Sandra Kiefer
Exatos dois meses depois da queda do viaduto Batalha dos Guararapes, na Avenida Pedro I, na Região Norte de BH, que matou duas pessoas e feriu 23, ainda há quem sinta medo de passar sob os elevados construídos às pressas para a Copa do Mundo. A família da motorista Hanna Cristina Santos, de 24 anos, que perdeu a vida ao volante do ônibus que teve a frente esmagada pelo concreto, prefere mudar de caminho. Com exceção de um irmão, até mudaram de endereço para ficar longe da rota obrigatória do coletivo 70, da linha suplementar, do qual tiram o sustento.
“Quanto mais tempo eu ficar longe daquele viaduto, melhor”, confessa a mãe de Hanna, Analina Soares Santos, de 52 anos, que foi morar na Avenida Vilarinho, com acesso pela Avenida Cristiano Machado. Outro motivo para a mudança de casa é que se tornou ‘insuportável’ continuar sentindo a presença da filha no apartamento onde viviam. Na casa nova, Ana Clara, de 6 anos, filha de Hanna, ganhou um quarto só para ela. Antes o dividia com a mãe.
“Já perdi a minha filha. Se ficar sem a neta, a vida vai perder o sentido”, diz a Analina antes de desabar em lágrimas. Ela conta que o pai reivindica a guarda da criança na Justiça. Segundo a família, o relacionamento do casal durou apenas cinco meses e que ele não paga pensão e se encontra esporadicamente com a filha. “Não sei como Ana Clara será recebida pela madrasta”, temem os avós, que já conseguiram a guarda provisória em processo que corre na 11ª Vara de Família.
Quatro dias depois da obtenção da guarda provisória pelos avós, o pai de Ana Clara, o músico Enderson Elisiano, de 33, ajuizou ação de retificação de guarda na Justiça. “Na ausência da mãe, é lógico que Ana Clara tem de ficar com o pai”, defende ele, alegando que o relacionamento com Hanna durou cinco anos. Ele diz que estaria aberto a uma solução de guarda compartilhada, como já faz com os três filhos do primeiro casamento. “Não pagava pensão para a Ana Clara porque não havia necessidade. Hanna me ligava e pedia R$ 200. Também não havia dia marcado para eu buscar a filha na escola”, afirma o pai, que diz ter fotos e documentos que comprovam a relação de proximidade com a criança.
“O que conta é o melhor interesse da criança”, alerta o advogado Rodrigo da Cunha, presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFam). Apesar de ressalvar que não acompanha o caso, ele considera que Ana Clara poderia ficar com os avós. Nas recentes decisões do direito de família, os laços afetivos se sobrepõem até mesmo aos de sangue.
Na casa dos avós, Ana Clara convive de perto com a madrinha Priscila, de 31, irmã mais velha de Hanna, que reagiu de forma oposta ao irmão, Thiago, obrigado a se refazer do trauma para tocar o ônibus em dois horários, cobrindo a perda da irmã, com quem dividia o volante. “Não estou mais atuando como cobradora. Ainda não tenho forças para voltar”, diz a ‘dindinha’, que acabava de pegar Ana Clara na escola. A outra cobradora, mulher de Thiago, que trabalhava com Hanna no momento do acidente e quebrou o maxilar, também está afastada. Não se sabe se terá condição de retornar.
No dia do acidente, a mãe de Hanna recebeu telefonema de um conhecido recomendando que deveria ligar a TV, que estava exibindo imagens da queda do viaduto). “Pelo tom de voz, já fui gritando para os vizinhos e pedindo socorro. Meu marido me levou para o hospital. Quando recebi a notícia da morte da minha filha, tinha tomado uma injeção de calmante e três comprimidos. Mesmo assim, minha pressão foi a 23. Poderia ter morrido”, conta Analina, que soube pelo rádio de que havia um ônibus debaixo do viaduto e feridos. O marido, José Antônio dos Santos, de 61, conta que a empresa repôs o ônibus, depois que ele acertou os R$ 28 mil restantes das prestações não quitadas.