Valquiria Lopes
Um grupo de bombeiros foi chamado às pressas na manhã da última segunda-feira para retirar o corpo de um homem que boiava no Ribeirão Arrudas na altura do Horto, na Região Leste de Belo Horizonte – a Polícia Civil apura se houve assassinato ou acidente. À noite, militares tiveram de voltar ao local para retirar outro corpo, desta vez de uma pessoa que havia caído de um altura de 10 metros. No domingo anterior, um grupo de voluntários tinha conseguido resgatar com vida uma gata que, eles garantem, estava presa havia um mês em uma canaleta do ribeirão. Os três casos em curto intervalo de tempo chamaram a atenção para os riscos às margens do Arrudas e levaram o Corpo de Bombeiros a fazer um alerta para quem precisa passar perto do principal curso d’água da capital mineira.
Os militares estimam que pelo menos uma vez por semana são chamados para resgatar corpos, pedestres, motoristas acidentados ou até animais no leito do Arrudas. As operações são feitas em toda a extensão do rio, que cruza a cidade de oeste a leste, mas se concentram na área central de BH. O capitão Tiago Miranda, do Corpo de Bombeiros, faz especial alerta para pedestres e motociclistas. “Em uma batida com um carro ou caminhão, um motociclista pode ser arremessado”, diz. “O pedestre também pode ser atropelado no lado esquerdo da pista”, acrescenta. No caso da população de rua, Miranda ressalta que muitos acidentes ocorrem quando essas pessoas vão buscar algum objeto guardado em tubulações ao longo do ribeirão ou quando brigam. “Houve casos em que um empurrou o outro contra a mureta do Arrudas”, relata.
O capitão dos bombeiros conta que há pedestres que, com pressa, se arriscam nas vigas de concreto que levam de um lado ao outro do ribeirão. “As pessoas acham que vão economizar tempo passando pelas vigas, mas quando estão no meio da travessia acabam tendo uma vertigem, um mal-estar”, afirma. A queda, que em alguns trechos pode ser de 10 metros de altura, é suficiente para provocar mortes, segundo os bombeiros. “É uma altura muito grande e, nos casos em que a pessoa sobrevive, costuma ter trauma crânio encefálico, fraturas nos membros inferiores e hemorragias”, diz Miranda, que recomenda cuidado com a borda do rio. “A orientação é procurar um cruzamento mais próximo ou uma passarela.”
Diante da necessidade de agir semanalmente no Ribeirão Arrudas, os bombeiros adotaram técnicas específicas para salvamento. Segundo o tenente Josué Soares, do 1º batalhão, a operação dura em média 10 minutos, a partir da chegada da viatura ao local. Pelo menos oito militares são envolvidos em cada resgate. Enquanto uma equipe prepara os equipamentos para tentar içar vítimas com vida, outro grupo presta os primeiros socorros. Na operação, uma viatura serve de suporte para amarrar cordas pelas quais pelo menos dois bombeiros descem, usando técnica de rapel. Uma maca chamada sked é preparada por outro grupo. É com ela que, por meio de um sistema de içamento, os bombeiros puxam a vítima amarrada. Depois do procedimento, a vítima é levada a uma unidade de saúde.
Animais
O resgate de animais, a maioria cachorros, também se tornou frequente na parte seca do Arrudas, o que exige técnicas diferentes por parte dos bombeiros. Os animais geralmente entram na canaleta de concreto por meio de galerias que têm acesso à rua ou são abandonados. “No caso de animais, o bombeiro usa técnica de rapel para descer e tenta ganhar a confiança do cão ou gato. Se houver resistência, cordas ou enforcadores são usados para capturar o animal e levá-lo a uma gaiola ou caixa”, detalha o capitão Tiago Miranda. O resgate é difícil e pode demorar. Muitas vezes, se o bicho é arisco, é preciso voltar outro dia para fazer nova tentativa.
Não são apenas bombeiros que se mobilizam para salvar animais no Arrudas. Há oito dias, num domingo, a bióloga Iara Campos, de 33 anos, e o companheiro dela, o gestor público Bruno Vale, de 28, resgataram uma gata. Os dois fazem parte de grupos de proteção animal e viram em uma rede social fotos da gata presa no Rio Arrudas, na altura do Shopping Boulevard, no Bairro Santa Efigênia. “Nos oferecemos para ajudar, porque animal abandonado tem todo dia, mas aquele caso era diferente. Ela não tinha como sair dali e, como o Bruno faz rapel, pôde descer e tirá-la”, conta Iara.
Foram mais de sete horas até que a gatinha fisgasse a isca e entrasse na gaiola usada para transportá-la. “Ficamos felizes, mas ainda é muito pouco diante de tantos animais que são abandonados por pessoas, seja no Arrudas ou em qualquer parte da cidade”, lamentou a bióloga. Outro caso envolvendo animais que chamou a atenção no Arrudas ocorreu em junho, quando uma cadela foi retirada do ribeirão. Uma equipe do Corpo de Bombeiros fez o resgate do animal, que estava preso na canaleta do Arrudas havia quatro dias.
MEMÓRIA
Salto e acidente
No fim de abril, um homem se jogou no Arrudas depois de ver viaturas da Polícia Militar. Ele foi resgatado pelo Corpo de Bombeiros com fraturas nos dois pés. No mesmo mês, um acidente envolvendo um Renault Logan prata resultou na morte de dois ocupantes do veículo. Segundo testemunhas, o condutor pode ter cochilado ao volante. O carro, sem controle, atravessou o canteiro central da Avenida Tereza Cristina e despencou de uma altura de sete metros no Ribeirão Arrudas.
Saiba mais
Arrudas corta a cidade
O Ribeirão Arrudas nasce em Contagem e desce por parte de Belo Horizonte até desaguar no Rio das Velhas, no município de Sabará. Do Parque Estadual da Serra do Rola- Moça, onde está a nascente, até a foz, o ribeirão abrange uma área de aproximadamente 206km². Seu curso d’água principal tem em torno de 47km de extensão. Somente no município de Belo Horizonte, o leito do Arrudas tem extensão de cerca de 37km, sendo um importante condicionante da ocupação urbana na região. A canalização do Arrudas teve início na década de 1980 e foi concluída em 1997. A obra foi uma tentativa de pôr fim ao problema das enchentes. Apesar de preservado na nascente, o Arrudas em Belo Horizonte é poluído e acumula lixo.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente informou que não há, neste momento, projetos para despoluição. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), já estão concluídas as obras de cobertura do rio, o chamado Boulevard Arrudas, na Avenida do Contorno, entre Rua dos Carijós e Avenida Barbacena; na Avenida Tereza Cristina, entre a Avenida Barbacena e Rua Aquidaban, numa extensão de 2,3 quilômetros, e na Avenida dos Andradas, entre Rua Rio de Janeiro e Alameda Ezequiel Dias. Os próximos fechamentos serão na Contorno entre as ruas Rio de Janeiro e Carijós e na Avenida dos Andradas, trecho entre a Alameda Ezequiel Dias e Avenida do Contorno (no Santa Efigênia), obra que será executada pelo governo do estado.