Jornal Estado de Minas

Templo barroco reabre portas em Congonhas

Depois de dois anos fechada para restauração, a Matriz de Nossa Senhora da Conceição completa 280 anos e será entregue de novo a Congonhas em missa solene amanhã à noite

Jorge Macedo - especial para o EM
Gustavo Werneck

Como presente pelo aniversário de 280 anos, a construção do início do século 18 ganhou uma restauração que durou dois anos na estrutura e elementos artísticos e está pronta para receber visitantes e fiéis - Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press

 

Congonhas – As mãos vigorosas da voluntária Eva de Fátima Fernandes de Miranda varrem o chão da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e lustram a balaustrada que cerca os bancos de madeira. Mais adiante, Paulo Vitor dos Santos encera o piso de tábuas corridas. Entre uma atividade e outra para terminar a limpeza, eles não se cansam também de admirar o esplendor do templo, que completa 280 anos e será reaberto amanhã, com missa solene às 19h.

Depois de fechada por dois anos para obras na estrutura e elementos artísticos, a igreja, que tem a maior nave do barroco mineiro, exibe o esmero na restauração e destaca obras de artistas do período colonial: Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), Francisco Vieira Servas (1720-1811) e Francisco Xavier de Brito, falecido em 1751. “Estamos felizes, pois esta é uma casa de fé e história”, diz Eva com humildade e brilho nos olhos.

Mais satisfeito ainda com a reabertura da igreja está o titular da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, padre Paulo Barbosa, chamado pela comunidade católica de padre Paulinho: “É um momento importante, pois foram três anos de negociações e conversas a fim de iniciar o serviço, que teve acompanhamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)”. A divisão de tarefas permitiu melhor dinâmica do restauro, pois, para executar os serviços administrados pela paróquia, foram constituídas comissões específicas de artes, fiscalização, finanças, jurídica e divulgação.

TAC A intervenção só foi possível graças a um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e uma mineradora que atua na região. No total, foram empregados cerca de R$ 1,2 milhão, sendo R$ 964 mil provenientes do TAC e o restante de campanhas, doações e contribuição dos dizimistas.



O promotor de Justiça da comarca de Congonhas, Vinícius Alcântara Galvão, considera o trabalho realizado pelo MPMG, paróquia e Iphan “salutar” para o patrimônio cultural. Nessa parceria, esteve presente de forma efetiva a Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), chefiada pelo promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda. “A matriz estava depauperada e a ação conjunta permitiu a preservação”, disse Galvão, destacando que foram cumpridos todos os quesitos administrativos e judiciais para aplicação do dinheiro, inclusive com licitação acompanhada pelo Iphan. “Esta é a primeira igreja matriz de Congonhas e várias paróquias das redondezas nasceram dela”, diz, com orgulho o padre Paulinho. O templo é tombado também pelo município e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG).

- Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press

MUDANÇAS Em fevereiro de 2009, o Estado de Minas mostrou a situação da Matriz de Congonhas, então com abalos na estrutura e degradação em todos os cantos – capela-mor, nave, sacristia e torres. Quem entra hoje na construção datada de 1734 – “embora haja relatos sobre a edificação primitiva no início do século 18”, conforme explica o pároco – encontra um cenário completamente diferente. Saíram as gambiarras na parte elétrica e no quadro de luz, ripas despencando do teto e imagens encobertas pela poeira, voltando a emoção e alegria dos frequentadores das missas e demais celebrações.

Tendo como cicerone o arquiteto e assessor do pároco Alphonsus Rodrigo de Moraes, a equipe do EM viu o trabalho a ser apreciado pelos moradores e visitantes a partir de terça-feira. Para começar, ele apresentou a fachada da igreja. Sobre a porta, está o trabalho de Aleijadinho em pedra-sabão – arca da aliança, símbolos da eucaristia, anjos barrocos e coroa de Nossa Senhora –, considerado obra-prima pelos especialistas em barroco. Alphonsus fica alguns momentos admirando a peça e caminha circulando a igreja, que tem agora, no entorno, um passeio de pedra para evitar infiltrações.

A restauração contemplou ainda o telhado, com instalação de manta de alumínio protetora; reforma na madeira da cobertura; colocação de novo forro em toda a parte superior; troca das cimalhas, com retirada de 10 caminhões de entulho, resíduos que estavam sob esses frisos laterais; recuperação das pedras de cantaria; imunização de toda a madeira anteriormente atacada por cupins; recuperação da balaustrada de madeira; revisão de toda a parte elétrica; instalação de segurança eletrônica; e outros serviços essenciais à conservação. Durante as missas, os frequentadores vão sentar em bancos novos, os quais foram custeados pela paróquia depois de campanha entre os fiéis.

 

Anjos são recuperados

No alto do arco-cruzeiro, os fiéis vão admirar destaques da restauração: dois anjos esculpidos em cedro, com 1,80 metro cada um, ladeando um medalhão, e fora do lugar havia 19 anos. Eles estavam podres, jogados ao tempo e ao vento e em mau estado de conservação.

As peças atraem pela beleza e dimensões e mereceram atenção especial, tanto que foram necessárias 800 folhas de ouro para dar-lhes o aspecto original.

Percorrendo a amplidão da matriz, o arquiteto aponta os lustres igualmente restaurados e de aspecto reluzente à espera do rebanho católico. No altar-mor, no qual se vê a imagem da padroeira de Congonhas, Alphonsus indica a imagem do Santo Pai Eterno, atribuída a Aleijadinho; dois anjos nas colunas laterais, obra de Servas; e mais dois anjos no alto, de Xavier de Brito. “Todas as portas de pedra de cantaria foram feitas por Antonio Pereira Arouca”, conclui o arquiteto.


MEMÓRIA:
Passado de destruição

Em fevereiro de 2009, conforme mostrou o EM, a majestosa Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no Bairro Matriz, inspirava cuidados urgentes. O sinal mais evidente na degradação estava na lateral esquerda do prédio, de onde, havia dois meses, um pedaço do telhado caiu. A poucos metros desse ponto, em que foi instalado um andaime para reparos, estava a porta de madeira, fechada nos últimos quatro anos, desde que o arco de pedra-sabão começou a arriar, oferecendo perigo aos devotos. Uma das primeiras dores de cabeça dos paroquianos estava no suporte do sino. A peça de madeira demandava conserto imediato, pois tinha sido devorada pelos cupins e se encontrava desnivelada.

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