi obcecado por aquários de água salgada, é barítono, tentou trabalhar no mercado financeiro, filmagens e fotografias, e estudou história na Universidade de Geórgia. Até agora, já concluiu 5 mil retratos e diz ter conhecido algumas pessoas incríveis ao longo do caminho. Assim ele vive em Nova York. Assim vivemos nós em BH.