Jornal Estado de Minas

Deficiente visual conta como percebe a Praça da Liberdade por meio das sensações

Morador da Região Centro-Sul gosta de contemplar, como pode, um dos mais famosos pontos de BH

Jaqueline Mendes
Gustavo Felipe saiu sozinho pelas ruas de BH quando completou 22 anos, em 1997. De lá para cá, não parou mais - Foto: Tulio Santos/EM/D.A.Press


Morador da Região Centro-Sul de Belo Horizonte, Gustavo Felipe, de 39 anos, é frequentador assíduo da Praça da Liberdade. Desde os 22 anos, quando se arriscou a cortar a cidade sozinho pela primeira vez, o deficiente visual passa algum tempo contemplando – como pode – um dos pontos mais charmosos da cidade. Conhece o Edifício Niemeyer, “referência para o ponto de ônibus e de prédio diferente, curioso”. Sabe bem do coreto e do antigo palácio do governo. Formado em letras, Gustavo, a pedido do EM, descreve esse que é um de seus pontos preferidos na cidade. “O ar é bom. É puro perto das fontes. E tem muitas árvores.

Árvores altas. A grama é verdinha. Não é o verde que você conhece. É um verde que eu imagino, molhado e vivo.”


Clique aqui para ouvir mais sobre a história de Gustavo


“Tem sons de tudo o que é jeito. Até o barulho dos beijos conheço. Os namorados pensam que não. Mas estou vendo tudo (risos). Ouço os pássaros e sinto a presença dos policiais. Vejo crianças e velhos perto de mim. Moças bonitas também. Perfumes e vozes facilitam bastante. E tem o calçamento. As pedras que fazem o caminho.” Divertido, romântico e desconfiado, Gustavo conta que teve um nascimento difícil.

Diz que veio ao mundo por meio de fórceps, instrumento médico usado em partos difíceis, “com consequências graves”. A maior delas, a perda da visão. Houve também, em função de uma cirurgia na cabeça, danos nos movimentos do lado esquerdo do corpo.

 

Assista a entrevista com o deficiente visual, Gustavo Felipe

 


Apesar da força e da superação, Gustavo lamenta a discriminação vivenciada na cegueira. “Muita gente discrimina. Somos tratados por muitos como se fôssemos de outro mundo. Falta consideração. No ponto de ônibus, por exemplo, nem todo mundo tem boa vontade para ajudar. Por que não há um aviso sonoro pensado para a nossa situação? E você acredita que já fui assaltado três vezes?”

Barreiras para superar


Julia Martins de Oliveira, de 47 anos, tem dificuldades em lidar com a deficiência da filha Juliana, de 15. “Não é fácil. Só Deus.
Ela lida com a situação muito melhor que eu”, revela a mãe. A dona de casa, moradora de Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, deixou de lado todos os projetos pessoais para se dedicar à filha caçula. Juliana nasceu deficiente visual, com glaucoma congênito. Bonita, inteligente e dedicada, a menina vem se destacando nos estudos e na prática de esportes. É uma das jovens atletas de golbol do Programa Superar.

Ouça a história de Juliana


É noite de treino com o educador físico Vinícius Barreto. Para o orgulho da mãe companheira, Juliana chama a atenção na quadra. Salta para evitar o gol com a disposição de veterana. Lança a bola com a força e direção de campeã. Com ela em campo, fica mais difícil para o time adversário vencer. Júlia não esconde a alegria de ver a batalha da filha. “Ela é muito aplicada. Dá gosto ver.” A dona de casa cobra mais empenho do poder público em benefício dos deficientes visuais da cidade. Daí, a maior revolta.

Para Deane Silva de Almeida, de 32, da Associação dos Deficientes Visuais de Belo Horizonte (Adevibel), a cidade, de fato, não está preparada para lidar com quem tem grande dificuldade ou nenhuma capacidade de enxergar. De acordo com a liderança, foi feito o rebaixamento das calçadas pensando nos cadeirantes, mas isso dificultou ainda mais a vida dos cegos. A pista tátil, também para ela, é outro ponto crítico na cidade. “Especialmente no Hipercentro. Não temos a pista em todos os lugares e onde elas estão, acabam do nada, em postes, orelhões e bancas de jornais e revistas”, critica.

Deane fez carreira como judoca. São duas décadas nos tatames de todo o Brasil. A atleta enxergou até os 8 anos. Hoje, vítima de intoxicação por medicamento, tem “baixa visão” – algo entre 15% e 20% da capacidade de uma pessoa comum. Politizada, a esportista tem trabalhado pelos deficientes visuais com a dedicação de quem conhece a fundo as agruras da causa.

Quer ajudar? Pense nisso:



Dificuldade em vários graus

 

Baixa visão (leve, moderada ou profunda): compensada com o uso de lentes de aumento, lupas, telescópios, com o auxílio de bengalas e de treinamentos de orientação.

Próximo à cegueira: quando a pessoa ainda é capaz de distinguir luz e sombra, mas já emprega o sistema braile para ler e escrever, utiliza recursos de voz para acessar programas de computador,
locomove-se com a bengala e precisa de treinamentos de orientação e  de mobilidade.

Cegueira: quando não existe qualquer percepção de luz. O sistema braile, a bengala e os treinamentos de orientação e de mobilidade, nesse caso, são fundamentais.

O diagnóstico de deficiência visual pode ser feito muito cedo, exceto nos casos de doenças degenerativas como a catarata e o glaucoma, que evoluem com o passar dos anos

 

Um mundo pelo tato

A cada 5 segundos, uma pessoa se torna cega no mundo. Do total de casos de cegueira, 90% ocorrem nos países emergentes e subdesenvolvidos. Até 2020, o número de deficientes visuais poderá dobrar no mundo.

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