Salinas – Chocada. Assim está Salinas, com 40 mil habitantes, no Norte de Minas, diante das denúncias contra o empresário Antônio Eustáquio Rodrigues, de 64 anos, criador das marcas Seleta e Boazinha e considerado o maior produtor de cachaça artesanal do país. O “rei da cachaça” está preso preventivamente desde terça-feira, suspeito de tentativa de homicídio e de crimes sexuais contra adolescentes. O delegado da cidade, José Eduardo dos Santos, informou que novas denúncias contra o empresário estão sendo investigadas. Já os advogados de defesa afirmam que Rodrigues é inocente, alegando que o próprio Ministério Público pediu a exclusão da acusação de estupro de menor do inquérito. Eles solicitaram à Justiça revogação da prisão preventiva ou aplicação de medida cautelar de restrição de liberdade (como prisão domiciliar). Como o pedido ainda não foi julgado, Rodrigues continua no presídio regional de Pedra Azul.
“Salinas é uma cidade de paz. Ninguém pode ser culpado antecipadamente. Mas a nossa expectativa é que os fatos sejam esclarecidos pela Justiça”, afirmou o prefeito Joaquim Neres (PT), o Quincas da Ciclodias. “A cidade está chocada”, declarou a secretária municipal de Governo, Patrícia Guimarães.
As denúncias se tornaram o assunto mais comentado nas ruas da cidade, principalmente pelos hábitos diferentes de Rodrigues. Ele é visto como personagem excêntrico e folclórico. Uma ex-funcionária da Seleta conta, por exemplo, que o empresário costuma usar roupas iguais aos uniformes do Exército e da Marinha: “Quando veste a roupa branca da Marinha, quer dizer que ele está em paz. No dia em que veste a roupa do Exército, ninguém nem pode encostar, porque ele está atacado”. Outros moradores revelam que o produtor de cachaça mantém uma boate dentro da sede de sua empresa e cria animais silvestres, como gambás, urubus e cobras.
A reportagem esteve ontem em uma das lojas da Seleta, que funciona normalmente, assim como duas fábricas do grupo no município. A direção informou que, desde 2006, devido a problemas de saúde, Rodrigues foi afastado do comando da firma.
SUSPEITAS A investigação contra Rodrigues começou há cinco meses, quando foram feitas denúncias anônimas à Policia Civil, ao Ministério Público estadual e ao Conselho Tutelar dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Salinas. O delegado garante que “provas contundentes” motivaram a prisão preventiva do empresário.
Depois da prisão por suspeita de tentativa de homicídio e crimes sexuais contra adolescentes, surgiram novas denúncias anônimas contra o produtor de cachaça. A informação foi divulgada ontem à tarde pelo delegado de Salinas, José Eduardo dos Santos, que não dá detalhes porque a investigação é sigilosa. “São denúncias anônimas e não sabemos se são verdadeiras, pois também podem ser feitas por pessoas que querem prejudicar o empresário”, afirmou o policial.
O delegado admitiu, em entrevista coletiva, a existência de um vídeo, usado como prova na acusação de tentativa de homicídio, cuja vítima ainda não foi identificada, mas também não deu detalhes.
Advogados de defesa de Rodrigues, também em entrevista coletiva, afirmaram que as denúncias são infundadas. Um dos defensores dele, o juiz aposentado Frederico do Espírito Santo, disse que o Ministério Público solicitou a retirada do processo da representação pelo crime de “estupro contra vulnerável”. Segundo ele, Rodrigues nega todas as acusações e garante que nunca teve relação sexual com a adolescente de 15 anos que prestou depoimento, alegando também desconhecer acusações de outro adolescente, de 14 anos. Os advogados disseram que um médico examinou Rodrigues e constatou que ele tem hipertensão. Por isso, foi solicitada a transferência dele para um hospital.
Ajuda Mesmo com as acusações de pedofilia, Rodrigues é considerado “pai dos pobres” em Salinas. O apelido é devido ao fato de ele distribuir cestas básicas e remédios a famílias de baixa renda do município, além de ajudar na reforma de casas, inclusive de seus funcionários. “Deus que abençoe seu Antônio, onde que ele estiver. É uma excelente pessoa”, afirma a aposentada Geralda Maria de Jesus, de 70 anos, moradora da Vila Canaã, uma das áreas mais carentes de Salinas. Ela diz que recebeu cesta básica e material para construção de um telhado no quintal de sua casa.
Na Vila Canaã, um dos maiores defensores do produtor de cachaça é Luciano Barbosa, de 38, que ficou tetraplégico há 12 anos, depois de sofrer uma queda quando trabalhava como “amansador de burro bravo”. “Tudo que eu preciso, o ‘seu’ Antônio dá para mim. É remédio, água mineral, comida”, conta. “Essas coisas que inventaram contra ele é (sic) tudo mentira”.
A estudante Jaine Amaral, de 21, afirma ser afilhada do produtor de cachaça, de quem também se tornou amiga. “Convivo com ele há mais de seis anos como amiga. Ele nunca tentou nada comigo”, garante. O pai dela, o autônomo Jair Amaral, acrescenta que o empresário sempre tratou sua filha com respeito.
Gleidson de Souza, de 18, é irmão (por parte de pai) do adolescente de 14 anos que acusou Rodrigues de abuso sexual em depoimento. Mas afirma que discorda do meio irmão, que mora em outra casa. “O ‘seu’ Antônio é um homem que gosta de ajudar as pessoas e sempre pergunta aos jovens se estão estudando. Gleison revela que já ganhou presentes do empresário, como uma camisa e uma jaqueta usadas, mas “não houve nada em troca”.
A reportagem foi à casa do adolescente que acusou o empresário, no Bairro Alto São João, outra região carente de Salinas. Mas ele não quis dar entrevista. A mãe dele, que se identificou como Jeci, disse não ter conhecimento de detalhes da denúncia. A outra adolescente envolvida no caso não foi localizada.
SAIBA MAIS: cachaça internacional
A empresa Seleta, fundada pelo empresário Antônio Eustáquio Rodrigues, é a maior fabricante de cachaça artesanal do Brasil e produz em torno de 1,5 mião de litros por ano e mantém um estoque em tonéis de 5 milhões de litros de aguardente, segundo entrevistas do próprio empresário. O grupo emprega em torno de 350 pessoas e tem duas fábricas em Salinas, considerada capital nacional da cachaça, sendo detentor das marcas Seleta, Boazinha e Saliboa. Além do mercado nacional, exporta para diversos países, como Alemanha, China, Estados Unidos, França, Itália, Portugal, Nova Zelândia e Uruguai. O grupo tem escritórios de vendas em Belo Horizonte e São Paulo e, desde 2006, contrata pessoas altamente qualificadas para a gestão, o que é responsável pelo sucesso das marcas no mercado.