Morador da Região Centro-Sul de Belo Horizonte, Gustavo Felipe, de 39 anos, é frequentador assíduo da Praça da Liberdade. Desde os 22 anos, quando se arriscou a cortar a cidade sozinho pela primeira vez, o deficiente visual passa algum tempo contemplando – como pode – um dos pontos mais charmosos da cidade. Conhece o Edifício Niemeyer, “referência para o ponto de ônibus e de prédio diferente, curioso”. Sabe bem do coreto e do antigo palácio do governo. Formado em letras, Gustavo, a pedido do EM, descreve esse que é um de seus pontos preferidos na cidade. “O ar é bom. É puro perto das fontes. E tem muitas árvores. Árvores altas. A grama é verdinha. Não é o verde que você conhece. É um verde que eu imagino, molhado e vivo.”
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Assista a entrevista com o deficiente visual, Gustavo Felipe
Apesar da força e da superação, Gustavo lamenta a discriminação vivenciada na cegueira. “Muita gente discrimina. Somos tratados por muitos como se fôssemos de outro mundo. Falta consideração. No ponto de ônibus, por exemplo, nem todo mundo tem boa vontade para ajudar. Por que não há um aviso sonoro pensado para a nossa situação? E você acredita que já fui assaltado três vezes?”
Barreiras para superar
Julia Martins de Oliveira, de 47 anos, tem dificuldades em lidar com a deficiência da filha Juliana, de 15. “Não é fácil. Só Deus. Ela lida com a situação muito melhor que eu”, revela a mãe. A dona de casa, moradora de Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, deixou de lado todos os projetos pessoais para se dedicar à filha caçula. Juliana nasceu deficiente visual, com glaucoma congênito. Bonita, inteligente e dedicada, a menina vem se destacando nos estudos e na prática de esportes. É uma das jovens atletas de golbol do Programa Superar.
É noite de treino com o educador físico Vinícius Barreto. Para o orgulho da mãe companheira, Juliana chama a atenção na quadra. Salta para evitar o gol com a disposição de veterana. Lança a bola com a força e direção de campeã. Com ela em campo, fica mais difícil para o time adversário vencer. Júlia não esconde a alegria de ver a batalha da filha. “Ela é muito aplicada. Dá gosto ver.” A dona de casa cobra mais empenho do poder público em benefício dos deficientes visuais da cidade. Daí, a maior revolta.
Para Deane Silva de Almeida, de 32, da Associação dos Deficientes Visuais de Belo Horizonte (Adevibel), a cidade, de fato, não está preparada para lidar com quem tem grande dificuldade ou nenhuma capacidade de enxergar. De acordo com a liderança, foi feito o rebaixamento das calçadas pensando nos cadeirantes, mas isso dificultou ainda mais a vida dos cegos. A pista tátil, também para ela, é outro ponto crítico na cidade. “Especialmente no Hipercentro. Não temos a pista em todos os lugares e onde elas estão, acabam do nada, em postes, orelhões e bancas de jornais e revistas”, critica.
Deane fez carreira como judoca. São duas décadas nos tatames de todo o Brasil. A atleta enxergou até os 8 anos. Hoje, vítima de intoxicação por medicamento, tem “baixa visão” – algo entre 15% e 20% da capacidade de uma pessoa comum. Politizada, a esportista tem trabalhado pelos deficientes visuais com a dedicação de quem conhece a fundo as agruras da causa.
Quer ajudar? Pense nisso:
- Identifique-se, caso encontre alguém que pareça estar em dificuldades. Permita que a pessoa com deficiência visual perceba que você está falando com ela e ofereça seu auxílio. Mas é bom saber que nem sempre a ajuda é necessária.
- Caso sua ajuda como guia seja aceita, coloque a mão da pessoa no seu cotovelo dobrado. Ela irá acompanhar o movimento do seu corpo enquanto você vai andando. Em um corredor estreito, por onde só é possível passar uma pessoa, coloque o seu braço para trás, de modo que a pessoa cega possa continuar seguindo você.
- É sempre bom avisar sobre a existência de degraus, pisos escorregadios, buracos e outros obstáculos durante o trajeto.
- Ao explicar direções, seja o mais claro e específico possível; de preferência, indique as distâncias em metros (“uns vinte metros à frente”, por exemplo). Quando for se afastar, avise sempre.
- Não se deve brincar com um cão-guia, pois ele tem a responsabilidade de guiar o dono que não enxerga e não deve ser distraído dessa função.
- As pessoas cegas ou com visão subnormal são como você, apenas não enxergam. No convívio social ou profissional, não as exclua das atividades normais. Deixe que decidam como podem ou querem participar.
- Fique à vontade para usar palavras como “veja” e “olhe”, pois as pessoas com deficiência visual as empregam com naturalidade.
Dificuldade em vários graus
Baixa visão (leve, moderada ou profunda): compensada com o uso de lentes de aumento, lupas, telescópios, com o auxílio de bengalas e de treinamentos de orientação.
Próximo à cegueira: quando a pessoa ainda é capaz de distinguir luz e sombra, mas já emprega o sistema braile para ler e escrever, utiliza recursos de voz para acessar programas de computador,
locomove-se com a bengala e precisa de treinamentos de orientação e de mobilidade.
Cegueira: quando não existe qualquer percepção de luz. O sistema braile, a bengala e os treinamentos de orientação e de mobilidade, nesse caso, são fundamentais.
O diagnóstico de deficiência visual pode ser feito muito cedo, exceto nos casos de doenças degenerativas como a catarata e o glaucoma, que evoluem com o passar dos anos
Um mundo pelo tato
A cada 5 segundos, uma pessoa se torna cega no mundo. Do total de casos de cegueira, 90% ocorrem nos países emergentes e subdesenvolvidos. Até 2020, o número de deficientes visuais poderá dobrar no mundo.