Um das mais recentes investigações que desafiam a Polícia Civil é o caso da jovem negra da Zona da Mata mineira. O episódio, qualificado como injúria racial, ocorreu depois de a garota postar na semana passada uma foto na qual aparece com o namorado, branco, de 18 anos. O titular da 2ª Delegacia de Crimes Cibernéticos de BH, César Duarte Matoso, disse ontem que a equipe da capital vai dar suporte aos colegas de Muriaé, na tentativa de encontrar os autores das mensagens racistas.
A polícia vai pedir na Justiça ordem para obter o IP dos computadores de onde partiram as ofensas e, assim, identificar a origem das mensagens. De acordo com o Marco Civil da Internet, legislação que entrou em vigor no fim de junho, provedores de acesso à rede são obrigados a guardar os registros de acesso e do fim da conexão dos usuários pelo prazo de seis meses. De acordo com o delegado, 99% dos autores de crimes cometidos no ambiente virtual são identificados. “A pessoa comum não tem muita habilidade técnica ou conhecimento de informática para se esquivar de uma investigação, pois ela não pratica crimes com frequência”, diz.
César Matoso esclarece, no entanto, que para investigar crimes de injúria as vítimas têm que prestar queixa. Segundo ele, atos de discriminação são comuns na rede e, na maioria das vezes, o autor das ofensas é conhecido da vítima. Nesse caso, o procedimento é diferente: “Cabe à pessoa que foi ofendida procurar um advogado e entrar com uma ação criminal na Justiça”.
O delegado chama atenção ainda para a dimensão que uma ofensa na internet pode ganhar. Somente no Brasil, houve mais de 100 milhões de acessos no último trimestre. Apenas os domésticos responderam por 75% desse total. “Quanto mais pessoas na rede, mais crimes haverá”, diz César Matoso. Somente ano passado foram concluídos 300 inquéritos por crimes cibernéticos – a maioria deles, estelionato.
O delegado não tem dados sobre quantos se referiam especificamente a racismo ou injúria racial, mas informou que recebe inúmeros casos na Região Metropolitana de BH, além das investigações feitas pelas delegacias estado afora. “É um problema mais de relacionamento na rede e nem tanto policial. Como as pesosas se relacionam muito nesse espaço, qualquer ofensa abala muito o círculo de amigos. E elas não estão preparadas para uma exposição pública como ocorre na internet.”
Matoso destaca que estar na rede mundial e fazer parte das redes sociais exige consciência dos bônus e dos ônus. “Quanto maior a exposição, maior o problema depois, principalmente se envolver conteúdo íntimo. A linguagem na internet é fria e sem contexto e pode causar um problema enorme na vida pessoal da vítima.”
Delegado vai ouvir namorados
Tiago de Holanda/Enviado especial
Muriaé – O inquérito sobre o caso do casal de Muriaé foi instaurado ontem na cidade e está aos cuidados do delegado Eduardo Freitas da Silva, da 31ª Delegacia. Ele planeja colher hoje os depoimentos dos namorados. “Vamos perguntar se ela já vinha recebendo ofensas raciais por outros meios, como telefone e mensagens de celular, e se conhece os agressores. A partir dos depoimentos teremos uma base para questionar os suspeitos sobre a participação no crime”, explica Silva. Ele não descarta a possibilidade de também conversar com familiares do casal.
Depois dos depoimentos dos namorados, a etapa seguinte será tentar identificar os IPs (números de registros) dos computadores dos quais partiram os comentários racistas. A polícia já registrou nomes e fotos dos perfis do Facebook responsáveis pelas mensagens. “Alguns parecem ser falsos (sem nomes de pessoas), outros têm identificação. No caso dos que forem de ‘pessoas reais’, será muito fácil chegar até elas. Ainda não sabemos se são de Muriaé”, afirma. “Nas investigações, se encontrarmos obstáculos maiores relacionados à informática, vamos pedir auxílio à Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte, que tem mais conhecimentos técnicos que nós”, acrescenta.
Mais rigor
Segundo o delegado, os agressores poderão responder por injúria racista, crime tipificado no artigo 140 do Código Penal, com pena de um a três anos de prisão e multa. “A punição deveria ser maior”, diz. “Esses casos são inaceitáveis. Devemos incentivar quem sofre esse tipo de discriminação a procurar a polícia. Enquanto isso parecer tolerável para algumas pessoas, muitos agressores vão continuar agindo”, constata.