Na batalha diária que o Corpo de Bombeiros e brigadistas, particulares e voluntários, travam contra o fogo em Minas Gerais na época da seca, a segunda-feira foi marcada por muito trabalho. As chamas voltaram a assolar o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, nos limites de Belo Horizonte, Nova Lima, Ibirité e Brumadinho, na região metropolitana, e foram debeladas com o rescaldo no Parque Estadual do Itacolomi, entre Ouro Preto e Mariana, na Região Central. O fogo também castigou a Área de Proteção Ambiental Sul (APA Sul), na Serra da Moeda, às margens da BR-040, prejudicando a visibilidade dos motoristas. De janeiro até o último dia 24, 314 ocorrências foram registradas dentro e no entorno de unidades sob proteção oficial em Minas. Considerando apenas os sete primeiros meses do ano, foram 206 casos, 114% a mais que a média histórica dos últimos cinco anos no mesmo período (96). Para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), em 90% dos casos a autoria é criminosa, mas as autoridades dizem que é difícil identificar, prender, denunciar e principalmente condenar os envolvidos.
A redação do artigo 41 da Lei Federal 9.605, de 1998, que regula os crimes ambientais, é bem direta: “provocar incêndio em mata ou floresta” é crime, punido com reclusão de dois a quatro anos e multa. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, além de multa. Segundo a Polícia Civil, que é a responsável por apurar os casos, desde janeiro de 2013 foram abertos 193 inquéritos para investigar o problema, com 32 pessoas indiciadas apenas na área de Belo Horizonte, em casos que se concentram nos parques estaduais do Rola-Moça, especialmente na Região do Barreiro, e do Serra Verde, no bairro de mesmo nome, na Região de Venda Nova.
No mesmo período, a Polícia Militar do Meio Ambiente prendeu em flagrante apenas cinco pessoas, em uma área de 45 municípios no entorno da capital. Se o assunto é condenação, não há notícias de casos recentes. “As áreas são muito extensas e os locais, ermos, normalmente sem testemunhas que tenham presenciado a ação criminosa. Há focos que se iniciam com queima de lixo no meio do mato, rituais religiosos e até com restos de cigarro, graças ao clima seco”, diz a delegada Andrea Pochmann, da 1ª Delegacia Especializada de Crimes contra o Meio Ambiente e Conflitos Agrários de BH.
A delegada diz ainda que a Polícia Civil depende muito do comprometimento da população para auxiliar nas investigações. “Se não houver denúncia que origine uma prisão em flagrante ou uma informação com dados mínimos, é muito difícil”, afirma a policial, constatando que artifícios de investigação que funcionam em outros tipos de crimes, como escutas telefônicas ou imagens de câmeras de vigilância, não têm aplicação nesses casos.
A Companhia de Polícia Militar do Meio Ambiente sediada no Bairro Vera Cruz, Leste de BH, é responsável pelo atendimento a 45 cidades, a maioria na Região Metropolitana de Belo Horizonte. São 118 policiais para dar conta da prevenção de todos os crimes ambientais. “A maior dificuldade é saber quem é o autor. Nenhum órgão tem estrutura para fazer a fiscalização em todos os lugares, principalmente em áreas tão grandes. Fica difícil garantir a punição”, diz o capitão Juliano Trant, comandante da unidade.
Obstáculos
Rodrigo Belo, diretor do Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Previncêndio), vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), lembra que, para garantir a condenação nos casos de incêndio criminoso, a lei exige comprovação de que o acusado seja de fato a responsável pelo crime, o que é conhecido como nexo de causalidade. “Em um incêndio florestal é quase impossível demonstrar esse nexo”, afirma.
Sem efetividade na hora de punir os infratores, resta trabalhar com prevenção e investir no combate para evitar que as chamas resultem em enormes desastres ambientais. Mas a estratégia fica muito sujeita às condições climáticas. Neste ano, com estiagem prolongada, os números de incêndios estão bem acima da média, mas a previsão do diretor do Previncêndio era de que a situação estivesse ainda pior. “Isso não significa que o quadro não possa ficar mais crítico, mas janeiro e fevereiro foram meses de pouca chuva, o que interfere diretamente nas condições da vegetação”, diz Belo.
Estrutura
O Previncêndio é uma força-tarefa formada por vários órgãos da administração estadual, e conta com nove aviões exclusivos que podem ser usados de forma simultânea em combate a queimadas, se necessário. Além disso, o governo do estado tem 11 helicópteros de diferentes órgãos que podem ser solicitados em apoio, de acordo com a demanda de cada instituição. Os mais usados são os da Polícia Militar e dos bombeiros.
Para o capitão Thiago Miranda, assessor de imprensa do Corpo de Bombeiros, a corporação tem estrutura suficiente para combater os incêndios juntamente com equipes de brigadistas particulares e voluntários. Ele não acredita que o investimento em pessoal seja o melhor caminho para resolver a situação e evitar que a vegetação do estado seja destruída pelo fogo: para o militar, a educação deve ser a maior aposta. “Dá para fazer acampamentos ou outros eventos com os devidos cuidados. A área tem que ser cercada, é importante colocar terra por baixo de onde está o fogo e verificar se está tudo apagado na hora de terminar o que estiver fazendo”, alerta o capitão.
Em chamas
Ocorrências em áreas sob proteção do estado e entornos
Média histórica de 2009 a 2013 (janeiro a julho): 96
2014 (janeiro a julho): 206
114% de aumento sobre a média
Área queimada em áreas sob proteção do estado e entornos
Média histórica de 2009 a 2013 (janeiro a julho): 1.661,8 hectares
2014 (janeiro a julho): 2.354,79 hectares
41,7% de aumento sobre a média