A Resolução 06/2014 considera trote atividades que envolvam ou incitem agressões físicas, psicológicas ou morais, resultem em coação física ou psicológica, em humilhação, danos ao patrimônio público ou privado. São condenáveis também ações que evidenciem opressão, preconceito ou discriminação, obriguem alunos a usar roupas, acessórios ou a cobrir o corpo com qualquer tipo de substância, a ingerir bebida alcóolica e demonstrem qualquer intolerância política, ideológica ou religiosa.
A proibição serve para alunos que aplicarem ou participarem do trote e para estudantes e servidores que instigarem a prática de quaisquer desses atos. “A nossa própria Constituição prevê que, para vivermos em sociedade, precisamos ter respeito mútuo com os cidadãos. Não podemos, então, permitir que alguém seja submetido a obrigação que o deixe em situação de humilhação e desvantagem qualquer que seja”, afirma o reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramírez.
A medida era um dos compromissos do novo reitorado, que tomou posse em março. Em entrevista ao Estado de Minas em dezembro do ano passado, Ramírez adiantou que teria tolerância zero a trotes e que uma das punições seria a expulsão de veteranos. Algumas tradições, como pintar o rosto dos colegas, são permitidas, desde que o aluno aceite. Mas, segundo o reitor, em determinados casos, mesmo com consentimento do estudante, haverá punição. “Temos ritos na universidade, mas eles não precisam ser traumáticos. Se a pessoa concordar, mas o ato não for aceitável na nossa sociedade, também não o será na universidade. Algumas questões são intoleráveis.”
Ele se referia ao episódio ocorrido ano passado, no prédio da Faculdade de Direito, no Centro de BH. Fotos postadas no Facebook mostraram o tom da recepção aos calouros. Numa delas, havia um aluno amarrado da cabeça aos pés com fita zebrada numa pilastra e, ao lado dele, três alunos. Um deles estava caracterizado como Adolph Hitler e fazendo saudação nazista. A outra era de uma estudante com o corpo pintado de preto e corrente amarrada às mãos, puxada por um veterano, e uma placa com os dizeres “Caloura Xica da Silva”, em referência à escrava mais famosa de Minas Gerais. Foi aberto processo disciplinar que, de acordo com o reitor, está em fase final de apuração. Segundo ele, o resultado será conhecido ainda este mês.
A vice-reitora, Sandra Goulart Almeida ressalta que o objetivo da resolução não é a punição, mas abrir um processo para a comunidade acadêmica saber formalmente que a prática não é aceitável. “Essa campanha faz parte de um grupo de ações educativas de respeito aos direitos humanos”, diz. Ela relata ainda que até mesmo a palavra “trote” tem sido substituída para criar outra cultura no câmpus. “É importante mostramos essa hospitalidade da UFMG.” Pelo câmpus, outdoors e totens fazem propaganda contra o trote. Quem for vítima, se sentir coagido ou presenciar alguma cena pode fazer a denúncia na própria unidade de ensino ou diretamente à ouvidoria.
Interação
Entre os alunos, o clima é de festa. Os calouros Sabrina Ribeiro, de 17 anos, Raphael Silva Chalub, de 18, Octávio Henrique Cândido Salerno, de 19, e Thiago Cabral, da engenharia de controle e automação, aceitaram sem problemas ter as iniciais do curso estampadas na testa. “Na matrícula, nos entregaram um estatuto falando da proibição do trote. Mas o que vemos aqui hoje (ontem) é uma interação entre quem já estuda e os novatos”, afirmou Thiago. Sabrina contou que teve medo da reação dos veteranos: “Se você não quer, não fazem nada. Estão sendo muito respeitosos e interagindo conosco”.
Aluno do 4º período, Arthur Costa da Cunha Peixoto conta que na engenharia é praxe os veteranos fazerem uma espécie de carta para o calouro que aceitar a brincadeira assinar os termos de concordância. “Fazemos isso para não haver problema nem dúvida de que tudo foi correto”, afirmou.
Os calouros, Hugo Caiuá, de 17, Mateus Teles, de 18, e José de Alencar Silva, de 24, da engenharia aeroespacial, também consideraram tranquilo o primeiro dia no câmpus. Os três ficaram coloridos depois de terem cabeça e braços pintados. “É uma tradição e todos estão levando na brincadeira. Não houve qualquer forma de violência ou brutalidade”, afirmou Hugo. “Só participa quem quer. É uma identidade. Saímos na rua assim e todos sabem que passamos na universidade”, completou José.
RIGOR TOTAL
O que diz a resolução da UFMG sobre a prática de trotes
ATIVIDADES PROIBIDAS
– Incitar agressões físicas, psicológicas ou morais
– Promover atos lesivos ao patrimônio público ou privado ou que cause qualquer transtorno ao bom andamento de atividades didáticas e acadêmicas
– Coação física ou psicológica que implique ridicularização ou humilhação de alunos ou menosprezo à dignidade humana
– Obrigar qualquer aluno a ingerir bebidas alcoólicas ou fazer uso, sob qualquer forma, de quaisquer substâncias
– Obrigar qualquer aluno a usar vestimentas, acessórios ou cobrir o corpo ou a roupa com qualquer tipo de substância
– Qualquer forma de opressão, preconceito ou discriminação e que reforce situações de falsa hierarquia entre veteranos e calouros, homens e mulheres, cursos e áreas
– Intolerância política, ideológica ou religiosa
APLICAÇÃO DA PROIBIÇÃO
– A aluno que executar ou participar de trote
– A aluno e servidor da UFMG que instigar a prática do trote, dela participar ou assistir de maneira omissa e conivente
– O consentimento do aluno a qualquer ato proibido não exime de sanções os participantes do trote
– Injúria: Qualquer tipo de coação que obrigue qualquer aluno a praticar quaisquer atos contra a dignidade humana, que implique situação vexatória ou quaisquer outras formas de humilhação e constrangimento
– Agressão: Qualquer violência que comprometa a integridade física ou psicológica de qualquer pessoa:
PUNIÇÃO
– Advertência, suspensão ou desligamento após processo disciplinar, assegurados o contraditório e a ampla defesa
ENQUANTO ISSO...
...Vítima de trote é transferida para a UFMG
A UFMG ainda não foi oficialmente notificada sobre o estudante mineiro que ganhou na Justiça o direito a uma vaga na instituição depois de sofrer trote violento em festa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). Luiz Fernando Alves, de 22 anos, abandonou a instituição em março e pediu ao Judiciário o direito à transferência para o curso da federal. Na faculdade paulista, ele foi hostilizado por veteranos, ficou ferido e chegou a perder a consciência. O primeiro pedido de troca de escolas foi indeferido em 21 de julho, mas, depois de recorrer, foi aceito em liminar concedida pela juíza federal Hind Ghassan Kayath.